Avaliação quantitativa do potencial de reuso industrial a partir dos efluentes de quatro estações de tratamento de esgoto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil

Marcelo Obraczka

marcelobraczka@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro– UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

André Alcântara Faria

afaria.alcantara@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Luis Carlos Soares da Silva Jr

lcsoareseng@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Alfredo Akira Ohnuma Jr

akira@uerj.br

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Kelly de Oliveira

kogil907@gmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Bruno Cabral Muricy

brmuricy@hotmail.com

Universidade do Estado do Rio de Janeiro– UERJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


RESUMO

Aliadas à saturação dos sistemas convencionais de abastecimento e à poluição das principais fontes de água, as recorrentes situações de estiagens e escassez vêm afetando a disponibilidade hídrica em muitas regiões do país, outrora abundantes em água, como o SE. O presente estudo insere-se no desenvolvimento do conhecimento necessário sobre fontes alternativas para atendimento das demandas básicas de água da sociedade. No presente caso, enfoca-se o reuso de águas servidas para suprimento de demandas industriais na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ), uma vez que esse reaproveitamento pode contribuir com a redução da pressão sobre mananciais e sistemas de abastecimento já saturados, resguardando a água potável para usos mais nobres. O objetivo deste trabalho é avaliar, em termos de quantidade, o potencial de atendimento a demandas por água de reuso para fins industriais e não potáveis, a partir da oferta de efluente tratado de quatro Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí) na RMRJ, cujas características, como localização e capacidade instalada de tratamento, as favorecem como potenciais fornecedores de águas regeneradas. Como potenciais consumidores, foram consideradas as indústrias do setor de transformação situadas no raio de 10 km a partir desses sistemas de tratamento (ETE’s). Constatou-se o grande potencial de reuso nos cenários estudados, comparando-se à capacidade instalada de sistemas de tratamento secundário e de produção de águas regeneradas disponíveis nas ETE’s elencadas em relação às demandas hídricas industriais de um total de 728 empresas de transformação, situadas nos respectivos raios de abrangência definidos a partir de cada ETE. Muitas dessas indústrias são passíveis de atendimento por mais de uma estação de tratamento e, além disso, a constatação da grande disponibilidade de oferta de água de reuso em potencial em relação à demanda indica ainda a viabilidade de atendimento do suprimento de água para outros setores e tipologias industriais. Os setores mais representativos do ponto de vista do número de empresas, para as quatro ETE’s, foram: 22-Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico); 25-Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem); 28- Fabricação de máquinas e equipamentos. Sob a ótica da vazão, os mais representativos foram: 20-Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros) para todas as ETEs e 30-Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores, somente para as ETEs Alegria e Penha. Apesar das quatro ETE’s elencadas apresentarem bom potencial para fornecimento de água de reuso, a ETE Penha mereceu maior destaque por apresentar a maior vazão requerida em função do número de empresas passíveis de atendimento no seu entorno, além de já dispor de um sistema de produção de água de reuso em operação desde 2007. Apesar de apresentar menor vazão disponível, além de maior distância em relação ao centro de massa das demandas referentes aos blocos de indústrias, a ETE Sarapuí pode ser também considerada como prioridade por ser a mais próxima do maior consumo em potencial de água de reuso identificado pelo estudo, i.g., as empresas do complexo da REDUC.

Palavras-chave:: ETEs; Efluentes; Reuso; Indústrias; Inventário.


INTRODUÇÃO

A crescente demanda por água para abastecer a população e assegurar o desenvolvimento de todas as atividades econômicas do país constitui um desafio na gestão dos recursos hídricos, nesse sentido, diversificar as fontes de fornecimento da indústria e de outros setores da economia pode auxiliar na busca da tão desejada segurança hídrica (CNI, 2020).

Segundo Faria (2020), agravadas pelos efeitos das mudanças climáticas e pela poluição das principais fontes de água, as recorrentes situações de escassez hídrica como a de 2014/15 em São Paulo (Empinotti et al, 2019) e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Campos, 2018) afetam consideravelmente a disponibilidade e a segurança hídrica de regiões estratégicas para o país (Formiga et al., 2015).

De acordo Rocha (2020), com base em dados do PERHI (Governo do ERJ, 2014), é possível identificar como fator agravante que boa parte da Região Metropolitana fluminense – notadamente aquela situada a oeste da baia de Guanabara – é extremamente carente, necessitando importar quase a totalidade de água para suprir suas necessidades, pois os recursos hídricos próprios dessas áreas são insuficientes para atender a magnitude da crescente demanda (Figura 1).

