Impactos ambientais regionais decorrentes da mudança da legislação ambiental para coprocessamento de agrotóxicos

David Barreto de Aguiar

david.aguiar@ifrj.edu.br

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Ubirajara Aluizio

ubirajaraaluizio@yahoo.com.br

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Victor Paulo

victoresteves@poli.ufrj.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


RESUMO

A promulgação da nova Resolução CONAMA nº 499/2020 passou a autorizar o coprocessamento de embalagens e sobras pós-consumo de agrotóxicos, que antes eram proibidos. Devido a essa questão, a logística reversa dessas embalagens, consolidada no Brasil há quase duas décadas, sofrerá sérias ameaças. O objetivo geral deste trabalho é investigar os potenciais impactos ambientais gerados pela recente regulamentação, identificando os estados, regiões imediatas e intermediárias e municípios que serão mais afetados por essas mudanças legais. Para isso, realizou-se um comparativo dos impactos entre o Sistema Campo Limpo e o coprocessamento pela Avaliação do Ciclo de Vida, considerando como unidade funcional a destinação final de 45 mil toneladas de embalagens e 100 toneladas de sobras no período de um ano, utilizando o método ReCiPe. Os resultados comprovaram que os potenciais impactos são menores em 12% na categoria mudanças climáticas, 7% na ecotoxicidade marinha, 2% na ecotoxicidade da água e 1% para formação de material particulado, formação de oxidantes fotoquímicos e toxicidade humana, no sistema Campo Limpo. Conclui-se que a nova resolução do CONAMA incentivará retrocessos ambientais e não contribuirá para a mitigação de nenhum impacto na destinação. A Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte e o município de Cantagalo-RJ serão os lugares que mais sofrerão com esses impactos por terem a maior concentração de fornos de clínquer para coprocessamento no território nacional. Recomenda-se a continuidade do programa Campo Limpo como melhor opção para destinação final destes resíduos de alto risco ambiental.

Palavras-chave: Coprocessamento; Agrotóxicos; Embalagens; Logística Reversa; Impactos Ambientais.


INTRODUÇÃO

Com a promulgação da Lei Federal nº 12305 de 2010 (Brasil, 2010), que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos no Brasil, diversos setores da indústria, como os de pneus, pilhas e baterias, eletroeletrônicos, têm buscado avançar na implantação da logística reversa de seus resíduos com base nos acordos setoriais, mas não com tanto êxito quanto o setor das embalagens de agrotóxicos e seus resíduos, que, por força da Lei nº 7802 de 11 de julho de 1989, posteriormente alterada pela Lei nº 9974 de 6 de junho de 2000 e pelo Decreto nº 4074 de 04 de janeiro 2002 (MMA, 2014), já tinha implantado um sistema.

A partir do ano de 2002, foi criado o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (INPEV 2019a) que iniciou a operacionalização deste sistema de coleta e reprocessamento, chamado de Campo Limpo (CL). Após quase duas décadas, o sistema CL se tornou uma referência mundial, atingindo 94% de reciclagem dessas referidas embalagens em todo o Brasil (INPEV, 2020).

O sistema CL como um todo é composto das seguintes etapas: lavagem, armazenamento, agendamento eletrônico, unidades de recebimento e destinação final. A estrutura do sistema conta com 411 postos e centrais de recebimento em todo o Brasil (INPEV, 2020).

Desde o início do programa, já foram investidos pelo setor de agrotóxicos que forma o INPEV, aproximadamente, 1,4 bilhão para o custeio das atividades de todos os elos da cadeia, com a coleta de 550 mil toneladas de agrotóxicos, sendo 45.000 toneladas no ano de 2019. Em 2018, também foram recolhidas 100 toneladas de sobras pós-consumo de defensivos. As sobras, que são entregues nas unidades de recebimento do sistema, são devidamente acondicionadas em barricas e seguem o mesmo destino das embalagens não-lavadas, a incineração (INPEV, 2019ª).

