Identificação da demanda brasileira por ensaios acreditados para têxteis inteligentes aplicados à saúde por meio da análise patentária

Ivânia Maria Lucinda de Donato

vanafdm@gmail.com

Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia– INMETRO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Ricardo Kropf Santos Fermam

rkfermam@inmetro.gov.br

Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia– INMETRO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Rodrigo Pereira Barretto da Costa Félix

rpfelix@inmetro.gov.br

Instituto Nacional de Metrologia Qualidade e Tecnologia– INMETRO, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


RESUMO

O mercado de tecnologias vestíveis gerou em torno de R$ 350 bilhões de receita em 2019, incluindo diversas aplicações. Dentre essas, àquelas ligadas aos cuidados com a saúde vem se destacando, permitindo facilitar diagnósticos e salvar vidas. No entanto, a existência de laboratórios de ensaio acreditados é um dos desafios a serem enfrentados pela indústria nacional para ampliação da participação no mercado de têxteis inteligentes. O objetivo desse estudo é identificar a demanda brasileira por ensaios acreditados voltados aos têxteis inteligentes aplicados na área de saúde. Para isso, foi feita uma análise de dados de patentes desta área, a fim de determinar a atual cobertura desses ensaios e as respectivas lacunas existentes. Concluiu-se que a maior parte das tecnologias desenvolvidas em têxteis inteligentes aplicados à saúde requer ensaios elétricos, magnéticos e de software. Dentre esses, constatou-se a maior demanda por ensaios de software em têxteis inteligentes.

Palavras-Chave: Laboratórios Acreditados de Ensaio; Têxteis Inteligentes; Análise Patentária.


INTRODUÇÃO

O setor têxtil tem desenvolvido produtos com funcionalidades técnicas e estruturas ativas, responsivas, interativas e inteligentes (De Lima, 2016). Estas funções específicas dadas aos têxteis podem ser chamadas de “propriedades inteligentes” de acordo com Almeida (2006). Já os chamados smart textiles são aqueles capazes de interpretar e responder adequadamente às mudanças do ambiente, isto é, as propriedades desses materiais se alteram por influência do meio exterior. Há um expressivo progresso da indústria de têxteis inteligentes nos EUA e na União Europeia (Valdés, 2018). Em meio a diversas aplicações dadas aos têxteis inteligentes, aquelas voltadas à medicina e à segurança pessoal têm se destacado por sua importância, uma vez que podem diretamente salvar vidas. Isto confere a elas um maior valor agregado e lucro aos seus investidores (Black, 2007).

Graças aos têxteis inteligentes empregados na área da saúde, pacientes conseguem receber alta médica para continuarem recuperando-se em casa mais rapidamente, uma vez que podem ser monitorados em seus domicílios. A transdisciplinaridade dos têxteis inteligentes por si só é inquestionável, e quando esses aplicam-se à medicina e cuidados médicos, essa característica é intensificada (Langenhove, 2007).

Por outro lado, existem também preocupações em relação a determinados riscos que os pacientes correm com a utilização destas tecnologias de têxteis inteligentes, como por exemplo: possíveis danos causados por nanopartículas utilizadas na composição ou geradas durante o manuseio dos têxteis inteligentes; presença de metais necessários para a condução elétrica; reações alérgicas causadas por componentes eletroquímicos das roupas; geração de campos eletromagnéticos que podem causar problemas em pacientes hipersensíveis; ausência de regulamento para níveis máximos de campos magnéticos ao qual um paciente pode ser exposto; possibilidade de contato entre a pele e um fio condutor sem isolamento, o que pode causar desconforto ou feridas; e outros aspectos relacionados à segurança da informação, pois as informações médicas ou dados relacionadas à geolocalização devem ser confidenciais, sendo portanto necessário fornecer segurança cibernética tanto para o paciente quanto sobre quem tem acesso a estes dados (Dolez et al., 2018).

Em relação aos têxteis inteligentes, entretanto, a falta de normalização e padronização dificultam o desenvolvimento da cadeia produtiva desses materiais no Brasil. Sem normas e regulamentos, torna-se inviável avaliar se os padrões de qualidade requeridos pelas sociedades dos países consumidores estão sendo atendidos. Por exemplo, não se sabe quais os efeitos do envelhecimento das baterias necessárias para o funcionamento de alguns têxteis inteligentes, ou como fazer a sua manutenção, nem quais seriam as consequências, em especial para a saúde humana, de produtos defeituosos (Dolez et al., 2018).