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Figura 1. Demanda atual de consumo em relação à disponibilidade de água por UHP do ERJ. A área em vermelho demonstra a criticidade da situação da RMRJ em sua porção a oeste da Baia de Guanabara.

Fonte: PERHI-RJ (Governo do ERJ, 2014)

De acordo com Hespanhol (2008), Formiga et al.(2015) e Obraczka et al. (2019), para enfrentamento desse grave problema, são necessárias ações e medidas para racionalização e uso consciente da água bem como a utilização de fontes alternativas não convencionais, entre elas a água de chuva e o reuso de águas servidas para destinações menos nobres e não potáveis.

Segundo autores como Angelakis e Gikas (2014), Bila et al. (2017) e Steflová et al. (2018), o reuso de efluentes sanitários já é uma prática corrente em vários países, assumindo uma posição de maior destaque onde há convívio com situações de maior estresse hídrico configurando-se como uma relevante alternativa de fonte de abastecimento de água aos sistemas convencionais.

Segundo Nobre (2013), a SABESP atende várias demandas industriais na RMSP a partir do fornecimento de águas de reuso provenientes da ETE de Jesus Neto (18 L/s), da ETE Parque Mundo Novo (24 L/s) e mais recentemente da ETE ABC (650 L/s). A ETE ABC faz parte do empreendimento AQUAPOLO, o sistema de reuso mais importante de toda a América Latina (Machado, 2019; Faria, 2020 e Mierzwa, 2020). De acordo com a CNI (2020), essa unidade de fornecimento de água de reuso foi construída a partir de 2010 e teve suas operações iniciadas em 2012, com o potencial para tratar até 0,9 m³/s de efluentes provenientes da ETE ABC, atendendo um condomínio de indústrias através de uma adutora exclusiva de água de reuso, com Ø 900mm e extensão de 16,5 Km (Nobre, 2013). Na ausência de regulamentação nacional para utilização de água para reuso, com base na experiência internacional, a SABESP desenvolveu seus próprios critérios internos de qualidade, incluindo o aspecto de balanço hídrico da fábrica (PROSAB apud Semura et al., 2005).

Ambientada na região metropolitana do Rio de Janeiro, as pesquisas de Faria (2020) e Faria et al. (2021) consideraram que na área de concessão da CEDAE as principais ETE’s para implementação do reuso são as ETE’s Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí, por seu maior porte e localização estratégica, tendo ainda como base as prioridades elencadas pela própria CEDAE (Rio de Janeiro, 2019). O mapa com a localização dessas quatro ETE’s, incluindo as respectivas áreas de cobertura/atendimento de seus respectivos sistemas/redes de esgotamento sanitário é apresentado na Figura 2.

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Figura 2. Mapa georreferenciado das ETE elencadas como potenciais geradores e respectivas áreas de cobertura dos sistemas de esgotamento sanitário.

Fonte: Faria et al. (2021)

Já existem sistemas de produção de águas de reuso (SPAR) de pequeno porte em três ETE’s na região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ): Alegria, Penha e Deodoro. Esses sistemas dispõem de etapa de polimento dos efluentes do tratamento secundário, sendo esse pós-tratamento composto basicamente por duas fases: a filtração simples (in-line) e, em seguida, a desinfecção com hipoclorito (Branco, 2016 e Faria, 2020). A água de reuso gerada do procedimento atende as demandas internas das concessionárias (lavagem de equipamentos, desobstrução de redes), entretanto, no caso da ETE Penha, parte da água de reuso (3.010 m³) é fornecida também a COMLURB para desobstrução de galerias e lavagem de vias públicas e feiras. Dessa parte, 363 m³/mês são utilizados internamente para diluição de polímeros, lavagem de centrífugas, lavagem de viaturas e do pátio de trabalho, totalizando cerca de 3.373 m³/mês (Neto e Oliveira, 2008; Zahner Filho, 2014 e Silva Jr e Obraczka, 2020).

Durante alguns anos, no início da década de 2010, o SPAR da ETE Alegria forneceu água de reuso a empreiteiras das obras do Porto Maravilha, porém esse sistema encontra-se desativado desde o fim do contrato entre essas empresas e a CEDAE (FARIA et al., 2021). A Tabela 1 apresenta algumas características das principais ETE’s na região metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo as três que dispõem de SPAR (Alegria, Penha e Deodoro).

Tabela 1. Principais características de potenciais geradores de água de reuso na RMRJ

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Notas: 1 - Vazão após ampliação (Sistema Nereda) 2 - ainda não operacional.

