Estratégias de cooperação para a competitividade no setor têxtil brasileiro: o papel de entidades de classe

Adilson Caldeira1, Antunielle de Fátima Fonseca1, Débora Alvarenga Gonzales1, Karine Grande de Souza1

1 Universidade Presbiteriana Mackenzie


RESUMO

Este estudo aborda a visão de entidades representantes de classe do setor têxtil e de confecções brasileiro sobre seu papel de apoio e estímulo à cooperação entre as empresas que essas entidades representam como meio para fomentar a competitividade do setor. Tendo por referência um modelo conceitual construído a partir de fundamentos encontrados na literatura concernente a estratégias de competitividade e de cooperação, efetuou-se um estudo qualitativo de natureza exploratória. No plano empírico, realizou-se levantamento de dados por meio de análise documental e de entrevistas com sete gestores atuantes em cinco diferentes instituições representantes do setor. Os resultados revelam que as entidades de classe do setor pesquisado se veem como agentes que promovem ações de cooperação entre as empresas que representam, entre essas empresas e governo e entre outras instituições, além de terem fundamental importância para prestar serviços de apoio e realizar projetos de inovação e desenvolvimento do setor como meios para o alcance da competitividade em âmbito internacional.

Palavras-chave: Cooperação; Competitividade; Estratégia; Indústria Têxtil


INTRODUÇÃO

A intensificação dos desafios competitivos no ambiente de negócios do século XXI encontra correspondência na discussão acadêmica sobre as diferentes estratégias de competição adotadas pelas empresas. Entre elas, há as que se referem à possibilidade de cooperação entre empresas que concorrem em um mesmo setor de atuação com o objetivo de fortalecer e estabelecer uma posição privilegiada de mercado para o setor. Segundo Amato Neto (2000), as empresas possuem uma série de necessidades, difíceis de satisfazer pela ação isolada, que podem ser atendidas pela cooperação. Segundo essa lógica, a combinação ou o compartilhamento de recursos e capacidades potencializa o ganho de know-how de mercado, o desenvolvimento e o aprimoramento de tecnologias, de produtos e de serviços, a redução de custos e riscos, além da construção de competências para a operação em âmbito mundial. Como exemplo dessa visão, o foco conjunto em competitividade e cooperação como estratégia originou o termo “coopetição”, proposto por Nalebuff et Brandenburg (1996). A ideia encontra propostas como a de Donaire et al. (2008), que indica a criação de clusters industriais, constituídos por empresas atuantes em um mesmo setor de determinada região, como uma das possíveis formas de cooperação para favorecer um determinado grupo de empresas originalmente concorrentes. Isso permite o fortalecimento de seu poder competitivo e de representação de seus interesses diante de órgãos reguladores.

Um dos mecanismos comuns de cooperação entre empresas de uma mesma indústria é observado na concepção das entidades de classe, representadas por federações, associações, sindicatos patronais, entre outras, constituídas com o papel de auxiliar, orientar, facilitar, influenciar e lutar pelas condições de competitividade das empresas representadas, de uma determinada região ou de um determinado setor do mercado. Nos últimos anos, as mudanças no padrão de produção e de consumo mundial e regional trazem para o Brasil o desafio de desenvolver e manter competência na Indústria Têxtil e de Confecções, para atender a demandas internas e ampliar a capacidade de exportação. A globalização e a abertura do mercado brasileiro para as importações, iniciadas na última década do século XX, exigiram que as empresas do setor adotassem novos padrões estratégicos para se adequar às novas condições de dinamismo e volatilidade do mercado. O quadro então estabelecido enfatizou, na primeira década do século XXI, a necessidade de atuação das entidades que representam os diferentes setores da cadeia produtiva têxtil brasileira como agentes de fomento à cooperação entre seus participantes em busca da competitividade do setor. Esse é o quadro que se observa na atualidade, com a ampliação do potencial de contribuição dessas entidades para que a oportunidade de desenvolvimento do país no cenário internacional seja concretizada nos setores representados.

Considerando esse contexto, o presente estudo buscou responder à seguinte questão central: qual é a visão dos gestores de entidades representantes de classe do setor têxtil e de confecções brasileiro sobre o papel que essas entidades exercem na promoção da cooperação para a competitividade?

Assim, o objetivo geral foi identificar o papel assumido por entidades representantes de classe do referido setor para que ocorram ações de cooperação destinadas a incrementar a competitividade das empresas que representam. Para atingir esse objetivo, buscaram-se, na literatura especializada sobre estratégias de competição e cooperação, subsídios para a construção de um modelo conceitual que, posteriormente, originou a formulação de questões para balizar a realização de uma pesquisa de campo desenvolvida junto a entidades representantes de classe no setor focalizado.

No plano empírico, efetuou-se uma análise de textos e registros documentais de domínio público, bem como de documentos obtidos junto às entidades que participaram da pesquisa. Em complemento a esses dados, foram realizadas sete entrevistas em profundidade com gestores de cinco diferentes entidades representantes de classe.

Consolidando o estudo, apresentam-se, nos tópicos subsequentes, os dados obtidos, sua análise e as considerações sobre as evidências encontradas.

REFERENCIAL TEÓRICO

Competitividade e vantagem competitiva

O termo “Competição” é definido por Osarenkhoe (2010) como a situação dinâmica em que atores de um mercado específico lutam por recursos escassos, produzem e comercializam produtos e serviços similares que satisfazem as mesmas necessidades dos clientes. Segundo o autor, esse conceito também pode ser associado à eficiência interna da indústria e ao desenvolvimento de novas tecnologias, de novas fontes de suprimentos e de novos tipos de organização.

Hamel et Prahalad (2002) acreditam que uma empresa, ao competir para obter sucesso no futuro, deve ser capaz de ampliar seu horizonte de oportunidades, passando por três estágios distintos. O primeiro estágio de competição dá-se pela previsão do futuro do setor e da liderança intelectual, com base no entendimento e no estudo de mercado para prever tendências e descontinuidades, visando antecipar as ações de uma empresa frente aos concorrentes. O segundo estágio é a competição pelo encurtamento dos caminhos de migração. A empresa procura acumular conhecimento, realizar avaliações e análises de produtos e serviços, além de promover cooperações que complementem seus recursos e capacitações. O terceiro e último estágio, caracterizado pela competição pela posição e participação no mercado, estabelece aspectos detalhados de preço, serviço, valor e custo para proporcionar aos clientes maior acessibilidade e valor percebido. A fase envolve inovação na otimização de processos, redução de custos, ampliação na linha de bens e serviços e geração de ganhos marginais sobre a diferenciação.