Além da logística reversa, o sistema CL possibilita também a economia circular, fabricando novas embalagens a partir da resina pós-consumo, abastecendo o próprio setor. Além disso, essa resina também é utilizada na fabricação de outros materiais, como artefatos para a indústria da construção civil, dos transportes e de energia, gerando economia de recursos naturais e evitando a emissão de 752.658 toneladas de CO2 no período entre 2002 e 2019 (INPEV, 2019a).

No entanto, a promulgação da nova Resolução CONAMA nº 499 de 6 de outubro de 2020 (CONAMA, 2020), que revogou a Resolução nº 264 de 06 de agosto de 1999 (CONAMA, 2000), dispõe sobre o licenciamento da atividade de coprocessamento (CP) de resíduos em fornos rotativos de produção de clínquer, e ameaça os ganhos ambientais conquistados, ao longo dos anos, pela implantação do sistema CL, uma vez que a antiga resolução vetava o CP de agrotóxicos e de lixo tóxico.

A técnica do CP tem sido empregada mundialmente com a finalidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis e matérias-primas na fabricação de cimento, o que tem possibilitado a redução das emissões de CO2. Trata-se da utilização, por exemplo, de pneus rejeitados de atividades industriais, óleos e graxas, solventes, resíduos de tinta, outros resíduos com características combustíveis e até mesmo resíduos sólidos urbanos, como combustíveis alternativos e matérias-primas (Lamas et al., 2013, p. 201; Dias et al. 1999, p. 155).

No escopo desta nova resolução, no parágrafo único do artigo 2º, menciona-se que o órgão ambiental poderá autorizar o CP de resíduos com concentrações de poluentes orgânicos superiores àqueles estabelecidos pela própria resolução, desde que se comprovem ganhos ambientais, como:

I - a redução de emissão de substâncias poluentes, gases de efeito estufa, entre outros; II - a eliminação ou a redução da necessidade de disposição final de resíduos; III - a despoluição de áreas ou cursos hídricos; IV - do CP se apresentar como uma tecnologia ambientalmente mais adequada e segura para a destinação final do resíduo; dentre outros (CONAMA 2020).

O anexo I da referida resolução apresenta uma lista de Poluentes Orgânicos Persistentes (POP) que poderão ser coprocessados (CONAMA 2020).

Os POP possuem características físicas e químicas orgânicas sintéticas diferenciadas como semivolatividade, persistência, bioacumulação e toxicidade. Esses compostos estão presentes nos agrotóxicos (CETESB 2020a).

Cabe ressaltar que a atividade de produção de cimento em si já é detentora de muitos impactos, como a contribuição para escassez de recursos abióticos provenientes da extração mineral de gesso e outros componentes, bem como consumo de fontes de combustíveis fósseis, necessários na produção de clínquer, que acarretam em emissões atmosféricas que contribuem para as mudanças climáticas.

A utilização dos fornos de cimento para o CP requer instalações secundárias para armazenamento e manuseio de resíduos que garantam a segurança tanto para os trabalhadores como para o meio ambiente, tal qual uma planta de processamento de resíduos perigosos (Dias et al., 1999). O estudo realizado por Aguiar et al., (2020) relata os potenciais impactos sobre a saúde e o meio ambiente do preparo de mais de cento e setenta tipos de resíduos, oriundos dos mais diversos setores da indústria nacional, em instalações conhecidas como blendeiras, situadas em Magé-RJ. No Brasil, existem dezenove blendeiras (Abetre, 2013). Pinto Jr. e Braga (2009) constataram um processo de adoecimento entre os trabalhadores de fábricas de cimento que manipulavam os resíduos antes de serem coincinerados nos fornos de cimento. Destacam sintomas como desconforto ao odor desagradável, cefaleia, enjoos, ardência ocular, problemas respiratórios, contaminação cutânea, prurido, vertigens e desmaios.