Fonte: Adaptado de Bielschowsky (2014), Campos (2018) e Farias (2020)

A despeito dessas iniciativas isoladas e de pequeno porte de SPAR nas ETE’s Alegria, Penha e Deodoro, pode ser constatado que o reuso de efluentes é insignificante no contexto geral, atingindo a menos do que 0,5% da capacidade instalada (BILA et al., 2017; OBRACZKA et al., 2017). Mesmo comparando-se essa capacidade instalada de reuso somente com a vazão total de tratamento das ETE’s elencadas, a representatividade aumenta apenas para cerca de 0,8%. Segundo Obraczka et al. (2019) e Faria (2020), na prática, esse valor tende ser ainda menor, uma vez que devem ser contabilizadas as vazões afluentes às demais ETE’s da região metropolitana do Rio de Janeiro (ora não incluídas e que não possuem SPAR). Soma-se a isso o fato do SPAR da Alegria encontrar-se atualmente desativado e o da Penha operar com grande ociosidade (Neto e Oliveira, 2007; Zahner Filho, 2014; Branco, 2016).

De acordo com diversas fontes (Araújo et al., 2017; BILA et al., 2017; SILVA Jr, 2018 e OBRACZKA et al., 2019), há vários fatores que contribuem para o atual estágio de incipiência do reuso e que dificultam sua implementação, tanto no Brasil como no cenário mais específico do município e da região metropolitana do Rio de Janeiro Entre eles destacam-se: (a) carência de conhecimento e de uma “cultura” de reuso; (b) carência de legislação específica e regulamentação, especialmente a nível federal; (c) carência de políticas públicas, instrumentos de planejamento e incentivos econômicos; (d) obstáculos de ordem física, como as distâncias entre os principais polos geradores (ETEs de maior porte) e alguns grandes potenciais consumidores da água de reuso no Rio de Janeiro, como as indústrias, aliadas às restrições de capacidade/escoamento do sistema de caminhões pipa para atender essas demandas. Resultados de estudos de Silva et al., 2016; Araújo et al., 2017; Bila et al., 2017 e Campos, 2018 corroboram com essa avaliação de que a proximidade geográfica entre o gerador e consumidor, aliada a garantia de vazão e qualidade da água industrial requerida pelo consumidor, são os requisitos mais importantes para a viabilidade e implementação de projetos de reuso a partir de efluentes de ETE’s no Rio de Janeiro. Outro entrave mencionado pelos referidos autores diz respeito à carência de informações e de uma base de dados mais ampla e confiável para implementar o reuso em escala comercial.

Visando suprir tal carência e proporcionar maiores subsídios para tomada de decisão e de ações para implementação do reuso no município e na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, estudos de Campos (2018), Obraczka et al. (2017; 2019), Silva Jr. e Obraczka (2020) e Faria (2020) desenvolveram um inventário/mapeamento de potenciais geradores e usuários de águas regeneradas, dando maior ênfase ao seu fornecimento pela ETE Alegria (Figura 3).

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Figura 3. Mapeamento de geradores e consumidores de água de reuso no Município e na RM do Rio de Janeiro, a partir da ETE Alegria

Fonte: Obraczka et al. (2019)

Associado a um banco de dados, esse mapeamento abrangeu o levantamento de informações em sítios eletrônicos de órgãos e empresas de gestão de recursos hídricos e de saneamento, organizações não governamentais e entidades/associações de classe ou de setores produtivos, além de consultas em trabalhos técnicos e científicos.

Além de dados sobre os potenciais fornecedores, essas pesquisas incluíram informações sobre possíveis consumidores de águas regeneradas, considerando grandes demandas em potencial como as de indústrias, abrangendo ainda outros empreendimentos de grande porte como portos e aeroportos, terminais e centros de manutenção rodoferroviários e grandes garagens de veículos (transporte público e coleta de resíduos sólidos). Também foram incluídos dados gerais sobre a área de estudo (RMRJ) como a identificação e delimitação de municípios, Áreas de Planejamento (APs) municipais e abairramento, malha viária, bacias hidrográficas e de esgotamento sanitário e os principais corpos hídricos.

Os resultados desses estudos indicam que o reuso é mais viável prioritariamente a partir das ETEs de maior porte na região metropolitana do Rio de Janeiro, notadamente para usos não potáveis e considerados como menos nobres, visando atender a demandas urbanas e industriais.