Além dos conceitos e dos métodos de competição, a literatura especializada propõe que a ação competitiva no mercado conduz os competidores à busca por vantagens competitivas, que representam, segundo Barney et Hesterly (2008) e Hitt et al. (2008), a criação de valor econômico por parte das empresas. Nesse sentido, Ghemawat (2007) e Porter (2002) mencionam a existência de dois tipos de vantagem competitiva: menor custo e diferenciação, sendo que menor custo é a capacidade de uma empresa de projetar, produzir e comercializar um produto semelhante com mais eficiência do que seus competidores, enquanto diferenciação é a capacidade de proporcionar ao comprador um valor excepcional e superior.

Para Barney et Hesterly (2008), vantagens de custo são possíveis até mesmo quando empresas concorrentes produzem produtos similares. Quanto à diferenciação, de acordo com Mintzberg et Quinn (2001), uma organização pode diferenciar suas ofertas por qualidade, design, suporte, imagem, preço, entre outros fatores. Porter (2002) afirma que a criação de vantagem competitiva pelas empresas acontece quando são percebidas ou descobertas novas e melhores maneiras de competir numa indústria e de levá-la ao mercado. Isso possibilita que alguma descontinuidade ou mudança na estrutura da indústria crie novas formas de competir. As causas mais típicas para esse cenário são: novas tecnologias, necessidades novas ou renovadas do comprador, aparecimento de novo segmento de indústria, custos ou disponibilidade oscilante de insumos e mudança nos regulamentos governamentais. Para tanto, faz-se necessária a busca constante por inovação, qualidade e velocidade, como forma de sustentar a vantagem de uma empresa. Há, também, evidências da contribuição da capacidade de geração de conhecimento à competitividade das empresas. Nonaka (2000, p.43) afirma que “numa economia na qual a única certeza é a incerteza, a única fonte segura e duradoura de vantagem competitiva é o conhecimento”. Para Drucker (2000), o conhecimento é um recurso primordial básico, que, caso não seja associado a uma tarefa, tornar-se-á improdutivo.

Paiva et al. (2009) entendem que, ao introduzir rapidamente novos produtos no mercado, a empresa pode gerar dois tipos de vantagem competitiva. A primeira consiste em antecipar-se aos concorrentes e explorar as oportunidades, obtendo maiores lucros por meio de preços mais altos. Por outro lado, a segunda refere-se à entrada tardia no mercado, o que possibilita a utilização de tecnologias avançadas, as quais não estavam disponíveis quando a empresa lenta iniciou seu desenvolvimento. Em contrapartida a todos os outros modelos apresentados, Hamel et Prahalad (2002) criam conceito de competências essenciais da organização como forma de aumentar o poder competitivo e de permitir a atuação da empresa em diversos mercados. Segundo esses autores, qualquer conjunto de habilidades que gere uma vantagem significativa quanto ao custo, visando ao fornecimento de um determinado benefício ao cliente, pode ser considerado uma competência essencial da organização.

Como síntese das diferentes visões conceituais sobre competitividade e vantagem competitiva até aqui apresentadas, adotam-se como pressupostos que a competitividade, na luta por recursos escassos (Osarenkhoe, 2010), desafia as empresas a desenvolverem capacidade de ampliar seu horizonte de oportunidades. Isso se materializa pela capacidade de prever tendências e descontinuidades, de acumular conhecimento e de promover cooperações que complementem seus recursos e suas capacitações, bem como inovem e otimizem processos (Hamel et Prahalad, 2002). Assim, buscam-se vantagens competitivas, materializadas pela criação de valor econômico (Barney et Hesterly, 2008, Hitt et al., 2008), decorrentes da capacidade de oferecer menor custo e diferenciação em qualidade, design, suporte, imagem e preço (Mintzberg et Quinn, 2001; Porter, 2002; Ghemawat, 2007), como competências essenciais de uma organização (Hamel et Prahalad, 2002). A busca constante por inovação, qualidade e velocidade e a capacidade de geração de conhecimento constituem meios para tal busca (Drucker, 2000; Porter, 2002; Nonaka, 2000; Paiva et al., 2009).

Cooperação para a competitividade

Entre os estudos relacionados à união de empresas com o objetivo de obter soluções coletivas, há os que se destinam a compreender as vantagens e os benefícios gerados às empresas que entram em um processo de cooperação em busca de competitividade. É o caso da proposta de Barney et Hesterly (2008), segundo a qual alguns dos motivos para as empresas cooperarem entre si são a busca pela melhoria do desempenho das operações atuais, a criação de um ambiente competitivo favorável ao desempenho superior, além de entradas e saídas nos mercados, mais rápidas e fáceis.

De acordo com Hitt et al. (2008), a cooperação permite que as empresas criem valor, reduzam a concorrência, aumentem as capacitações competitivas, obtenham acesso aos recursos, aproveitem as oportunidades e construam uma flexibilidade estratégica. Frente ao fenômeno da globalização, Begnis et al. (2008) comentam que os arranjos interorganizacionais que têm a sua origem nos relacionamentos interfirmas baseiam-se em uma cooperação que envolve colaboração e parceria e têm por objetivo final alcançar níveis diferenciados de competitividade.

Yoshino et Rangan (2007) discorrem que o elo entre as empresas é uma parceria comercial que aumenta a eficácia das estratégias competitivas das organizações participantes e proporciona intercâmbio mútuo e benefícios de tecnologia, qualificações ou produtos. Segundo Barney et Hesterly (2008), essas estratégias permitem que as empresas aprendam com os concorrentes e, com isso, melhorem suas operações, compartilhem riscos e custos ao longo da cadeia de valor, além de realizarem economias de escala, reduzindo o custo unitário da produção à medida que o seu volume aumenta. As estratégias de cooperação podem, ainda, reduzir as incertezas quanto ao ambiente. A redução das incertezas, segundo Hitt et al. (2008), pode acontecer em relação a fatores financeiros, à produção de novos produtos ou ao estabelecimento de um padrão tecnológico. Para Barney et Hesterly (2008), essa redução também acontece no momento de entrada em um novo mercado ou setor, de forma que a empresa não incorre nos custos associados a uma entrada em escala plena.

Em consonância com essas diferentes perspectivas sobre a cooperação como estratégia para a competitividade, Nalebuff et Brandenburger (1996) propõem um conceito segundo o qual a combinação entre competição e cooperação estabelece um relacionamento dinâmico e origina um neologismo, a “coopetição”, que se refere à situação em que concorrentes competem e, ao mesmo tempo, têm uma relação de parceria. Esse comportamento híbrido de cooperação e concorrência pode ocorrer dentro de uma organização, entre as organizações ou em escala de redes (Lorgnier et SU, 2014). Para Osarenkhoe (2010) e Tomski (2011), tal conceito engloba tanto o fator econômico como o social e implica diferentes comportamentos no mesmo ambiente. Pode haver conflitos de interesses entre as organizações, porém, ao mesmo tempo, elas devem cooperar mutuamente, visando a um objetivo comum.