Os novos materiais têxteis possuem propriedades intrínsecas e funcionais; sua padronização não é simples, pois envolve uma sobreposição entre a padronização do produto têxtil “tradicional” e a padronização das propriedades intrínsecas e funcionais adicionais do produto, que o torna "inteligente" (Coyle, Diamond, 2016).Nesse sentido, é importante destacar que a Comunidade Europeia encomendou ao Comitê Europeu de Normalização (CEN), ao Comitê Europeu de Normalização Eletrotécnica (CENELEC) e ao Instituto Europeu de Normas em Telecomunicações (IETS) o estabelecimento de um programa de normalização para smart textiles, de forma a atender os Regulamentos Europeus para esses produtos (Decision M/553, 2017). A Organização Internacional de Normalização (ISO) tem em sua estrutura um comitê técnico (TC38) sobre normalização em têxteis que vem trabalhando na criação de normas para têxteis inteligentes.

Normas e regulamentos, juntamente com a metrologia, avaliação da conformidade (ensaios, certificações, inspeções etc.) e acreditação, atividades realizadas por instituições tecnológicas específicas nos países do mundo, constituem-se na infraestrutura da qualidade do país, definida como sendo:

“(...) a totalidade do quadro institucional (público ou privado) necessário para estabelecer e implementar serviços de normalização, metrologia (científica, industrial e legal), acreditação e avaliação de conformidade (inspeção, ensaio e certificação de produto e sistema) necessários para fornecer provas aceitáveis de que os produtos e serviços atendem aos requisitos definidos, sejam estes exigidos pelas autoridades reguladoras (regulamentação técnica) ou pelo mercado (contratualmente ou inferido)”. (Ruso, Filipović, Pejović, 2017).

O elemento integrante de tal infraestrutura que confere confiabilidade a mesma por meio da atestação da competência técnica em avaliação da conformidade é a acreditação, como entende-se a partir da definição internacional do termo. No Brasil, o único órgão responsável pela acreditação de empresas que prestam serviços na área de avaliação da conformidade (certificadoras, firmas inspetoras e laboratórios, dentre outros), reconhecido pelo Governo Brasileiro, é o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). No Inmetro, a atividade é de responsabilidade da Coordenação Geral de Acreditação (Cgcre). Convencionou-se historicamente denominar o conjunto dos laboratórios de ensaio acreditados pelo Inmetro para os diversos ensaios, setores e produtos como sendo a Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio (RBLE).

Com isso, com base na acreditação, consumidores e órgãos governamentais podem ter a segurança de que os produtos ensaiados no Brasil ou no Exterior, quer importados, exportados ou comercializados nacionalmente, atendem aos padrões de qualidade requeridos, tendo sido feita essa avaliação em laboratórios competentes tecnicamente. Atualmente, a RBLE conta com 1.235 laboratórios acreditados (INMETRO, 2021) para os mais diversos produtos e ensaios, quer sejam físicos, químicos ou biológicos. No entanto, não há até o momento laboratórios acreditados para realizarem ensaios em produtos têxteis inteligentes. Uma das possíveis causas é a extensa gama de componentes que compõem esses produtos.

Para o Brasil, há inúmeros desafios a serem enfrentados pela indústria nacional para ampliação da participação no mercado de têxteis inteligentes, de forma que esses produtos tornem-se, de fato, semelhantes a roupas comuns no quesito conforto. Um deles é a necessidade de dispor de uma rede laboratorial de ensaios relacionados aos têxteis inteligentes aplicados à área de saúde, também conhecidos como “têxteis médicos”, que possibilite a demonstração de conformidade desse produto e dos seus componentes, de forma a assegurar que os padrões de qualidade são atendidos. Assim, surgem as seguintes perguntas: a atual rede brasileira de laboratórios de ensaios é compatível com as tendências tecnológicas de têxteis inteligentes voltadas para área da saúde? Os ensaios requeridos para os têxteis médicos estão disponíveis? O presente trabalho visa responder a essas perguntas, utilizando-se da análise patentária como instrumento para identificação dos tipos de ensaios aplicáveis aos produtos têxteis inteligentes.