Pela concentração de vazão e alta qualidade dos efluentes tratados nas principais ETE’s disponíveis da região metropolitana do Rio de Janeiro, Campos (2018), Silva Jr (2018) e Rocha (2020) corroboram a visão de que a maior viabilidade técnica e econômica para o reuso verifica-se a partir desses sistemas, também para fins urbanos e industriais. O reuso de esgotos tratados é mais viável e economicamente mais atraente notadamente para o setor industrial, tanto em função dos elevados consumos dessas indústrias como pelas tarifas de água potável adotadas pelas concessionárias que praticamente inviabilizam a utilização da água da rede pública por essas empresas (Silva Jr. e Obraczka, 2020).

Ao analisar as vazões das outorgas por categoria de uso dos recursos hídricos, emitidas no raio de 25 km das ETE’s Alegria, Penha e São Gonçalo, Rocha (2020) aponta um alto potencial de reuso de águas residuárias na região metropolitana do Rio de Janeiro, destacando a considerável representatividade da categoria “_Sanitário, industrial, irrigação, recreação_” (SI) em relação as demais, com exceção do ano de 2018 (Tabela 2).

Tabela 2. Vazões anuais das outorgas por categoria, emitidas para empreendimentos no raio de 25 km das ETE’s Alegria, Penha e São Gonçalo, em m3

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Legenda: CH (Consumo e higiene humano); CHO (Consumo, higiene Humano e outros); IA (Indústrias de alimentos); LE (Lançamento de esgoto); SI (Sanitário, industrial, irrigação, recreação).

Fonte: Adaptado de Rocha (2020)

Ainda segundo Rocha (2020), para as três ETEs avaliadas, essa representatividade de SI vem apresentando uma crescente tendência nos últimos anos, abrangendo mais do que 80%, no total, de cada ETE analisada e, no geral, de toda a vazão outorgada. Por outro lado, as demais categorias (CHO - Consumo e higiene humana e outros, IA - Indústria alimentícia) vêm apresentando uma tendência de queda.

Baseado em pesquisa baseada no georreferenciamento dos dados de um gerador específico (a ETE Alegria) e de potenciais consumidores de águas regeneradas no seu entorno, Silva Jr. e Obraczka (2020) identificaram um cluster de centrais dosadoras de concreto (CDC’s) na região do Caju que apresenta grande viabilidade técnica e econômica para fornecimento de água industrial para amassamento, a partir do SPAR existente na ETE Alegria (Figura 4).

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Figura 4. Mapa do georreferenciamento de potenciais consumidores de água de reuso a partir do SPAR da ETE Alegria, Caju – RJ

Fonte: Silva Jr e Obraczka (2020)

Faria (2020) realizou um desdobramento do inventário inicial de Campos (2018), adotando a mesma premissa quanto ao raio limite máximo de 10 km para viabilidade de reuso, considerando, porém, quatro ETE’s (Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí). No trabalho de Faria (2020), foram ainda agregadas mais informações quanto a potenciais consumidores na região metropolitana do Rio de Janeiro, enfatizando as demandas estimadas de água industrial de setores de empresas considerados como mais consuntivos, especificamente os das indústrias de transformação (CNI, 2017; ANA, 2019; Faria, 2020).

A Figura 5 apresenta as localizações georreferenciadas dos quatro principais geradores (ETE’s Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí) e dos potenciais consumidores de água de reuso adotados pelo trabalho referenciado acima (indústrias de transformação) (Faria, 2020).

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Figura 5. Mapa georreferenciado dos geradores (ETE’s Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí) e potenciais consumidores de suas águas de reuso, por faixas de volume/demanda diária

Fonte: Faria (2020)

A pesquisa demonstrou que as vazões de tratamento disponíveis nas quatro ETE’s avaliadas (estimadas em 569030 m3/dia) poderiam atender com sobras as demandas totais de água industrial para o rol de 728 empresas elencadas como potenciais consumidores, estimadas em cerca de 135777 m3/dia. Pela proximidade entre potenciais fornecedores e consumidores, o mapeamento/inventário indicou ainda que muitas empresas podem ser atendidas pela água de reuso de mais do que uma ETE (Faria et al., 2021).

O objetivo geral do presente trabalho foi dar continuidade a análise do potencial de emprego de Águas de Reuso para fins industriais não potáveis na região metropolitana do Rio de Janeiro, ainda sob o aspecto quantitativo. Para essa finalidade, o inventário/mapeamento de Faria (2020) foi aprofundado, analisando-se o potencial de atendimento dos conjuntos de empresas do setor de indústrias de transformação situadas no raio de 10 km a partir de cada uma das quatro ETEs priorizadas (ETEs Penha, Pavuna e Sarapuí, além da ETE Alegria).