Chin et al. (2008) propõem que as condições para a coopetição variam conforme o modelo em que o mercado compete. Segundo os autores, há quatro modelos possíveis. No primeiro, de caráter monopolista, as empresas desenvolvem baixo nível de competição e de cooperação com seus concorrentes. No segundo, composto por empresas competidoras, há disputa pelo poder e por market share, de forma a envolver um nível alto de competição e um nível baixo de cooperação. A terceira situação, em que ocorre a inversão das proporções, ou seja, menor competição e maior cooperação, engloba o modelo de empresas parceiras pelo compartilhamento de recursos e capacidades. Um quarto modelo congrega empresas adaptadoras, as quais dependem mutuamente uma das outras para atingir suas metas, de forma a envolver alto nível tanto de competição quanto de cooperação. Osarenkhoe (2010) ressalta que a coopetição como uma estratégia organizacional pode trazer benefícios como a redução de custos, a tolerância a riscos, a proatividade no desenvolvimento de produtos e a antecipação de concorrência saudável. Dessa forma, os relacionamentos coopetitivos oferecem à organização a vantagem de uma combinação da necessidade de inovar, devido à forte concorrência e ao acesso a novos recursos, consequências da cooperação.

Em síntese, assume-se, como pressuposto conceitual sobre cooperação para a competitividade, que essa estratégia visa à melhoria do desempenho organizacional não somente voltado para criar condições favoráveis de competição nas operações atuais, mas também voltado para facilitar e agilizar entradas e saídas para novos mercados (Barney et Hesterly, 2008). A competitividade decorrente permite que as empresas criem valor, reduzam a concorrência, aumentem capacitações, obtenham acesso a recursos, aproveitem oportunidades e construam flexibilidade estratégica (Hitt et al., 2008).

Por meio de arranjos interorganizacionais, que envolvem colaboração e intercâmbio de tecnologia e outras qualificações, as estratégias competitivas das empresas tornam-se mais eficazes, resultando em melhoria nas operações, compartilhamento de riscos e custos ao longo da cadeia de valor e economias de escala (Yoshino et Rangan, 2007; Begnis et al., 2008; Barney et Hesterly, 2008; Huang et Chu, 2015; Liu et al., 2015). Além disso, estratégias de cooperação podem reduzir incertezas quanto a fatores financeiros, mercadológicos e tecnológicos no momento de entrada em um novo mercado, ou na inovação em produtos, ou nos processos (Hitt et al., 2008; Barney et Hesterly, 2008; Park et al., 2014).

A combinação entre competição e cooperação estabelece um relacionamento dinâmico e origina o neologismo “coopetição” (Nalebuff et Brandenburger, 1996). A intensidade de cooperação pode variar em função das características em que é adotada: em monopólios (empresas com baixo nível de competição e cooperação), em situação em que há disputa pelo poder e pela posição de mercado, entre empresas não necessariamente concorrentes, mas parceiras no compartilhamento de recursos e capacidades e, por fim, em casos de empresas que dependem mutuamente umas das outras para atingir suas metas (Chin et al., 2008).

Qualquer que seja a intensidade de cooperação, contudo, há sempre a barreira da desconfiança entre concorrentes para dificultar a união de esforços em torno de benefícios comuns (Nalebuff et Brandenburger, 1996). Por isso, a aproximação entre os agentes, os quais, por princípio, poderiam exercer resistência à cooperação, pode ser efetuada mediante a constituição de organismos externos que representem interesses comuns, o que remete ao princípio do associativismo para a cooperação.

Associativismo e cooperação

Em busca do fortalecimento de seu poder competitivo por meio da união em torno de interesses comuns, as empresas recorrem à constituição de entidades de classe, sob forma de federações, associações, sindicatos, entre outras, que assumem funções de apoio e orientação dos associados, além de representá-los em ações dedicadas a influenciar e lutar por condições que favoreçam a competitividade do setor representado, no mercado geral e nos organismos reguladores. Young (2007), Lüchmann (2014) e Balestrin et Verschore (2016) compartilham a visão de que o associativismo tem, entre suas principais conquistas em potencial, a promoção de relações de confiança, cooperação e espírito público, assim como o espaço para denúncias de abusos nas relações de poder ou, ainda, a participação na elaboração e no controle de políticas públicas.

Warren (2001) identifica três tipos de benefícios democráticos proporcionados pelas práticas associativas. O primeiro deles configura-se pelo desenvolvimento dos indivíduos, com a promoção de cidadãos mais participativos, críticos e autônomos. O segundo ocorre por meio de efeitos em esferas públicas via formação de opinião a partir da ótica de uma coletividade representada por sua associação como balizadora de julgamentos públicos. O terceiro configura-se pelos efeitos político-institucionais, tanto pela ampliação e qualificação da representação política quanto pela cooperação para a constituição de formas alternativas de governança.

Ainda que de suma importância para o fortalecimento da comunidade representada, contudo, os órgãos representativos de classe possuem um espaço para se desenvolver. Pesquisa realizada por Rennó (2003) indica que, embora o nível de engajamento associativo no Brasil seja relativamente baixo em comparação com outros países da América Latina, notam-se um crescimento e uma complexificação do assunto. Outras pesquisas sobre o tema revelam que a trajetória histórica das ações coletivas no país prossegue com o surgimento de um associativismo que rompe com os padrões tradicionais, caracterizados pela homogeneidade e pela baixa densidade, uma vez que se observa um processo de pluralização, com aumento de quantidade e de tipos de associações (Rennó, 2003).

CARACTERÍSTICAS DO SETOR TÊXTIL E DE CONFECÇÕES BRASILEIRO

O setor têxtil brasileiro tem quase 200 anos no país e destaca-se pela sua história, participação e contribuição no desenvolvimento industrial do Brasil. Segundo a ABIT (2015), pode-se afirmar que o setor têxtil e de confecções brasileiro, que produz anualmente 9,8 bilhões de peças (vestuário, cama, mesa e banho), forma-se a partir de uma interação de vários segmentos autônomos da indústria.

Trata-se do 2º maior setor empregador do país, com 16,4% dos empregos. Em relação ao mercado global, o Brasil é o 5º maior produtor têxtil e possui o 4º maior parque produtivo de confecção; é o 2º maior produtor e o 3º maior consumidor de denim. Além disso, os eventos que compõem as Semanas de Moda do Brasil figuram entre os cinco maiores do mundo.

A situação atual do desempenho do setor têxtil brasileiro é reflexo das mudanças da economia durante a década de 1990. Com o passar do tempo, a perda de competitividade e o intenso ingresso de produtos do exterior, em especial os asiáticos, têm acarretado uma forte desindustrialização do mercado (Keller, 2006).