Entende-se que planos, projetos e políticas de desenvolvimento regional devem levar em consideração diversos critérios de sustentabilidade. Dentre eles está a promoção e a utilização da gestão ambiental de substâncias perigosas e resíduos (MMA, 2002). Portanto, as justificativas empregadas pela referida resolução do CONAMA são extremamente frágeis e devem ser objeto de análise no que diz respeito às consequências ao meio ambiente, com desdobramentos sociais e econômicos que este novo marco pode trazer para as regiões brasileiras.

“O objetivo geral deste trabalho é comparar os potenciais impactos ambientais gerados na destinação das embalagens e sobras de agrotóxicos pelo tradicional sistema Campo Limpo com o coprocessamento proposto pela recente regulamentação da nova resolução CONAMA, identificando os estados, as regiões imediatas e intermediárias e os municípios que serão mais afetados por essas mudanças legais. Contextos geográficos dos sistemas CL e CP”

As unidades de destinação final do sistema CL são ao todo catorze, especificamente dez unidades de reciclagem e quatro incineradoras. Essas unidades estão situadas em três regiões do Brasil: Sudeste, Sul e Centro-Oeste (Tabela 1).

O Estado de São Paulo é o que abriga mais unidades, sete recicladoras e duas de incineração (INPEV, 2019b). As regiões imediatas de São Paulo – representadas pelos municípios – de Guarulhos, Taboão da Serra e Suzano e a de Taubaté-Pindamonhangaba são as que concentram um maior número de unidades de destinação, três para cada uma.

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Já as fábricas de cimento com fornos rotativos licenciados para CP no Brasil são trinta e oito e pertencem a nove grupos empresariais. Essas cimenteiras estão localizadas em trinta e seis municípios, sendo 45% situadas na Região Sudeste (Tabela 2). O município com o maior número de plantas é Cantagalo-RJ, que apresenta um polo cimenteiro, com três fábricas (ABCP, 2020), num raio de apenas 5km.

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O Estado de Minas Gerais apresenta a maior concentração de cimenteiras com fornos para coprocessamento no Brasil, tendo oito unidades situadas num raio aproximado de 200 km, somente na Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte (MMBH). O setor de minerais não-metálicos, onde está incluído o setor cimenteiro, é considerado uma das atividades econômicas mais desenvolvidas desta região (AMM, 2014).

A Figura 1 apresenta a distribuição geográfica das unidades de CP e também das recicladoras e incineradoras do sistema CL pelo território nacional.

MATERIAIS E MÉTODOS

Neste estudo, o método que será utilizado para comparação entre os dois sistemas é o da Avaliação do Ciclo de Vida (ACV). Esse método tem como principais referências as normas técnicas NBR ISO 14040:2006 e 14044:2009 (ABNT 2009). Esta metodologia é dividida em quatro etapas: definição de objetivo e escopo, análise de Inventário do Ciclo de Vida (ICV), Avaliação do Impacto de Ciclo de Vida (AICV), e interpretação, que neste estudo, será substituída pela seção de conclusões.

Escopo

O escopo deste estudo abrange um comparativo entre o processo de destinação do sistema CL com o CP.

A unidade funcional para a realização deste comparativo será o tratamento de 45 mil toneladas de embalagens e 100 toneladas de sobras pós-consumo de agrotóxicos destinadas em um ano. Esses valores estão baseados nos dados de destinação do sistema CL em 2019.

Para fins de delimitação da fronteira de sistema, considerou-se apenas a etapa de destinação final, pela abordagem do “portão ao túmulo” (gate-to-grave). Esse estudo não computou o impacto da geração dos resíduos, dos transportes, do armazenamento de resíduos em etapas anteriores, nem o novo ciclo de vida das embalagens surgidas da reciclagem, no caso específico do CL.

Foi escolhida a substância polietileno de alta densidade (PEAD) para as embalagens de agrotóxicos, que representam o maior quantitativo dentre os tipos de embalagens. Para as sobras de agrotóxico foi escolhido o glifosato, defensivo agrícola mais utilizado no Brasil.