Têxteis inteligentes aplicados à saúde: têxteis médicos

Têxteis inteligentes derivam da tradução do termo original “_smart textiles_”, os quais por sua vez encontram-se dentro de materiais inteligentes, ou, originalmente, “_smart materials_”. No atual contexto, o “_comportamento inteligente_” é definido pela capacidade de um material “_sentir_” um estímulo, interagindo com esse de modo passivo ou ativo, podendo mudar as suas propriedades mecânicas, elétricas ou térmicas de acordo com o estímulo (FERREIRA, 2015).

Considerando que a indumentária, de certa forma, é uma segunda pele, inferimos que há uma ampla possibilidade de surgimento de novos têxteis inteligentes, os quais, apesar de terem surgido no Japão na década de 1990, ainda têm seu desenvolvimento considerado incipiente. Um comportamento inteligente é, desta forma, definido pela capacidade de reagir de modo útil, fiável, reprodutível e geralmente reversível. A ausência de reversibilidade não descaracteriza o comportamento inteligente, porém é altamente indesejável no caso de têxteis inteligentes, por torná-los descartáveis após uma única utilização. Neste sentido, os têxteis inteligentes devem ter a capacidade de realizar mudanças de forma controlada e previsível, detectando e atuando com respostas apropriadas a determinados estímulos (piezoelétricos, elétricos, magnéticos etc.) (Ferreira et al., 2014).

Sanchez (2006) afirma que os têxteis inteligentes dividem-se em três classes: microencapsulados, eletrônicos ou nanotecnológicos. Essa microencapsulação permite isolar os compostos ativos por meio de uma membrana biopolimérica, permitindo a liberação do princípio ativo por difusão, ruptura, dissolução do biopolímero, fricção ou biodegradação. Além da capacidade de sensorização, característica mínima de um têxtil inteligente, ele deve possuir pelo menos uma das características a seguir: processamento de dados, atuação, armazenamento e comunicação. Dessa forma, compreende-se a razão pela qual o grande desafio deste segmento tecnológico é a criação de têxteis inteligentes que também sejam resistentes a lavagens à água, uma vez que tais características dependem de componentes eletrônicos miniaturizados (Ferreira et al., 2014).

Os têxteis inteligentes ligados à saúde, ou têxteis médicos, são produtos usados com propósitos médicos e biológicos, principalmente em primeiros socorros, área clínica e voltados para a higiene, como por exemplo gaze ou materiais de bandagem e uma grande variedade de próteses ou implantes nos mercados de consumo e médico (Ali; Shavandi, 2016). Segundo Barteis (2011), os têxteis médicos possuem relação com a área técnica e as ciências da vida, contemplando tanto conhecimentos de engenharia têxtil, química, ensaios e certificações, bem como, pela área de ciências da vida, áreas como a medicina, microbiologia e conforto. A função preponderante desempenhada por um têxtil inteligente aplicado aos cuidados médicos é a aferição de biossinais, sendo os mais mencionados na literatura: temperatura; cardiograma; miografia; registros acústicos de coração, pulmão, digestão e articulações; ultrassom do fluxo sanguíneo, movimento, respiração, umidade; pressão sanguínea e suor (Das; Chowdhury, 2014).

As roupas inteligentes que monitoram pacientes são, em grande parte, têxteis inteligentes desenvolvidos pela engenharia biomédica que permitem que todo o quadro clínico do bem-estar do paciente no interior da sua casa seja registrado, permitindo uma visualização do estado do paciente muito mais completa do que com visitas esporádicas. A engenharia biomédica objetiva melhorar o bem-estar humano e promover saúde através da criação de dispositivos para diagnósticos, tratamento e cura de condições clínicas (Coyle, Diamond, 2016).

As roupas podem ter grande aceitação mercadológica em virtude da sua capacidade de salvar vidas, uma vez que estes tecidos inteligentes permitem uma intervenção clínica muito mais rápida devido à disponibilização imediata de informações sobre o status clínico do paciente (PARK; JAYARAMAN, 2010).