Na última década, as exportações acumuladas da cadeia têxtil e de confecções mostraram-se significativamente menores que as importações, gerando déficit em sua balança comercial (ABIT, 2015). Nesse contexto, ocorre uma movimentação do setor para a adoção de incentivos por parte do governo, como forma de manter o crescimento sustentável da economia brasileira mesmo com o agravamento da crise internacional e o encolhimento dos mercados.

Em resposta a essa situação, Mytelka (1991) ressalva que novas estratégias são forjadas pelas empresas, seja pela realização de parcerias entre o empresariado têxtil e os institutos de pesquisa e de tecnologia para desenvolver novos conhecimentos para o setor, seja pela reorganização da produção via subcontratação internacional. Esse processo visa ao deslocamento de etapas mais intensivas em trabalho para países em desenvolvimento que ofereçam condições favoráveis para isso, almejando a redução dos custos e o aumento da inovação.

Keller (2006) discorre que a cadeia produtiva têxtil e de confecções tem início na agropecuária, produtora de fibras naturais, ou na indústria química, produtora de fibras sintéticas, as quais fornecem a matéria-prima para o elo seguinte, responsável pela produção de fios. A seguir, produzem-se os tecidos (tecelagens ou malharias), que passam, então, pelo beneficiamento, que, por sua vez, fornecem-nos ao elo responsável pela confecção, chegando-se, assim, ao produto oferecido ao consumidor final.

De acordo com Haguenauer et.al (2001), é comum, na cadeia têxtil e de vestuário, a integração vertical em uma mesma empresa ou entre empresas de um mesmo grupo por parcerias ao longo do processo, desde a fiação até a tecelagem. Lima et Soares (2010) explicam que a cadeia de suprimento contribui para a formação de aglomerados e posiciona a vantagem competitiva das grandes empresas na localização das unidades de trabalho. No estado de São Paulo, o aglomerado que mais se destaca é o Polo Tecnológico Têxtil e de Confecções (Polo TecTex), formado pelos munícipios de Sumaré, Santa Bárbara D´Oeste, Nova Odessa, Hortolândia e Americana, conforme apresentado por Lima et Soares (2010). Segundo o Polo TecTex (2015), o foco principal deste cluster é o desenvolvimento e o fortalecimento do mercado por meio da união sinérgica de forças e de know-how de áreas complementares.

Além de alianças e estudos em conjunto, este cluster industrial desenvolve encontros formais e informais para a formação de uma nova mentalidade de negócio das empresas com o mercado. Ao mesmo tempo, são realizadas parcerias com entidades de classe, sindicatos, associações e organizações que visam ao crescimento do setor, desenvolvendo, conjuntamente, projetos e ações.

As entidades de classe do setor têxtil e de confecções brasileiro

Com o desenvolvimento do país, as entidades de classe ganharam destaque cada vez maior. Ao representar os setores e os sindicatos, atuam de forma estratégica no apoio e na defesa dos interesses da indústria brasileira. Para tanto, buscam enfatizar uma agenda doméstica voltada para o incremento de um ambiente favorável para o crescimento que privilegie a competitividade dos setores. Ao mesmo tempo, estratégias e ações com foco no mercado externo são direcionadas para favorecer a internacionalização e a inserção econômica das empresas nacionais. De acordo com a FIESP (2015), a sinergia e a união das empresas facilitam a obtenção de medidas de salvaguardas quando são bem representadas perante o governo. Isso acontece quando entidades de classe desempenham seu papel defendendo e levantando a bandeira dos interesses da indústria.

Além disso, as entidades de classe têm como objetivo o comprometimento com a atuação e com o desempenho das empresas e dos setores que representam. Nesse sentido, trabalham por parcerias, cooperação na cadeia produtiva, estabilidade, elevação dos padrões de qualidade, inovação e tecnologia, estímulo na promoção e investimentos, além do compartilhamento de conhecimento para superação de obstáculos do setor produtivo, por meio de uma melhoria contínua e sustentada.

Entidades participantes da pesquisa

Visando um aprofundamento detalhado da cadeia têxtil, fez-se necessário apresentar os aspectos de cada uma das entidades representantes de classe, as quais contribuíram com informações de valor para a realização deste trabalho. A primeira delas é a ABIT. Inicialmente nomeada como Associação Paulista da Indústria Têxtil, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT) foi fundada em 1957 e, hoje, é uma das mais importantes entidades dentre os setores econômicos do país. Representa a força produtiva de 30 mil empresas de todos os portes, instaladas por todo o território nacional. A ABIT atende às demandas de toda a cadeia têxtil: desde as empresas produtoras de fibras naturais, artificiais e sintéticas, passando pelas fiações, beneficiadoras, tecelagens até as confecções. Foram entrevistadas três pessoas de diferentes cargos e áreas: 1) gerente do núcleo de inovação e sustentabilidade do programa Texbrasil; 2) coordenador da área internacional; e 3) diretor superintendente da entidade.

O Comtêxtil – Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria Têxtil, Confecção e Vestuário da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) – foi a segunda entidade participante. Com a missão de alavancar os setores industriais por meio de ações baseadas em análises, estudos, projetos e pleitos voltados para desobstruir os gargalos das cadeias de modo preciso e eficiente, a FIESP criou os Comitês das Cadeias Produtivas. Estes Comitês são compostos por representantes legítimos dos elos que compõem a cadeia produtiva da indústria de determinados setores. Constituído em 19 de outubro de 2004, o Comtêxtil focaliza o desenvolvimento industrial do país e busca, por meio da união de esforços vindos de toda a cadeia têxtil, confecção e vestuário, o fortalecimento do setor. A entrevista na entidade foi realizada com uma especialista em comitês de cadeia produtiva na FIESP.

Também participou da pesquisa a ABRAFAS – Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas. Criada em 1968 como entidade representativa dos produtores de fibras manufaturadas, a ABRAFAS é uma sociedade de fins não econômicos, que reúne as empresas envolvidas na produção, transformação e comercialização de fibras artificiais e sintéticas, responsáveis por grande parte da produção dessas fibras no país. As fibras artificiais e sintéticas representam uma produção de cerca de 380 mil toneladas/ano e estão presentes em diversos itens no nosso cotidiano, desde vestuário até peças e estofamentos para automóveis, além da fabricação de entretelas e de material hospitalar e de limpeza. Nessa entidade, a entrevista foi realizada com sua assessora executiva.