No sistema de produto do CL, o percentual de embalagens recicladas é de 94% do total das embalagens recolhidas, e o restante (6%) é incinerado juntamente com as sobras de agrotóxicos (INPEV, 2019b). Já no sistema de produto do CP, foi considerada a destinação de 100% desses mesmos resíduos no forno de cimento. No CP não foram considerados os recursos naturais para a fabricação de cimento e outros resíduos coprocessados, ou seja, apenas as embalagens e as sobras foram consideradas. Foi utilizada a porcentagem de 5% como critério de corte de massa, ou seja, qualquer massa que entrar no processo e corresponder a menos de 5% da massa total do produto foi eliminada. Na Figura 2 há uma representação esquemática das fronteiras dos sistemas.

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O método de AICV escolhido foi o ReCiPe V.1.04 Midpoint (H), que considera um balanço dos efeitos entre o curto e o longo prazo (Rocha, 2017). O conjunto de normalização foi o ReCiPe World H. O método ReCiPe é recomendado para AICV no Brasil (Mendes et al., 2016, p. 165; IBICT, 2019), pois apresentam os fatores de caracterização dos impactos, criado por Huijbregtset et al. (2016) para as categorias Formação de Oxidantes Fotoquímicos (FOF), Formação de Material Particulado (FMP), Acidificação Terrestre (AT), Eutrofização da Água Doce (EA) e Depleção da Água (DA), específicos para o país.

Inventário de Ciclo de Vida (ICV)

A partir dos dados coletados baseados no balanço do ano de 2019 do sistema CL (INPEV 2019b), foi obtido o ICV com base nos fluxos elementares provindos ou destinados para o meio ambiente (recursos, emissões, efluentes e deposições) com auxílio do software SimaPro Data Server (2006) com ecoinvent, resultando em muitos fluxos no inventário, que foram posteriormente reduzidos, pelos critérios de corte.

Avaliação do Impacto do Ciclo de Vida (AICV)

Foi utilizado o software SimaPro v.7.2 (2010) para o estudo das categorias de impacto ambiental. Foram adotadas todas as categorias do método ReCiPe, visando uma investigação ampla dos impactos. Na Tabela 3 é feita uma sucinta definição das categorias de impacto.

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Com vistas à redução das incertezas, a AICV delimitou-se apenas à caracterização, ou seja, à contribuição de cada impacto, estipulado através dos fluxos de matérias-primas e emissões que são estimados utilizando os fatores de caracterização (H) do método ReCiPe – 2016 (Huijbregts et al., 2016).

A interpretação dos resultados da AICV buscou correlacionar os impactos encontrados no comparativo com prognóstico ambiental das regiões e municípios que sofrerão as maiores pressões ambientais em decorrência da mudança da legislação.

Apesar dos métodos classificarem os impactos pelo critério espacial, neste trabalho, levou-se em consideração que os mecanismos de impactos globais, como Mudanças Climáticas e a Depleção da Camada de Ozônio, trarão possíveis consequências na escala regional e local, tanto no ambiente natural como na saúde humana (JRC-IES 2010).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Inventário do Ciclo de Vida (ICV)

Na Tabela 4 é apresentado o ICV, contendo os principais fluxos de entradas e saídas dos sistemas de destinação final dos sistemas estudados.

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Avaliação do Impacto Ambiental do Ciclo de Vida (AICV)

Após submissão dos dados do inventário à caracterização, os resultados apontaram que o CP de embalagens e sobras de agrotóxicos apresentou aumento dos impactos nas categorias: MC, ETM, ETA, TH, FOF, FMP e DA. Os resultados da caracterização podem ser visualizados na Tabela 5.

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Sendo assim, as consequências dos impactos trazidos pela mudança dos critérios para licenciamento das atividades de CP serão agravadas nas regiões que sediam essas atividades e, pelo critério geográfico apresentado na seção “Contextos geográficos dos sistemas CL e CP”, destacam-se a MMBH no contexto regional e o município de Cantagalo-RJ no contexto local.