MÉTODOS

Como base para caracterização dos principais geradores de água de reuso, sejam efetivos ou potenciais, foram utilizadas as premissas e resultados dos trabalhos desenvolvidos por Campos (2018), Obraczka et al. (2019), Faria (2020) e Faria et al. (2021), que tiveram como foco as ETE’s Alegria, Penha, Sarapuí e Meriti, todas operadas pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro - CEDAE. Esses sistemas foram adotados em função das prioridades definidas pela CEDAE, como discriminado pelo Termo de Convênio assinado com a UERJ para desenvolvimento de estudos, visando a implementação do reuso na região metropolitana do Rio de Janeiro (RIO DE JANEIRO, 2019).

Para localização e caracterização de potenciais consumidores de água de reuso na área de estudo, identificando-se as demandas de água especificamente para os blocos de indústrias situadas nas respectivas áreas de influência de cada uma das quatro ETE’s consideradas, foram utilizadas premissas e resultados das pesquisas de Faria (2020) e Faria et al.(2021). Baseados nos dados do Cadastro Industrial da FIRJAN (2016), esses estudos consideraram somente os empreendimentos do setor de indústrias de transformação (divisão do CNAE 2.0), situadas no raio de 10 km no seu entorno das ETE’s e priorizadas pela pesquisa. As vazões requeridas foram estimadas com base nos dados de outorgas do INEA (2020) e nos índices de consumo de água por indústrias, disponibilizados pelo estudo da ANA (2017).

Considerando cada uma das quatro ETE’s adotadas e suas respectivas áreas de influência definidas a partir do raio de 10 km, foi então possível realizar uma avaliação do perfil de atendimento das demandas hídricas para os blocos de empresas elencadas como potenciais consumidores de água de reuso, por ETE, do ponto de vista quantitativo e comparativo. Tendo sido constatada a sobreposição de áreas de influência das ETE’s, por exemplo, várias empresas puderam ser atendidas por água de reuso proveniente de mais do que uma ETE, as indústrias e suas respectivas demandas, as quais foram computadas pelo presente estudo, em todas as suas alternativas possíveis de atendimento.

Para subsidiar a análise e comparação quanto a maior ou menor potencialidade, foram também calculados índices como: a) vazão requerida em relação ao número de indústrias na área de influência considerada para cada ETE; b) vazão requeridas em relação à capacidade nominal e à vazão de tratamento e c) vazão de tratamento em relação à vazão (capacidade) nominal para cada ETE.

Para o desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas as ferramentas Excel e QGIS 3.14.16 'Pi', com auxílio de recursos como a extensão para os mapas bases e os raios de viabilidade do projeto, gerando-se planilhas, gráficos e mapas correspondentes.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Figura 6 apresenta a localização georreferenciada dos potenciais geradores e consumidores de água de reuso nas áreas em estudo, por tipologia industrial, dentro do setor de indústrias de transformação, respeitando os respectivos raios limites de 10 km, realçando-se as regiões mais próximas de cada ETE analisada.

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Figura 6. Mapa georreferenciado dos geradores e consumidores em potencial de água de reuso, por tipologia industrial, para cada ETE adotada (Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí)

Fonte: Os autores

Cada fonte potencial de água de reuso (ETE) foi analisada separadamente, sendo computadas todas as demandas estimadas de água industrial das empresas que se situam no seu raio de influência. Pode ser constatado que as áreas definidas pelo raio limite de 10 km a partir de cada ETE sobrepõem-se às áreas de influência outras ETE’s envolvidas no estudo: ETE Sarapuí (abrange também a ETE Pavuna); ETE Pavuna (abrange também as ETE’s Penha e Sarapuí); ETE Penha (abrange também as ETE’s Alegria e Pavuna) e ETE Alegria (abrange também a ETE Penha).

Como já sustentado por Faria (2020), em alguns casos há uma sobreposição de demandas, ou seja, há inúmeras indústrias cadastradas pelo estudo que podem ser atendidas por mais do que somente uma fonte (ETE). Essa disponibilidade pode ser considerada como mais um aspecto favorável a implementação do reuso, uma vez que faculta ao potencial consumidor uma 2ª opção de fonte de suprimento de água. Os resultados do inventário quantitativo são apresentados a seguir, para cada uma das quatro ETE’s priorizadas pela pesquisa.

ETE Alegria

A Tabela 3 apresenta o quadro resumo por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, discriminando a quantidade de empreendimentos e vazão diária média requerida das indústrias situadas no raio de 10 km a partir da ETE Alegria.