A ABINT – Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos –, uma sociedade civil, sem fins lucrativos, fundada em 1991, foi outra participante da pesquisa. A entidade incorpora empresas e profissionais cujas atividades estão ligadas à produção, à transformação, à comercialização, ao fornecimento de insumos e de equipamentos para o mercado de produtos “Nãotecidos” e tecidos técnicos. Segundo a norma NBR 13370, o Tecido “Nãotecido” (TNT) é uma estrutura plana, flexível e porosa, constituída de véu ou manta de fibras ou filamentos, orientados direcionalmente ou ao acaso, consolidados por processo mecânico, químico, térmico e combinações desses processos. Esse tipo de material é utilizado na fabricação de produtos destinados às áreas médico-hospitalar, doméstica, filtração, automobilística, calçados, confecção, enchimento, geotêxtil, construção civil, móveis e estofados e higiene pessoal. Já os tecidos técnicos são materiais compostos de matérias-primas na forma de fibras, fios, filamentos, entre outros, e não são utilizados nas áreas de moda, cama, mesa e banho, e, sim, nas áreas de agribusiness, aquicultura, automobilística, calçados, coberturas, construção civil, embalagens, entre outras. A entrevista foi realizada com o secretário executivo da entidade.

Por fim, participou da pesquisa o Sindivestuário, uma única entidade que engloba os três mais importantes Sindicatos das Indústrias do Vestuário do país, o Sindivest, o Sindiroupas e o Sindicamisas. Juntas, essas entidades representam mais de sete mil indústrias do vestuário que empregam cerca de 250 mil trabalhadores e faturam mais de 14 bilhões de reais por ano. Os três sindicatos têm os mesmos fins: representar as indústrias do vestuário no Estado de São Paulo, base estadual de todos, em mais de 400 municípios, e responder conjuntamente em todas as negociações coletivas dos trabalhadores do setor em todo o Estado. A entrevista realizada nessa entidade foi com o diretor executivo.

Modelo conceitual do estudo

As abordagens teóricas e conceituais apresentadas remetem à reflexão sobre as relações de cooperação entre diferentes agentes de um dado setor de atividade, possibilitam o conhecimento, o crescimento, o aumento dos investimentos e a transferência de tecnologia que auxiliam o surgimento de vantagem competitiva nas empresas, resultando, assim, em maior competitividade.

Adicionando o conhecimento da dinâmica, da cadeia produtiva têxtil e de confecções brasileira e das entidades representantes de diferentes elos que a compõem à discussão conceitual encontrada na literatura, elaborou-se um modelo conceitual, apresentado na Figura 1, como referência para a investigação do papel das entidades de classe como mediadoras e facilitadoras dessas relações.

Figura 1. Modelo conceitual do estudo

Figura 1

Fonte: Os próprios autores.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este estudo adotou uma abordagem qualitativa de natureza exploratória, adequada, segundo Richardson (1999) e Selltiz et al. (2001), para a criação de hipóteses, o aprimoramento do conhecimento do pesquisador acerca do fenômeno investigado, o desenvolvimento de estudo posterior mais estruturado, o esclarecimento de conceitos e o estabelecimento de prioridades para futuras pesquisas. Realizou-se, inicialmente, pesquisa bibliográfica para a construção do referencial teórico que conduziu a um modelo conceitual sobre o tema em estudo. No plano empírico, o estudo se desenvolveu por meio de análise documental de textos e de dados estatísticos de domínio público, bem como de documentos obtidos junto às entidades que participaram da pesquisa, complementada pela realização de entrevistas em profundidade.

Os sujeitos da pesquisa submetidos às entrevistas foram sete executivos que atuam em funções estratégicas em entidades de classe de destacada atuação no setor focalizado, sendo um Diretor Superintendente, um Coordenador da Área Internacional, um Gerente do Núcleo de Inovação e Sustentabilidade, um Especialista em Comitês de Cadeia Produtiva, uma Assessora Executiva e um Secretário Executivo. As entidades participantes foram a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecções – ABIT, o Comitê da Cadeia Produtiva da Indústria Têxtil, Confecção e Vestuário – COMTÊXTIL (da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP), a Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas – ABRAFAS, a Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos – ABINT e o Sindicato das Indústrias do Vestuário – SINDIVESTUÁRIO, conforme discriminado na Figura 2.

Figura 2. Participantes da pesquisa

Figura 2

Fonte: Os próprios autores.

A escolha dessas entidades decorreu do fato de elas serem representantes de indústrias do setor têxtil e de confecções com grande poder e força nacional. A localização no Estado de São Paulo, região do país de grande destaque em termos de desenvolvimento econômico e social, foi aspecto determinante para a seleção das entidades envolvidas na pesquisa. Além disso, a região facilitou o acesso às informações, o manuseio e o desenvolvimento do estudo por parte dos pesquisadores.

As perguntas para as entrevistas foram elaboradas com base nos objetivos específicos do presente estudo e com suporte dos conceitos apresentados no referencial teórico adotado. Dessa forma, buscou-se abranger amplamente o tema para a identificação de aspectos que permitiram compreender os fatores e atingir o objetivo central, o que foi canalizado em um roteiro de entrevistas composto por sete questões:

  1. Quais são os projetos que a entidade desenvolve para promover a cooperação para a competitividade de empresas do setor?

  2. O que está sendo desenvolvido para o futuro?

  3. Como os projetos da entidade promovem a longo prazo a vantagem das empresas diante de seus concorrentes?

  4. Quais são os resultados que foram obtidos a partir da cooperação?

  5. Que exemplos existem de cooperação realizada para a conquista de maior competitividade?

  6. Levando em consideração a estratégia de cooperação utilizada, em quais circunstâncias ela acontece e quais são os fatores relevantes para seu sucesso?

  7. De que forma a parceria afetou o processo de inovação da empresa?

A análise dos dados procedeu com base nas técnicas apresentadas por Bardin (2006), conforme a Figura 3. Inicialmente, preparou-se o material durante a fase de pré-análise, que, segundo a mencionada autora, é a fase de organização, operacionalização e sistematização das ideias iniciais, de maneira a conduzir um esquema preciso para um plano de análise. Dessa forma, foi realizada a transcrição das sete entrevistas registradas por gravação digital.

Após essa etapa, efetuou-se a codificação, pela transformação sistemática dos dados brutos em unidades de registro, conhecidas também como palavras-chave. Essas unidades de registro possibilitaram a observação dos aspectos relevantes citados pelos entrevistados. Posteriormente, as unidades de registro foram reunidas por similaridade em unidades de significado, o que facilitou a identificação de padrões dentre as informações obtidas. A Figura 4 apresenta as unidades de significado encontradas a partir das entrevistas.

Figura 3. Passos de análise de conteúdo

Figura 3

Fonte: Os próprios autores.

Figura 4. Unidades de significado

Figura 4

Fonte: Os próprios autores.