Na categoria MC, o impacto será agravado em 12% no CP. A principal substância que contribui para o impacto é o dióxido de carbono, fóssil emitido para o ar, oriundo da queima de resíduos nos fornos (Figura 3). As mudanças climáticas provocam eventos extremos, como inundações em áreas urbanas e incêndios florestais pela seca, redução e migração da biodiversidade, além dos efeitos na saúde humana, como desconforto térmico, estresse e doenças infecciosas (JRC-IES, 2010). Estudos sobre a mudança do clima na MMBH apontam para as seguintes sensibilidades: condições precárias da infraestrutura rodoviária, população concentrada nas zonas urbanas, alta urbanização (ilhas de calor), risco ambiental relevante e riscos de chuvas intensas (FEAM, 2014).

Quanto aos impactos nos ecossistemas, verificou-se um crescimento de 7% e 2% pelo CP, nas categorias de impacto ETM e ETA, respectivamente (Figura 3). Em ambas, a principal substância responsável foi o fósforo emitido para a água. Na água, o fósforo reage com o oxigênio e, num ambiente com pouco oxigênio, pode gerar substâncias mais tóxicas, como a fosfina (COFIC, 2020).

O agravamento do impacto ETM se aplica diretamente ao contexto de CP situados em localidades do litoral brasileiro, no caso específico, os municípios de João Pessoa (PB) e Laranjeiras (SE).

Quanto ao impacto da ETA, este tem incidência direta na qualidade dos recursos hídricos em todas as localidades. A maior concentração de fornos de CP no Estado de Minas Gerais está sobreposta a duas regiões hidrográficas nacionais, a do Rio São Francisco e do Paraná, com destaque para as Bacias Vertentes do Rio Grande (GD2) e Alto do Rio São Francisco, tendo o Rio das Velhas como principal afluente, nos limites da Área de Proteção Ambiental Estadual da Cachoeira das Andorinhas (CBHSF 2018; IGAM, 2020), abrigando nascentes que dão origem ao corpo hídrico, de mesmo nome, que é ponto de captação de águas e abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ISA, 2010). No município de Cantagalo, as bacias mais vulneráveis são as do Rio Negro e do Rio Macuco, onde está localizado o polo cimenteiro.

Já o fósforo emitido para a atmosfera foi a principal substância responsável pela TH, a qual apresentou um aumento de 1% no CP (Figura 3). Provavelmente, o fósforo é emitido em primeiro lugar para a atmosfera, após o CP do glifosato e, posteriormente, deposita-se no solo e na água. O glifosato é um composto do grupo dos agrotóxicos organofosforados, que são os mais perigosos e tóxicos, embora menos persistentes no solo (Matos, 2010). A exposição crônica ao fósforo geralmente em ambiente de trabalho pode gerar necroses ósseas, fraturas espontâneas, anemias e perda ponderal (COFIC, 2020).

A Formação de Oxidantes Fotoquímicos e a Formação de Material Particulado também tiveram o aumento de 1% pelo CP. A principal substância emitida foi o óxido de nitrogênio (NOx). Os NOx são irritantes para os olhos e venenosos, se inalados (CETESB, 2020b).

O CP também se mostrou mais impactante em 0,5% na categoria DA e 0,2% para DF (Figura 3). O maior consumo de água no CP pode estar ligado à umectação das vias para a redução de poeiras e, principalmente, para o sistema de resfriamento da planta (Matos, 2010). Já a depleção fóssil se dá pelo emprego de fontes fósseis, como o coque de petróleo, que são combustíveis tradicionais para os fornos de cimento.

Cabe relembrar que todos os percentuais de elevação do impacto constatados são de extrema relevância, mesmo os menores, uma vez que o CP já possui grande potencial poluidor (COPAM, 2017), conforme registrado na seção “Escopo”, e serão ainda mais acentuados pela inserção de embalagens e sobras de agrotóxicos.