Um exemplo recente de utilização de roupas inteligentes para prevenção de acidentes é relatado por Chico-Morales et al. (2018), em que uma roupa inteligente dotada de uma “armadura”, joelheiras, placa de controle, sensores magnéticos, cintas magnéticas, módulo Wi-fi e plataforma de alimentação do sistema pode ajudar a minimizar o risco de acidentes com bebês em fase de engatinhar. Esse sistema detecta fitas magnéticas de segurança colocadas pelos pais em lugares perigosos. Quando o bebê ultrapassa essas zonas, um alarme é disparado, provocando a intervenção imediata dos pais. Caso a conexão com a rede Wi-fi seja interrompida, o sistema dispara uma buzina de alerta. Os principais tipos de materiais e tecnologias utilizados no desenvolvimento de têxteis inteligentes aplicados à saúde são: materiais de mudança de fase; materiais termocrômicos; fibras e fios condutivos; compósitos de tunelamento quântico para computadores; resistência piezoelétrica; eletrônicos orgânicos ou plásticos; biomateriais; polímeros emissores de luz; diodos emissores de luz; fibras óticas; células solares e fotovoltaicas; fotoluminescência; materiais fotocrômicos; holografia; tecnologias de plasma; nanotecnologia para fibras e tecidos de revestimento; microencapsulamento para liberação gradativa de substâncias terapêuticas; sistema de posicionamento global; identificação de radiofrequência (RFID) Tags e sistemas mecânicos microeletrônicos (MEMS) (Van Langenhove, 2007).

Esses tipos de tecnologia são combinados formando sistemas capazes de dar origem a diferentes têxteis inteligentes médicos, cujas principais finalidades dividem-se em: materiais para o tratamento de feridas (os quais por sua vez de dividem em materiais para controle de fluidos, controle de odor, controle bacteriano, barreiras físicas, enchimento de espaço, desbridamento, efeito homeostático, baixa aderência, redução de escaras, metabolismo de metais de íons e aceleração da regeneração de feridas); assistência vestível para o monitoramento móvel de saúde; materiais para o monitoramento de pacientes com doenças cardíacas e têxteis para o monitoramento de sinais fisiológicos (LINTU, 2007).

Para confecção de sensores em roupas inteligentes são utilizados dentre outros: seda metálica, organza, filamento de aço inoxidável, aramida revestida de metal, fibra polimérica condutora, revestimento de polímero condutor e fibra de carbono. Esses são usados devido a sua capacidade sensitiva, condução de eletricidade e capacidade de transmissão de dados (Syduzzaman et al., 2015).

Os benefícios dos têxteis inteligentes aplicados à medicina e cuidado com a saúde que se destacam são: integração da funcionalidade em interfaces têxteis; materiais flexíveis que se moldam ao corpo; materiais vestíveis adequados para roupas e acessórios; versatilidade de estrutura, redução de procedimentos invasivos; soluções inclusivas de design para todos os pacientes; monitoramento remoto ou domiciliar de atividades; baixa necessidade de energia para ligação com a rede de comunicação; soluções efetivas em termos de custos para usos descartáveis e a integração da resposta à terapia no monitoramento (Catrysse, 2007).

METODOLOGIA

Para a levantamento e análise das tecnologias de têxteis inteligentes foi utilizado o software QuestelOrbit (plataforma que faz busca e análise de informações contidas em pedidos de patentes, cujo diferencial está no agrupamento por família de patentes). A mineração de dados fez uso da combinação de dois grupos de palavras-chave que procederam em 884 famílias de patentes. Buscou-se recuperar desse resultado: as principais classificações determinadas pela Classificação Internacional de Patentes (IPC, na sigla em inglês), e os principais países depositantes.

Após esse levantamento, foi possível compreender quais as principais classificações associadas aos têxteis inteligentes relacionados à saúde, conforme a IPC. Fez-se então um recorte e uma nova análise no software QuestelOrbit, restringindo a pesquisa à classificação A61 ciência médica ou veterinária, que derivou em 323 famílias de patentes. Sob a perspectiva da disponibilidade da infraestrutura nacional de laboratórios de ensaios acreditados, fez-se uma análise, conforme objetivo da pesquisa, através do levantamento na página do site do Inmetro “Sistema de Consulta aos Escopos de Acreditação dos Laboratórios de Análises Clínicas (ISO 15189) e Laboratórios de Ensaio (ISO/IEC 17025) Acreditados (Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio–RBLE)”, buscando todos os laboratórios acreditados pertencentes RBLE. Os laboratórios buscados congregavam competências técnicas e capacitações vinculadas a indústrias, universidades e institutos tecnológicos, eram habilitados para a realização de serviços de ensaios, assegurando a capacidade em obter resultados de acordo com métodos e técnicas reconhecidos nacional e internacionalmente.