Em um terceiro momento, desenvolveu-se a classificação de elementos em categorias temáticas pelo critério semântico. De acordo com Bardin (2006), a categorização envolve rubricas ou classes que reúnem um conteúdo sob título genérico, ou seja, agrupamento efetuado em razão dos caracteres comuns desses elementos. Assim, estabeleceram-se quatro categorias por meio da análise realizada: políticas públicas para a competitividade, serviços prestados às empresas do setor, trabalho conjunto entre entidades de classe e projetos para a competitividade, conforme indicado na Figura 5. Essas categorias representam o papel e as ações das instituições representantes de classe que levam as empresas à competividade, respondendo à questão central desta pesquisa.

Figura 5. Categorias de análise

Figura 5

Fonte: Dados da pesquisa.

APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Na Categoria 1 (C1) - Políticas públicas para competitividade –, evidencia-se a formulação de políticas públicas, a representatividade política, a articulação e o desenvolvimento de diálogos com o governo, além do desenvolvimento de parcerias junto ao setor público. As ações das entidades de classe possibilitam que as empresas se tornem mais competitivas em âmbito nacional e internacional, uma vez que ressaltam a busca por benefícios e pela redução de custos no setor têxtil e de confecções brasileiro.

A questão de custos é mencionada por Ghemawat (2007), Porter (2002) e Barney et Hesterly (2008) como fator fundamental para apresentar preços menores aos clientes, ganhar vantagem competitiva e criar economia. Por meio da interlocução com o governo, com os organismos e com as entidades governamentais, as entidades de classe tratam de assuntos gerais, de defesa comercial e de tributos, os quais atingem o setor como um todo. Ao mesmo tempo, a estruturação das entidades nos poderes legislativo, executivo e judiciário e essa relação de cooperação e intermediação com o governo destacam o que foi comentado por Barney et Hesterly (2008): as cooperações firmadas permitem o desenvolvimento de um ambiente favorável para um desempenho superior em condições éticas e legais, facilitando, também, a criação de valor, a obtenção de tecnologia, o aumento da flexibilidade e o aproveitamento das oportunidades.

Os elementos que compuseram essa categoria foram destacados nas sete entrevistas realizadas, ficando evidentes nas seguintes assertivas:

[...] Uma das grandes teses da ABIT é um SIMPLES amplo, geral e irrestrito [...] para a cadeia têxtil. O Sistema Semáforo [...] é uma invenção da ABIT que agora foi adotada pelo governo [...] é a base para colocar os produtos em licença não automática com preço de referência. (E2)

Relação com o governo para estar não só protegendo o mercado mas também estar fazendo acordos bilaterais, para escoar mais a produção, discutindo os custos logísticos, discutindo os custos de infraestrutura – baixar energia, baixar a carga tributária. (E3)

O papel principal da entidade é aquele que vocês já conhecem, que é a intermediação do setor privado mediante ao setor público [...] Então, o principal papel é a defesa dos interesses das indústrias mediante o governo brasileiro. (E5)

Na Categoria 2 (C2) – Serviços prestados às empresas do setor –, retrata-se a aquisição constante de novos conhecimentos, tais como o aperfeiçoamento técnico, a capacitação da mão de obra e o desenvolvimento de recursos e de capacidades tangíveis e intangíveis por parte das empresas. Nesse sentido, destacam-se o conhecimento e a informação como fatores fundamentais para o estímulo dessa categoria.

Os aspectos apresentados são possíveis pela mobilização das entidades de classe na aproximação com as empresas do setor por meio: da realização de exposições e seminários específicos, envolvendo assuntos relevantes; da produção e disseminação de informações (mantendo as empresas atualizadas); do atendimento de demandas específicas das empresas, como forma de consultoria e assessoria técnica; bem como do desenvolvimento e do emprego de meios que aproximam as diversas empresas da cadeia produtiva. Essas ações assumem um papel importante e fundamental para a obtenção e a sustentação da vantagem competitiva de uma empresa em um mercado de competitividade acirrada por meio da inovação, qualidade e velocidade, conforme proposto por Porter (2002). Além disso, a proposição, de Nonaka (2000), de que o conhecimento é a única fonte de vantagem competitiva duradoura corresponde a algumas afirmações, conforme se observa nas seguintes declarações:

[...] coopera com as empresas, fundamentalmente através desse processo de informação e disseminação de conhecimento e representatividade em todos os foros nacionais, internacionais que exijam a participação ou que tenham relação com a indústria têxtil. Paralelo, nós também procuramos conectar empresas que nós identificamos que tenham afinidades, sejam elas nacionais, sejam elas internacionais. (E1)

Um programa de mão de obra de costura, que teve em 2009, visava crescer os profissionais de costura porque a gente tem falta desses profissionais de costura no Brasil. (E4)

[...] muitas pessoas não têm ideia de toda a tecnologia necessária para fabricar o TNT [...] Então, nós orientamos as empresas no início de fabricação. (E6)

Na análise da Categoria 3 (C3) – Trabalho conjunto entre entidades de classe –, identificam-se a sinergia do trabalho realizado entre diversas entidades de classe e o envolvimento de empresas privadas e de seus colaboradores no desenvolvimento de melhorias para o setor de uma maneira geral ou direcionada a especificidades. As ações são empregadas, principalmente, por meio da realização de reuniões de comitês setoriais, diretoria e conselho, os quais levantam discussões acerca de temas relevantes para o setor, bem como o desenvolvimento de propostas de melhorias.

Cursos e treinamentos para órgãos públicos também são promovidos como forma de oferecer maior preparo e segurança para lidar com assuntos do segmento têxtil e de confecções.

Outra forma de atuação é o desenvolvimento de parcerias entre entidades e o setor privado para a realização de trabalhos de maneira conjunta na busca por redução de custos, diferenciação operacional, inovação incremental, aperfeiçoamento das técnicas de qualidade e aumento da velocidade dos processos. Dessa forma, são discutidos, analisados e estabelecidos aspectos que permitam o desenvolvimento do setor têxtil e de confecção brasileiro em um sentido de maior qualidade e competitividade.