Tabela 3. Quadro resumo das indústrias por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, localizadas dentro do raio de 10 km a partir da ETE Alegria

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Nota: * valores inferiores a 0,5%.

Fonte: Os autores

No raio de 10 km a partir da ETE Alegria, em termos de quantidade de indústrias, destacaram-se as seguintes divisões: 14 – Confecção; 22 – Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico); 25 – Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem) e 28 – Fabricação de máquinas e equipamentos. Em conjunto, elas representam cerca de 50% do total de empresas avaliadas, sendo a 14 – Confecção a mais representativa de todas.

Em termos de vazão requerida, destacaram-se: as divisões 14 – Confecção, 20 – Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros) e 30 – Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores, que representam no total cerca de 55% da demanda total das empresas na área elencada.

Observou-se ainda que somente a divisão 14 – Confecção apresenta maior representatividade tanto em termos de quantidade de empresas como de vazão requerida. Por outro lado, mesmo representando apenas 1% do total de indústrias, a divisão 30 – Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores é responsável por 17%, ou seja, cerca de 1/3 das maiores demandas de água de reuso no cenário estudado.

Por não estarem incluídas no setor de Transformação, no presente estudo não foram computadas as potenciais demandas de várias centrais dosadoras de concreto (CDC`s) existentes no entorno da ETE Alegria.

Não obstante, essas empresas possuem grande viabilidade para serem integralmente atendidas, tanto sob o aspecto quantitativo como qualitativo, como destacado na pesquisa de Silva Jr. e Obraczka (2020), baseada em dados de Zahner Filho (2014).

A título de parametrização, de acordo com esses mesmos autores, as demandas somadas das quatro CDC`s situadas em um raio de apenas 2 km a partir da ETE Alegria correspondem a cerca de 300 m3/dia, ou seja, cerca de apenas 0,8% em relação à vazão total levantada de demanda para o setor (Tabela 2) e de 16% em relação à capacidade instalada do SPAR (1920 m3/dia).

Cabe destacar que o SPAR encontra-se atualmente desativado e o todo efluente tratado a nível secundário pela ETE Alegria é integralmente descartado no Canal do Cunha, que escoa por sua vez para a Baía de Guanabara.

Importante ainda salientar que essa capacidade ociosa (no mínimo 132106 m3/dia – Tabela 1) poderia suprir com folgas as demandas de água industrial de um bloco com o 3o maior de número de empresas do setor de transformação (395) por ETE encontrado pela pesquisa, dentre os quatro cenários/ETE’s avaliados, e que também corresponde a 2ª maior vazão requerida estimada (55.179,3 m3/dia), atrás somente da ETE Penha.

ETE Penha

A Tabela 4 apresenta o quadro resumo por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, discriminando a quantidade de empreendimentos e vazão diária média requerida das indústrias situadas no raio de 10 km da ETE Penha.

Tabela 4. Quadro resumo das indústrias por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, localizadas no raio de 10 km da ETE Penha

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Nota: * valores inferiores a 0,5%.

Fonte: Os autores

No raio de 10 km a partir da ETE Penha, em termos de quantidade de indústrias, destacam-se as divisões: 14 – Confecção; 20 – Fabricação de produtos químicos; 22 – Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico) e 25 – Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem) e 28 – Fabricação de máquinas e equipamentos, que representam cerca de 60% do total de empresas avaliadas.

Em termos de vazão demandada, destacam-se: as divisões 14 – Confecção, 20 – Produtos Químicos (especialmente produtos petroquímicos/polímeros) e 30 - Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores que representam 59% da demanda requerida na área elencada.

Constatou-se que 517 (ou seja, 71%) das 728 indústrias selecionadas pelos filtros/critérios adotados pela presente pesquisa para definição dos potenciais consumidores estão situadas no raio de 10 km a partir da ETE Penha. No tocante à vazão, a demanda requerida (52.345,2 m3/dia) é também a maior entre as quatro ETE’s e respectivas empresas situadas em suas áreas de influência, representando cerca de 30% do total computado.

Além de uma localização estratégica em relação a potenciais consumidores de águas de reuso no seu entorno, constata-se que a ETE Penha situa-se próxima a vias/artérias importantes como a Av. Brasil e a Ponte Rio-Niterói, facilitando o transporte/escoamento de uma produção de água de reuso.