A quantidade de pedidos de patentes foi então correlacionada às classes de ensaio, conforme estabelecido pela Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro (Cgcre). O material coletado no levantamento de pedido de patentes foi analisado e classificado quanto às classes de ensaios, conforme a Figura 1, extraída do Anexo I da NIT-DICLA- 016-09 (Cgcre, 2020). Essas classes de ensaio, definidas pela Cgcre, são conjuntos de ensaios relacionados a uma ou mais grandezas (físicas, químicas, biológicas ou software), estabelecidas com base na classificação feita pelos diversos acreditadores mundiais, signatários do acordo da Cooperação Internacional de Acreditação de Laboratórios (ILAC), subscrito pela Cgcre. Na acreditação de um laboratório de ensaio, a Cgcre classifica os ensaios conforme essas classes, uma vez que o ensaio é o fator mais importante na acreditação de laboratórios (Cgcre, 2011).

F

As 323 patentes de têxteis inteligentes aplicados à saúde foram analisadas para que se pudesse compreender o objetivo da invenção, e como esse seria alcançado no tocante aos fenômenos físicos, químicos ou biológicos responsáveis pela funcionalidade do ato inventivo contido na patente. Foram analisadas paralelamente as reivindicações feitas pelo autor da patente, para que pudessem ser esclarecidos alguns mecanismos de funcionamento. Muitas patentes tinham atos inventivos que precisariam de mais de um tipo de análise (elétrica, mecânica, software etc.). Como o ensaio de software era necessário para maioria das patentes, atribuiu-se a elas apenas o tipo de ensaio que determinaria a eficiência da sua principal finalidade.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No software QuestelOrbit fez-se o uso da combinação das palavras-chave ((smart or inteligent or iot) w (textile or textiles or fabric)) e (e-textiles or smart garments or smart clothing or smart shirt or electronic textiles) no título, no resumo e nas reivindicações. A combinação resultou em 902 famílias de patentes. Foram identificadas 18 famílias em comum nas duas buscas, o que totalizou 884 famílias de patentes. A evolução das publicações de patentes, com critérios de busca em títulos, resumo e reivindicações, sem recorte temporal, pode ser visualizada na Figura 2.

F

A primeira publicação ocorreu no ano de 2001. Em 2005, houve 11 publicações, mais que o dobro de 2004. O estudo apresentou um crescimento médio anual de aproximadamente 35%, tendo uma pequena queda em 2012. De 2014 para 2018 foi registrado um crescimento de 218%, um elevado aumento em relação aos anos anteriores. É destacada na Figura 3 a quantidade de documentos patentários publicados nos países requerentes. Os depósitos nacionais são indicadores de mercado que precisam ser protegidos.

F

Observa-se a predominância da China, como o país com maior número de documentos patentários referentes aos têxteis inteligentes, com 506 publicações, seguida pelos Estados Unidos com 198 publicações e Coréia do Sul com 171 publicações. Esse resultado demonstra uma intensidade de pesquisa científica e produção tecnológica na área por aquele país, em que a maioria das patentes é emitida por universidades chinesas.

As patentes relacionadas aos têxteis, segundo a Classificação Internacional de Patentes pertencem à seção D, conforme descrito no Espacenet. No entanto, a maioria absoluta das patentes resultantes da pesquisa foi classificada na seguinte ordem: seções A (Necessidades Humanas), G (Física) e por último D (Têxteis, Papel). Assim, na Figura 4 apresentam-se as primeiras 30 subclasses, segundo a Classificação Internacional de Patentes (IPC), relacionadas aos têxteis inteligentes. Verifica-se uma grande variabilidade de subclasses utilizadas para classificação das patentes.

F

O maior número de depósitos se encontra na classificação A41D, com 162 depósitos, no qual se refere às roupas externas, trajes protetores e acessórios, seguido pela classificação G06F (Processamento Elétrico de Dados Digitais - sistemas de computadores baseados em modelos computacionais específicos) e A61B (Diagnóstico; Cirurgia; Identificação), respectivamente com 104 e 103 depósitos. A superioridade do A41D provavelmente se dá em virtude da menor complexidade exigida para a confecção de acessórios, enquanto a superioridade dos códigos A61B e G06F corrobora os resultados a serem apresentados pelo presente trabalho. Com base nesse estudo, uma nova análise foi realizada no software QuestelOrbit, restringindo a pesquisa com a combinação das palavras-chave ((SMART OR INTELLIGENT) W (TEXTILE# OR GARMENTS)) / CLMS / AB / DESC/ODES AND (A61#)/IPC a qual resultou em 284 famílias de patentes.