A categoria evidencia a estrutura dos três estágios da corrida para a competição, representados pela liderança intelectual, gerência dos caminhos e migração e competição pela participação no mercado, mencionada por Hamel et Prahalad (2002). Esses aspectos podem ser evidenciados nas afirmações:

Nós temos uns 30 comitês setoriais [...] E esses comitês setoriais eles discutem essas políticas maiores que estão sendo apresentadas, discutem questões específicas deles, discutem tecnologia, eles só não discutem preço nem condição porque isso é proibido. [...] E nós temos, no conselho de administração da ABIT, representantes desde a produção da matéria prima até o varejo. (E1)

Acho que fazemos parceria com todas as federações. Uma coisa a ABIT tem de legal também. A imagem do “Vamos nos unir” é muito presente aqui na ABIT, então não gostamos de fazer nada que concorra com outras instituições. [...] (E3)

Temos nossas reuniões de diretoria que as empresas vêm, cada um expõe seus problemas, as suas observações, de que maneira a gente pode construir soluções, então eu diria que o trabalho de cooperação acontece mais no nível micro dentro do sindicato; a ABIT cuida, normalmente, das questões mais macro. (E7)

Tínhamos um problema de ICMS seríssimo que foi conhecido como “A Guerra dos Portos”, trabalhamos intensamente nesse tema, também com o apoio da FIESP e da ABIT para fazer para que houvesse uma mudança no Senado que transformou-se em resolução 13. (E7)

A Categoria 4 (C4) – Projetos para a competitividade – representa o esforço conjunto das entidades representantes de classe por meio de projetos, estudos e pesquisas para alavancar a competitividade do setor têxtil. A intermediação entre empresa e universidade, o incentivo à pesquisa científica e acadêmica, o incentivo à inovação, o desenvolvimento de manuais técnicos e de normas técnicas e o preparo de laudos para a atividade operacional estimulam o setor a agregar valor e a desenvolver uma posição privilegiada no mercado.

Projetos estruturantes voltados para uma rota tecnológica e estratégica, como Plano Brasil Maior, Programa APEX Brasil, Petroquímica Suape e Plano Estratégico Têxtil 2023 e 2030, permitem que o trabalho das entidades, conjuntamente com o governo brasileiro, setor público e demais instituições resgate a competitividade sistêmica da indústria brasileira em uma visão de curto e longo prazo.

Os projetos para a competitividade agregam benefícios para a cadeia têxtil, uma vez que a competitividade se dá por todos os seus elos e deve ser administrada como um sistema ou rede de atividades unidas por ligações, conforme mencionado por Porter (2002) e Ghemawat (2007). As afirmações a seguir ilustram tais aspectos:

Existe o Programa Texbrasil [...], que é um Programa apoiado pela APEX e, nesse programa, temos um subsídio financeiro da APEX Brasil para poder realizar uma série de ações de promoção das empresas no mercado internacional e, dentro dessas ações, temos feiras, eventos, missões e organizamos uma agenda de encontros [...]. (E3)

A gente tenta se envolver com universidades, nessa parte de pesquisa e desenvolvimento e inovação. Então, como entidade, a gente faz a ponte entre a academia e as empresas para desenvolvimento de projetos conjuntos [...] dessa forma que é feito o desenvolvimento. (E5)

Eu estive na semana passada, e é importante registrar, na Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, a sigla é ABDI. [...] um trabalho no qual você trata uma rota tecnológica e uma rota estratégica para que o setor de confecção brasileiro, o setor têxtil, a cadeia têxtil, de uma forma geral, tenham reconhecimento de uma forma, até internacionalmente como um setor de ponta, gerador de inovação, etc. [...] É algo totalmente inovador, é repensar mesmo o setor, é esquecer o que a gente sabe de confecção. (E7)

Com base nas evidências encontradas na análise, elaborou-se uma síntese dos papéis desempenhados pelas entidades de classe na busca pela competitividade do setor têxtil e de confecções por meio de cooperações, apresentada na Figura 6.

Figura 6. Considerações resultantes da pesquisa

Figura 6

Fonte: Os próprios autores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a atual situação do setor têxtil e de confecções brasileiro, o objetivo principal deste trabalho consistiu em identificar as ações das entidades de classe que buscam a promoção da competitividade para as empresas do setor pela realização de cooperações.

Utilizando o método qualitativo com fim exploratório, foram realizadas sete entrevistas com cinco entidades de classe localizadas no Estado de São Paulo, durante as quais levantaram-se informações que, após sua análise, possibilitaram a elaboração da conclusão desta pesquisa. Foram identificadas quatro categorias que representam, de maneira abrangente e, ao mesmo tempo, específica, o papel e as ações das entidades representantes de classe na tentativa de promover a competitividade do setor têxtil e de confecções, por meio da articulação de parcerias e cooperações, atingindo o objetivo central deste estudo. As categorias verificadas são: políticas públicas para a competitividade, os serviços prestados às empresas do setor, o trabalho conjunto entre entidades de classe e os projetos para a competitividade.

Nesse sentido, é possível afirmar que as ações das entidades possibilitam a representatividade, a assessoria, a formulação de políticas, o monitoramento do mercado e a promoção de isonomia competitiva. Tais ações estimulam as empresas têxteis e de confecções brasileiras a se aperfeiçoarem de maneira eficiente e eficaz nos campos técnico, operacional, da inovação e da estratégia, em um cenário justo e legal em termos políticos e comerciais. O papel das entidades, em termos de cooperação, acontece pelo diálogo que elas estabelecem com o governo brasileiro, pela provisão de serviços que atendem às demandas específicas das empresas, pela parceria de trabalhos desenvolvidos com outras instituições, bem como pela criação de projetos com o objetivo de alavancar a competitividade do setor.

A abrangência e a importância que as instituições representantes de classe têm no apoio à conquista da competitividade das indústrias mostraram a necessidade da verificação de suas ações ao longo dos diversos elos e etapas da cadeia têxtil e de confecções. Apesar de não ser possível generalizar os resultados obtidos, afirma-se que os aspectos levantados foram encontrados em todas as entidades entrevistadas, sendo apresentados de maneira muito similar.

Assim, entende-se que os objetivos estabelecidos para o estudo foram atingidos, uma vez que ficou evidenciada a influência das ações das entidades representantes de classes na promoção da cooperação que leva à competitividade de empresas do setor têxtil e de confecções brasileiro.

Apesar de ter atingido os objetivos propostos, o estudo ficou limitado apenas à visão dos sujeitos da pesquisa, ou seja, restringiu-se às entidades de classe participantes do estudo, não sendo possível, portanto, estender os resultados obtidos a outras entidades representantes desse e de outros setores da indústria nacional.

Destaca-se, também, que o estudo se restringe à visão unilateral das entidades de classe, de forma que os resultados podem não abranger a opinião geral das empresas por elas representadas. Embora sejam administradas por executivos que, em sua maioria, atuam como empresários ou representantes de empresas do setor, as entidades de classe possuem o viés institucional que se admite influenciar na visão declarada nas entrevistas. Face a tais limitações, recomendam-se estudos complementares, tanto pela ampliação da abrangência, mediante sua aplicação a entidades de outros elos da cadeia têxtil e com empresas que usufruam dos serviços e benefícios originados pelas entidades, como pela realização de pesquisas confirmatórias, aplicando-se amostras probabilísticas e metodologia quantitativa para evidenciar tendências que possibilitem o teste de aplicabilidade dos fatores encontrados a um universo de pesquisa mais abrangente.


REFERÊNCIAS

ABINT. Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos, disponível em: www.abint.org.br/ (Acesso em: 1 de fevereiro de 2015).