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CONCLUSÕES

Considerando os resultados obtidos, pode-se concluir que o novo escopo de modificações contidas na Resolução nº 499/2020 do CONAMA é prejudicial ao desenvolvimento sustentável, com retrocessos ambientais também aos setores agrícolas e cimenteiros por vários motivos. Primeiramente, pela maior contribuição da indústria cimenteira para o agravamento das mudanças climáticas, devido à elevação das emissões de CO2 eq. Esse fato se mostra uma contradição nas diretrizes ambientais do setor que tem buscado a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE).

Na questão espacial, os impactos ambientais agravados pelo CP acarretarão maiores pressões ambientais em todos os municípios que possuem fornos equipados para CP, com exceção do impacto ETM, o qual se aplica apenas ao contexto dos municípios litorâneos.

O município Cantagalo-RJ sofrerá agravamento direto das pressões ambientais, já existentes pelo CP com a entrada desses novos resíduos, pois a Região Serrana fluminense é também um importante setor agrícola do estado que poderá optar pela destinação dos agrotóxicos pela via do CP. Além de agravo à saúde da população pela TH, as bacias hidrográficas do Rio Negro e Macuco estarão ainda mais vulneráveis aos impactos ETA e DA.

Regionalmente, destaca-se a MMBH, podendo ser a região do território nacional que mais absorverá os efeitos sinérgicos dos impactos nos ecossistemas, por fenômenos como secas e estiagens, as quais já afetam os recursos hídricos da Bacia do Alto São Francisco e parte da Bacia do Paraná. Além disso, os impactos ETA e DA trarão efeitos negativos na qualidade e na disponibilidade dos recursos hídricos.

Cabe ressaltar que os mecanismos desses impactos proporcionarão danos à saúde da população residente em todas as localidades, com aumentos dos casos de infecções, desconforto térmico, doenças do aparelho respiratório, culminando em internações e mortalidades, com prejuízos sociais e econômicos, principalmente ao sistema público de saúde.

Os trabalhadores das cimenteiras são a classe mais vulnerável, pois já são submetidos a diversos riscos de saúde, pela constante exposição às substâncias tóxicas de centenas de tipos de resíduos perigosos coprocessados, e, futuramente, também aos resíduos de agrotóxicos.

Cabe ressaltar a iminente possibilidade de desestabilização da logística reversa do sistema CL, que vem, ao longo dos anos, realizando investimentos e apresentando mitigação dos impactos ambientais, que podem ser comprovadas através de relatórios de sustentabilidade do programa, originada de uma extensa cadeia de logística reversa e economia circular nos últimos vinte anos.

Por isso, recomenda-se ao setor agrícola brasileiro a manutenção, priorização e ampliação do sistema CL em outras cidades brasileiras para exercer competição no mercado de gerenciamento de resíduos com o CP com base em critérios de sustentabilidade do produto (agrotóxico) que já possui um risco ambiental elevado.

Recomenda-se também aos setores produtores de cimento que utilizam o CP, aos órgãos municipais e estaduais de meio ambiente e às instituições de pesquisa maior vigilância no acompanhamento dos parâmetros de qualidade ambiental, em virtude da mudança do marco legal, considerando, principalmente, o monitoramento contínuo da poluição e seus consequentes impactos regionais e locais.

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Disponibilidade dos dados

Todo o conjunto de dados que suporta os resultados deste estudo foi disponibilizado no Mendeleydata e pode ser acessado em http://dx.doi.org/10.17632/zgt3g2xyfb.1


Recebido: 14 ago. 2021

Aprovado: 16 nov. 2021

DOI: 10.20985/1980-5160.2021.v16n3.1743

Como citar: Aguiar, D.B., Aluizio, U., Paulo, V. (2021). Impactos ambientais regionais decorrentes da mudança da legislação ambiental para coprocessamento de agrotóxicos. Revista S&G 16, 3. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1743