A Figura 5 é baseada nos códigos da Classificação Internacional de Patentes (IPC), identificados no conjunto das patentes analisadas. É possível identificar o domínio tecnológico e a principal tecnologia relativa aos têxteis inteligentes para área da saúde. O número em cada quadrante representa a quantidade de famílias de patentes que foram identificadas na tecnologia descrita.

F

As principais tecnologias relacionadas aos têxteis inteligentes com aplicação médica possuem propriedades originárias da esfera eletrônica, como a capacidade de responder a estímulos do ambiente, que pode ser realizada através de revestimento, artes gráficas e outras ciências técnicas que asseguram funções adicionais aos materiais.

É importante ressaltar que Brasil não aparece como país depositante, mas sim como país de publicação. Em 2004, houve o primeiro pedido de proteção de uma família de patentes de têxteis inteligentes no Brasil, nos dois anos seguintes houve uma evolução considerável, tendo ocorrido os maiores registros nos anos de 2014 e 2015.

Laboratórios de ensaio voltados para os produtos têxteis

Por meio do levantamento das informações contidas no site do Inmetro “Sistema de Consulta aos Escopos de Acreditação dos Laboratórios de Ensaio (ISO/IEC 17025)”, foram identificados laboratórios na área de Atividade: Têxtil, Vestuário e Artigos Afins. Na página do Inmetro, figuram laboratórios de todas as classes de ensaios: ensaios mecânicos, ensaios elétricos e magnéticos, ensaios químicos, ensaios térmicos, ensaios de vibração e choque, ensaios ópticos, ensaios biológicos, ensaios de radiação ionizante e ensaio de software.

Foram identificados somente laboratórios na área de Atividade: Têxtil, Vestuário e Artigos Afins, por classe de ensaio. Do total de ensaios oferecidos na região de São Paulo, 21% são ensaios mecânicos, 12% ensaios elétricos e magnéticos, 21% ensaios químicos, 14% ensaios térmicos, 12% ensaios de vibração e choque, 8% ensaios ópticos, 8% ensaios biológicos e 4% ensaios de radiação ionizante. No Rio de Janeiro, há apenas um laboratório responsável pela oferta de ensaios mecânicos, químicos e térmicos. No Paraná, há oferta das classes de ensaios mecânicos, químicos e biológicos, e em Santa Catarina, são oferecidos ensaios mecânicos, elétricos e magnéticos. Desse levantamento, foram encontrados 14 laboratórios de ensaios mecânicos, 6 de ensaios elétricos e magnéticos, 14 de ensaios químicos, 8 de ensaios térmicos, 6 de ensaios de vibração e choque, 4 de ensaios ópticos, 5 de ensaios biológicos, 2 de ensaios de radiação ionizante e nenhum laboratório na área de atividade “Têxtil, Vestuário e Artigos Afins - ensaios de software”.

Sobre a necessidade de desenvolvimento de ensaios, a Figura 6 mostra um paralelo entre os respectivos percentuais de necessidades de ensaios em relação ao total e o percentual de laboratórios acreditados em relação ao total de laboratórios:

F

• Das 284 famílias de patentes analisadas, foram identificadas 20% com necessidade de ensaios mecânicos e, entre os laboratórios acreditados brasileiros, 24% realizam ensaios mecânicos em têxteis tradicionais;

• 46% das famílias de patentes analisadas necessitam de ensaios elétricos e magnéticos e apenas 10% dos laboratórios acreditados realizam esse tipo de ensaio em têxteis tradicionais;

• 3% das famílias de patentes analisadas necessitam de ensaios químicos e 24% dos laboratórios acreditados no Brasil realizam esse tipo de ensaio em têxteis tradicionais;

• 8% necessitam de ensaios térmicos e temos 14% dos laboratórios acreditados que realizam esse tipo de ensaio em têxteis tradicionais;

• 10% das patentes analisadas necessitam de ensaios de software, e a figura revela que não há laboratório acreditado que realize esse tipo de ensaio em materiais têxteis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo tornou possível a compreensão do conceito e significado do termo “têxtil inteligente”, bem como quais os principais gargalos e entraves à sua expansão mercadológica. Foi possível identificar as principais famílias de patentes relacionadas aos têxteis inteligentes, bem como identificar e analisar as áreas prioritárias para o seu desenvolvimento. Outra contribuição foi a identificação das principais características tecnológicas presentes nos tecidos inteligentes aplicados à saúde, assim como das principais demandas de laboratórios acreditados de ensaios relacionados à verificação de qualidade e segurança para esse tipo de produto.