ABIT. Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecções, disponível em: www.abit.org.br/site/ (Acesso em: 12 de Janeiro de 2015).

ABRAFAS. Associação Brasileira de Produtores de Fibras Artificiais e Sintéticas, disponível em: www.abrafas.org.br/indx.html (Acesso em: 19 de Janeiro de 2015).

Amato Neto, J. (2000), Redes de cooperação produtiva e clusters regionais: oportunidades para as pequenas e médias empresas. São Paulo, Atlas.

Balestrin, A.; Verschoore, J. (2016). Redes de Cooperação Empresarial-: Estratégias de Gestão na Nova Economia. Bookman Editora.

Bardin, L. (2006). Análise de Conteúdo. Porto: Edições 70. Barney, J. B.; Hesterly, W. S. (2008), Administração estratégica e vantagem competitiva. São Paulo, Pearson Prentice Hall.

Begnis, H. S. M.; Pedrozo, E. A.; Estivalete, V. F. B. (2008), “Cooperação como estratégia segundo diferentes perspectivas teóricas”, Revista de Ciência da Administração, v. 10, n. 21, p. 97- 121.

Chin, K. S.; Chan, B.I.; Lam, P. T. (2008), “Identifyng and prioritizing critical success factors for co-opetition strategy”, Industrial Management & Data Systems, v. 108, n. 4, p. 437-454.

Donaire, D.; et al. (2008), Clusters e redes de negócios: uma nova visão para a gestão de negócios. São Paulo, Atlas.

Drucker, P. F. (2000), “A Nova Sociedade das Organizações”, em Howard, R. Aprendizado organizacional: Gestão de Pessoas para a Inovação Contínua. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 3-18 FIESP. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, disponível em: www.fiesp.com.br (Acesso em: 12 de Janeiro de 2015.

Ghemawat, P. (2007), A estratégia e o cenário dos negócios. 2. ed. Porto Alegre, Bookman. Haguenauer, L. et al. (2001), “Evolução das cadeias produtivas brasileiras na década de 90. Textos para Discussão”, Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, n. 786, p. 01-63, disponível em: agencia.ipea.gov.br/images/stories/PDFs/TDs/ td_0786.pdf (Acesso em: 30 de Janeiro de 2015).

Hamel, G.; Prahalad, C. K. (2002), Competindo pelo futuro: estratégias inovadoras para obter o controle do seu setor e criar os mercados de amanhã. 15. ed. Rio de Janeiro, Campus.

Hitt, M. A.; Ireland R. D.; Hoskisson, R. E. (2008), Administração Estratégica. 2. ed. São Paulo, Cengage Learning.

Huang, H. C.; Chu, W. (2015). Antecedents and consequences of co-opetition strategies in small and medium-sized accounting agencies. Journal of Management & Organization, 21 (6), 812-834. Keller, P. F. (2006), “Impactos da globalização econômica sobre a cadeia têxtil brasileira: o caso do polo têxtil de americana (SP)”, Revista Universidade Rural, Série Ciências da Vida. Rio de Janeiro, v. 28, n.1, p. 59-77.

Lima, L. C. O.; Soares, P. R. (2010), “Cadeia de Suprimento e Formação de Cluster na Cadeia Têxtil”, em SOBER, 48º, 2010, Campo Grande. Anais... 48º Congresso da SOBER. Campo Grande. Liu, M. L. et al. (2015). Exploring team performance in high-tech industries: Future trends of building up teamwork. Technological Forecasting and Social Change, 91, 295-310.

Lorgnier, N.; Su, C. (2014). “Considering coopetition strategies in sport tourism networks: A look at the nonprofit nautical sports clubs on the northern coast of France”. European Sport Management Quarterly, 14 (1), 87-109.

Lüchmann, L. H. H. Abordagens teóricas sobre o associativismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais 29.85 (2014): 159-178.

Mintzberg, H.; Quinn, J. B. (2001), O processo da estratégia. 3. ed. Porto Alegre, Bookman. Mytelka, L. K. (1991), “Technological change and the global relocation of production in textiles and clothing”, Studies in Political Economy, v. 36, p. 109-143.

Nalebuff, B. J.; Brandenburger, A. M. (1996), Co-opetição: 1. Um conceito revolucionário que combina competição com cooperação, 2. A estratégia da Teoria do Jogo que está mudando o jogo dos negócios. Rio de Janeiro, Rocco.

Nonaka, I. (2000), “A Empresa Criadora de Conhecimento”, em Howard, R. Aprendizado organizacional: gestão de pessoas para a inovação contínua. Rio de Janeiro, Campus, p. 43-58.

Osarenkhoe, A. (2010), “A study of inter-firm dynamics between competition and cooperation - a coopetition strategy”, Journal of Database Marketing & Customer Strategy Management, v. 17, n. 3/4, p. 201-221.

Paiva, E. L.; Carvalho Jr., J. M.; Fensterseifer, J. E. (2009), Estratégias de produção e de operações: conceitos, melhores práticas, visão de futuro. 2. ed. Porto Alegre, Bookman.

Park, B., Srivastava, M. K.; Gnyawali, D. R. (2014). Impact of coopetition in the alliance portfolio and coopetition experience on firm innovation. Technology Analysis and Strategic Management, 26 (8), 893-907.

Polo Tec Tex. Polo Tecnológico da Indústria Têxtil e de Confecção, disponível em: www.polotectex.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=56&Itemid=81 (Acesso em: 14 de Janeiro de 2015).

Porter, M. E. (2002), A vantagem competitiva das nações. 9. ed. Rio de Janeiro, Campus. Rennó, L. R (2003), “Estruturas de oportunidade política e engajamento em organizações da sociedade civil: um estudo comparado sobre a América Latina”. Revista de Sociologia e Política, 21: 71-82. 17.

Richardson, R. J. (1999), Pesquisa social: métodos e técnicas. 3. ed. São Paulo, Atlas.

Selltiz, C.; Wrightsman, L. S.; Cook, S. W. (2001), Métodos de pesquisa das relações sociais. 2. ed. São Paulo, EPU.

Sindivestuário. Site institucional do Sindicato do Vestuário - Sindivestuário, disponível em: www.sindivest.org.br/content/home/default2.asp (Acesso em: 26 de Fevereiro de 2015).

Tomski, P. (2011), The horizons of coopetition – the analysis of the selected aspects of application, Management of Organizations: Systematic Research, v. 59, p. 131-147.

Warren, M. (2001). Democracy and association. Princeton: Princeton University.

Yoshino, M. Y.; Rangan, U. S. (2007), Alianças estratégicas: uma abordagem empresarial à globalização. São Paulo: Makron Books do Brasil.

Young, I. M. (2007). Representação política, identidade e minorias. Lua Nova, No. 67, pp. 139.