Eduardo Camilo da Silva
Universidade Federal Fluminese – UFF, Niteroi, RJ, Brasil.
Leonardo da Silva Lima
Universidade Federal Fluminese – UFF, Niteroi, RJ, Brasil.
Jessica de Freitas Delgado
Universidade Federal Fluminese – UFF, Niteroi, RJ, Brasil.
Estefan Monteiro da Fonseca
Universidade Federal Fluminese – UFF, Niteroi, RJ, Brasil.
A economia global enfrentou, nos últimos trinta anos, um intenso processo de globalização, marcado pela grande mudança do modelo produtivo internacional (Gaspar, 2015). Particularmente, no que tange à dinâmica de produção e da rede comercial resultante do processo de globalização capitalista, o modelo tradicional foi substituído pela “terceirização internacional”, que passou a levar em conta, principalmente, a minimização dos custos financeiros e o aumento da produtividade, alicerçando-se em bases que, até o momento, eram consideradas sólidas e com um certo grau de segurança.
Sob o controle das cadeias transnacionais se materializaram processos de desverticalização (outsourcing) e deslocalização (offshoring) produtiva. Assim, o processo de produção industrial foi seccionado, desde a idealização do produto, componentes envolvidos em sua produção, até o seu transporte, distribuição e consumo final. Este processo ficou conhecido como cadeias globais de valor (CGVs). A legitimidade filosófica para este novo modelo se baseava na distribuição dos benefícios para um grupo maior de nações envolvidas nesta rede, integrando estes atores em uma comunidade econômica internacional. Assim, o liberalismo obteve apoio em uma grande parte das nações mundiais, resultando em uma política de abertura comercial e financeira, de forma a integrar as cadeias mundiais de valor.
Diante do cenário supra exposto, certas fragilidades não foram de imediato previstas e, agora, os grandes eventos de escala global mais recentes contribuíram para evidenciar um sistema não tão inabalável. Exemplos como a pandemia global do COVID (Preiss et al., 2020) e a invasão da Ucrânia pela Rússia (HASSEN and BILALI, 2022) levaram as perspectivas econômicas globais a um grave revés. Os impactos destes eventos, porém, apresentam caráter particular, dependendo das vocações produtivas e comerciais de cada país (Boubaker et al., 2022). Ainda assim, a interdependência das nações, devido às cadeias produtivas estabelecidas, impactaram negativamente de forma unânime (Wiseman, 2022). Rússia e Ucrânia juntas respondem por cerca de 30% das exportações globais de trigo, 20% para milho, fertilizantes minerais e gás natural e 11% para petróleo. De forma adicional, as cadeias de suprimentos em todo o mundo também dependem significativamente das exportações de metais da Rússia e da Ucrânia (Orham, 2022).
A guerra resultou em um efeito cascata imediato e de longo alcance dos impactos na segurança alimentar global. Por exemplo: a guerra tem implicações de curto e longo prazo na capacidade da Ucrânia de exportar produtos agrícolas. Além disso, frentes de batalha locais entre as nações, assim como o próprio recrutamento dos agricultores e deslocamento das populações mais vulneráveis, impedem os trabalhos nos campos, causando escassez de mão de obra. Esta situação foi agravada pelo acesso limitado a suprimentos agrícolas fundamentais, como fertilizantes, entre outras fragilidades.
Assim, o modelo mundial de produção alimentar deve ser revisado para que possam ser apresentadas medidas alternativas e emergenciais em casos extremos, como nos cenários de guerra. Segundo Jagtap et al. (2022), apesar da crise em escala global, alguns países, como os europeus e africanos, se apresentam mais vulneráveis para a situação caótica instalada. Neste sentido, a formação de novas cadeias produtivas com países das Américas, regiões da Ásia e África se apresenta como uma solução alternativa.
Por outro lado, os próprios países produtores considerados “alternativos” sofrem com a dependência de fertilizantes do setor agrícola. Assim, soluções de enriquecimento do solo sustentáveis, tanto do ponto de vista financeiro quanto ecológico, devem ser estimuladas, de forma a neutralizar os impactos resultantes de emergências globais. Um exemplo claro é o uso de micro-organismos na agricultura, os chamados biofertilizantes (Rouphael and Colla, 2020). Estes já são usados há alguns anos no Brasil, em culturas como café e arroz, tornando o Brasil líder mundial em produção orgânica. Por fim, o próprio modelo produtivo, excessivamente dependente das cadeias produtivas globais, deve ser adaptado através da diversificação interna das atividades de produção. De qualquer forma, os modelos atuais devem ser reavaliados. Os riscos da globalização não devem ser ignorados, e suas fragilidades enfrentadas através de estratégias preventivas, e não de remediação.
Agradecimentos
Esta pesquisa foi financiada pela Companhia de Desenvolvimento de Maricá – CODEMAR e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Os autores também agradecem à Prefeitura de Maricá e ao Departamento de Geologia/LAGEMAR da UFF (Universidade Federal Fluminense) pela infraestrutura e apoio administrativo.
Boubaker, S., Goodell, J.W., Pandey, D.K., Kumari, V. (2022). “Heterogeneous impacts of wars on global equity markets: evidence from the invasion of Ukraine”, Finance Research Letters, Vol. 48, No 102934. https://doi.org/10.1016/j.frl.2022.102934.
Gaspar, R.C. (2015). “A trajetória da economia mundial: da recuperação do pós-guerra aos desafios contemporâneos”, Cad. Metropole, 17 (33) Maio 2015. https://doi.org/10.1590/2236-9996.2015-3312
Jagtap, S., Trollman, H., Trollman, F., Garcia-Garcia, G., Parra-López, C., Duong, L., Martindale, W., Munekata, P.E.S., Lorenzo, J.M., Hdaifeh, A., Hassoun, A., Salonitis, K., Afy-Shararah, M. (2022). “The Russia-Ukraine Conflict: its implications for the global food supply chains”. Foods, 11(14):2098. https://doi.org/10.3390/foods11142098
Orhan, E. (2022). “The effects of the Russia - Ukraine war on global trade”, Journal of International Trade, Logistics and Law, Vol. 8, No 1, 141-146.
Preiss, P. (2020). “Challenges facing the Covid-19 pandemic in Brazil: lessons from short food supply systems. Agric Hum Values, Agriculture”. Food & Covid-19.
Rouphael, Y., Colla, G. (2020). “Editorial: Biostimulants in Agriculture”, Front Plant Sci.;11:40. doi: 10.3389/fpls.2020.00040.
Wiseman, P. (2022). “Economic dangers from Russia's invasion ripple across globe”, AP NEWS. Available at: https://apnews.com/article/russia-ukraine-vladimir-putin-coronavirus-pandemicbusiness-health-9478a9825c9abfde5f6505bd34b2998c
Recebido: 16 set. 2022
Aprovado: 16 set. 2022
DOI: 10.20985/1980-5160.2022.v17n2.1818
Como citar: Silva, E.C., Lima, L.S., Delgado, J.F., Fonseca, E.M. (2022). Os impactos da Guerra da Ucrânia nas cadeias de produção alimentares mundiais. Revista S&G 17, 2. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1818