Destaca-se a ênfase da RBLE em produtos têxteis tradicionais, indicando uma defasagem em relação ao tema de têxteis inteligentes aplicados à saúde. Os laboratórios acreditados brasileiros ainda não estão preparados para atender à demanda de todas as classes de têxteis inteligentes aplicados à saúde, por isso seria importante priorizar estratégias que permitirão uma atuação mais abrangente em relação a este segmento no curto e médio prazo. Sugere-se a ampliação da rede de laboratórios acreditados, por meio de fomento público-privado, priorizando-se as principais classes de ensaio identificadas nesse estudo para têxteis inteligentes voltados para a saúde, aparelhando o país com esse importante elemento da infraestrutura da qualidade.

Como foi dito, a maior parte dos têxteis inteligentes relacionados à saúde necessitam de ensaios elétricos, magnéticos, de software e mecânicos para assegurar sua qualidade e funcionamento. Uma parte considerável desses materiais transmite dados das medições efetuadas via Wi-fi para dispositivos controlados por médicos, enfermeiros, pais, cuidadores etc., por isso os ensaios de software merecem mais atenção. É importante levar em consideração que ensaios de software podem ser aplicados em diversos tipos de produtos. Atualmente há oito laboratórios acreditados que realizam Ensaios de Software em outros tipos de materiais.

Paralelamente ao fortalecimento da infraestrutura laboratorial acreditada, necessária para o desenvolvimento da produção de têxteis inteligentes relacionados à saúde no Brasil, é importante que ocorra um estímulo a essa produção pelo setor empresarial. Ele deve estar consciente da importância dos setores de tecnologia e inovação para o estabelecimento da sua empresa no mercado, o que pode ocorrer por meio da articulação entre os setores público e privados – como por exemplo com a incubação de projetos tecnológicos para desenvolver essas tecnologias, com o auxílio dos laboratórios acreditados –, ou também pode ocorrer através de parcerias entre o Inmetro e Universidades e Institutos Federais.

Esse tipo de ação acertada, caso seja levada em conta, pode colocar o país em grande vantagem mercadológica em relação aos demais, uma vez que essa atividade pode estimular investimentos para o atendimento antecipado de demandas, aumentando a competitividade dos seus produtos no mercado internacional, os quais terão mais qualidade e principalmente segurança.

Métodos de desenvolvimento de inovação baseados na articulação entre o mercado consumidor e o produtor podem se revelar um modo eficaz de inovação. No caso particular dos têxteis inteligentes aplicados à medicina, o contato direto por meio de reuniões periódicas com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), além de outros setores ligados ao atendimento de pessoas que consumirão têxteis inteligentes aplicados à saúde, seria fundamental para a percepção de demandas de inovação/aprimoramento do mercado.

REFERÊNCIAS

Ali, M. A., Shavandi, A. (2016). Medical textiles testing and quality assurance. Performance Testing of Textiles. Woodhead Publishing. pp. 129-153.

Bartels, V. (Ed.). (2011). Handbook of medical textiles. Elsevier.

Black, S. (2007). Trends in smart medical textile. Van Langenhove, L. Smart textiles for medicine and healthcare: Materials, Systems and Applications. 1. ed. Cambridge, England: Woodhead Publishing Limited in Association with Textile Institute. Cap. 1, pp. 1-25.

Catrysse, M. (2007). The use of eletronics in medical textiles. Van Langenhove, L. Smart textiles for medicine and healthcare: Materials, Systems and Applications. 1. ed. Cap. 5, Woodhead Publishing Limited in Association with Textile Institute, Cambridge, England, pp. 88-104.

Cgcre. NIT-DICLA-016. ELABORAÇÃO DE ESCOPO DE ENSAIOS. Rev. 09. Aprovada em junho/2020. http://www.inmetro.gov.br/credenciamento/organismos/doc_organismos.as p?tOrganismo=CalibEnsaios.

Chico-Morales, I.J., Narvaez-Pupiales, S.K., Umaquinga-Criollo, A.C. Rosero-Montalvo, P.D. (2018). Embedded System Oriented to Babies in Crawl Phases for Accident Prevention in Applied a Smart Textile. Enfoque UTE, Quito 9, 1, pp. 217-225.