Trata-se, portanto de um polo gerador de águas regeneradas a ser priorizado, considerando ainda que já possui um SPAR, pioneiro no Rio de Janeiro e em funcionamento desde 2007, que vem fornecendo água de reuso à COMLURB para lavagem de vias públicas e feiras no município (Netto e Oliveira, 2008; Faria, 2020; Rocha,2020).

Vale destacar que a capacidade instalada do SPAR representa somente 0,8% e 1,2% da capacidade total e da vazão total de tratamento da ETE Penha, respectivamente, sendo a produção real de água do SPAR representada por apenas 16% da capacidade instalada de reuso dessa ETE (Netto e Oliveira, 2008; Zahner Filho, 2014; Faria, 2020).

Tal situação indica, portanto, a existência de uma grande capacidade ociosa que pode ser melhor explorada, gerando mais receitas, sem necessariamente demandar grandes investimentos/custos para a Concessionária (Branco, 2016; Silva Jr e Obraczka, 2020; Obraczka et al., 2020).

ETE Pavuna

A Tabela 5 apresenta o quadro resumo por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, discriminando a quantidade de empreendimentos e vazão diária média requerida das indústrias situadas no raio de 10 km da ETE Pavuna.

Tabela 5. Quadro resumo das indústrias por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, localizadas no raio de 10 km da ETE Pavuna

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Nota: * valores inferiores a 0,5%.

Fonte: Os autores

No raio de 10 km a partir da ETE Pavuna, em termos de quantidade de indústrias, destacam-se as divisões: 14 – Confecção; 20 – Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros); 22 – Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico); 25 – Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem); e 28 – Fabricação de máquinas e equipamentos.

As divisões 22, 25 e 28 já não traduzem sua representatividade em termos de quantidade para representatividade em vazão, destacando-se nesse aspecto as divisões: 14 – Confecção e 20 – Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros) que representam 54% da demanda requerida na área elencada.

Ainda que a ETE Pavuna apresente o 2º maior número de indústrias (430) em seu raio de influência passiveis de serem atendidas por água de reuso, a vazão total por demandada por essas empresas (31.617,3 m3/dia) é a menor entre todas as quatro ETE’s avaliadas pela pesquisa, representando pouco menos da metade da vazão requerida tanto para a ETE’s Penha como para a ETE Sarapuí.

ETE Sarapuí

A Tabela 6 apresenta o quadro resumo por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, discriminando a quantidade de empreendimentos e vazão diária média requerida das indústrias situadas no raio de 10 km da ETE Sarapuí.

Tabela 6. Quadro resumo das indústrias por divisão do CNAE 2.0 e respectivas tipologias, localizadas no raio de 10 km da ETE Sarapuí

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Nota: * valores inferiores a 0,5%.

Fonte: Os autores

No raio de 10 km a partir da ETE Sarapuí, em termos de quantidade de indústrias destacam-se as divisões: 20 – Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros); 22 – Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico) e 25 – Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem).

Em termos de vazão demandada, destaca-se a divisão 19 – Fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis. Apesar de ter apenas uma indústria com esta tipologia (divisão), a vazão de água requerida representa 62% de toda a demanda estimada para as empresas situadas na área de influência, elencada a partir da ETE Sarapuí.

Vale destacar também a divisão 20 – Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros), com 18% da vazão total estimada, que somado à divisão (tipologia industrial) 19 – Fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis representa 80% da vazão total demandada para as empresas cadastradas/situadas na área delimitada. As demandas dessas tipologias representam cerca de 60% da vazão total requerida por todas as indústrias computadas no estudo.

Pode ser ainda observado que apesar de uma menor quantidade de indústrias (228) situadas em sua área de influência (raio de 10 km), se comparado com as demais ETE’s, a vazão total demandada de água é bastante representativa, ficando atrás somente da vazão requerida no cenário da área de influência da ETE Penha.

Considerando o aspecto de interligação e transporte de água entre gerador e consumidores, essa maior relação entre vazão e número de empresas pode se configurar como um indicador positivo quanto à viabilidade de reuso a partir da ETE Sarapuí. Sob essa ótica, as ETE’s Alegria e Penha apresentam valores próximos e intermediários, enquanto a ETE Pavuna é a que apresenta a menor relação “vazão de água de reuso por unidade industrial por dia”. A Tabela 7 apresenta uma compilação dos resultados gerais obtidos para as quatro ETE’s no atendimento das demandas das indústrias elencadas pela pesquisa em suas respectivas áreas de influência.