Coyle, S., Diamond, D. (2016). Medical applications of smart textiles. Advances in Smart Medical Textiles. Woodhead Publishing. pp. 215-237.

Das, S.C., Chowdhury, N. (2014). Smart textiles: New possibilities in textile engineering. Journal of Polymer and Textile Engineering 1, 1, pp. 1-4.

Decision M/553. (2017). On a standardization request to the European standardization organisations as regards advanced garments and ensembles of garments that provide protection against heat and flame, with integrated smart textiles and non-textile elements for enhanced health, safety and survival capabilities, in support of Regulations (EU) No 1007/2011 and (EU)2016/425 of the European Parliament and of the Council. https://ec.europa.eu/growth/tools- databases/mandates/index.cfm?fuseaction=search.de tail&id=575.

De Lima, C.S.A., Melin, G.R., De Lima, F.S, Da Costa, S.A. (2016). Desenvolvimento de Bandagens de Quitosana e Carboximetilcelulose para Aplicação Médica, CONGRESSO CIENTÍFICO TEXTIL E MODA: INOVAR PARA CRESCER, 4, 1, 4. Blumenau, SC.

Dolez, P., Decaens, J., Buns, T., Lachapelle, D., Vermeersch, O., Mlynarek, J. (2018). Analyse du potentiel d’application des textiles intelligent sensanté et ensécurité au travail. IRSST, Montréal, 116p.

Ferreira, A.J.S. (2015). Produtos têxteis inteligentes incorporando filamentos compósitos com nanotubos de carbono. 155 p. Tese (Doutorado em Engenharia Têxtil) - Universidade do Minho, Braga, Portugal.

Ferreira, F.R.M.S.C. (2014). A inovação tecnológica aplicada à redução das emissões de gases de efeito estufa na indústria brasileira no âmbito do Plano Brasil Maior: subsídios para o posicionamento estratégico-institucional do Inmetro. Duque de Caxias.

INMETRO. (2017). Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Sistema de Consulta aos Escopos de Acreditação dos Laboratórios de Análises Clínicas (ABNT NBR ISO 15189:2015) e Laboratórios de Ensaio (ABNT NBR ISO/IEC 17025:2017) Acreditados (Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio - RBLE). http://www.inmetro.gov.br/laboratori os/rble/.

Langenhove, L.V. (2007). Smart textiles for medicine and healthcare: Materials, Systems and Applications. Woodhead Publishing in association with the Textile Institute. Cambridge, England, 302p.

Lintu, N. (2007). Intelligent garments for prehospital emergency care. In: VAN LANGENHOVE, L. Smart textiles for medicine and healthcare: Materials, Systems and Applications. 1. ed., Cap. 8, Woodhead Publishing Limited in Association with Textile Institute, Cambridge, England, pp. 153-164.

Park, S., Jayaraman, S. (2010). Smart textile-based wearable biomedical systems: A transition plan for research to reality. IEEE Transactions on Information Technology in Biomedicine, 14, 1, pp. 86–92.

Ruso, J., Filipović, J., Pejović, G. (2017). The Role of Higher Education in National Quality Infrastructure Policy-Making. Management: Journal of Sustainable Business and Management Solutions in Emerging Economies 22, 1, pp. 15-24.

Syduzzaman, M., Patwary, S.U., Farhana, K., Ahmed, S. (2015). Smart textiles and nanotechnology: A general overview. J. Text. Sci. Eng. 5, pp. 1000181.

Valdés, A., Ramos, M., Beltran, A., Carrigos, M. C. (2018). Recent Trends in Microencapsulation for Smart and Active Innovative Textile Products. Current Organic Chemistry 22, 12, pp. 1237-1248.

Van Langenhove, L. (2007). Textile sensors for health care. Van Langenhove, L. Smart textiles for medicine and healthcare: Materials, Systems and Applications. 1. ed., Cap. 6, Woodhead Publishing Limited in Association with Textile Institute. Cambridge, England, pp. 106-122.


Recebido: 21 jul. 2021

Aprovado: 16 nov. 2021

DOI: 10.20985/1980-5160.2021.v16n3.1739

Como citar: Donato, I.M.L., Fermam, R.K.S., Félix, R.P.B.C. (2021). Identificação da demanda brasileira por ensaios acreditados para têxteis inteligentes aplicados à saúde por meio da análise patentária. Revista S&G 16, 3. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1739