Tabela 7. Compilação dos resultados obtidos para as quatro ETE’s e empresas/indústrias potenciais consumidoras de água de reuso nos seus entornos/áreas de influência

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Legenda: 14-Confecção;19-Fabricação de coque, de produtos derivados do petróleo e de biocombustíveis; 20-Produtos Químicos (especialmente, produtos petroquímicos/polímeros); 22-Borracha/Plástico (artefatos de borracha e embalagens de material plástico); 25-Produtos de metal (estruturas metálicas, usinagem); 28- Fabricação de máquinas e equipamentos; 30-Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores.

Fonte: Os autores

Cabe ainda destacar o elevado potencial de atendimento das demandas em todas as quatro ETE’s, em função da diferença entre sua capacidade instalada e a vazão de tratamento. Variando de um mínimo de 40% na ETE Alegria a um máximo de 85% na ETE Pavuna, essa capacidade de ampliação pode ser considerada como mais uma potencialidade para implementação de sistemas de reuso na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Considerando como base para a avaliação a capacidade instalada, todas as ETEs podem atender as respectivas demandas com folga, que varia de um máximo de cerca de 83% (ETE Alegria) a um mínimo de 41% (ETE Penha). Adotando-se, porém, somente a vazão (operacional) de tratamento como premissa, essa disponibilidade é reduzida para 72% (ETE Alegria) e 41% (ETE Penha), passando a inexistir tanto na ETE Sarapuí como na ETE Pavuna. Essa constatação remete a necessidade de ampliar o atendimento e a captação de esgotos das bacias de esgotamento correspondentes, de forma a aumentar as vazões afluentes, notadamente as ETE’s Sarapuí e Pavuna, como condição prévia, visando a implementação do reuso em escala mais abrangente em suas respectivas áreas de influência. No entanto, especialmente para essas duas ETE’s, o tamanho de suas respectivas bacias de esgotamento (Figura 3) demonstra a existência de um grande potencial de crescimento da vazão afluente. Isso pode ser inferido em função de duas das características básicas dessas áreas/bacias: possuem grande população e densidade demográfica, dispondo em contrapartida de uma baixa cobertura/atendimento da rede coletora e do sistema de esgotamento sanitário local.

O Gráfico da Figura 7 discrimina as capacidades instaladas (nominais) de tratamento secundário das ETE’s Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí, e dos sistemas de produção de água de reuso (SPAR) das ETE’s Alegria e Penha. Além das vazões diárias requeridas pelas indústrias que foram identificadas como potenciais consumidores de água de reuso e situadas no raio de influência de 10 km a partir de cada ETE avaliada, o Gráfico inclui os respectivos saldos (capacidade – demanda) disponíveis.

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Figura 7. Capacidade de produção de efluente tratado das ETE`s Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí e de água de reuso das ETE’s Alegria e Penha em relação às demandas de água industrial das empresas elencadas pela pesquisa, por ETE

Fonte: Os autores

Ainda que não faça parte propriamente do escopo do presente trabalho, cabe destacar alguns aspectos referentes à qualidade dos efluentes tratados nas ETE’s avaliadas. Para atender as restrições da legislação ambiental do Rio de Janeiro quanto aos limites de parâmetros para lançamento de efluentes nos corpos hídricos, entre elas a DZ 215 (uma das mais restritivas do país), as ETE’s possuem processos de tratamento a nível secundário, como é o caso de lodos ativados. Esses são sistemas considerados de elevada e comprovada eficiência, resilientes e operacionalmente bastante confiáveis, que geram um efluente de ótima qualidade (Sperling, 2005; Jordão e Pessoa, 2017). Dessa forma, os sistemas de tratamento em operação proporcionam uma maior garantia quanto à qualidade dos efluentes e, portanto, quanto uma maior viabilidade do emprego de água de reuso.

Analisando a qualidade do efluente tratado da ETE Alegria, Silva Jr. e Obraczka (2020) puderam constatar que o mesmo pode ser empregado como água de amassamento de usinas de concreto sem necessidade de pós-tratamento ou polimento, pois já atende a todos os parâmetros estabelecidos pelas normas pertinentes, como a NBR 15900 e mesmo as especificações de normas internacionais.

Além da água para amassamento de concreto, dados levantados pelo trabalho de Faria (2020) dão conta de que os efluentes tratados de ETE’s como Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí atendem a maior parte das especificações quanto aos parâmetros de qualidade de água definidos para usos em torres de arrefecimento e tamboreamento (fabricação de rolamentos). Cabe destacar que mesmo no caso da necessidade de investimentos em mais uma etapa de polimento, boa parte dos custos do tratamento já se encontra embutida no processo para adequar minimamente os esgotos as exigências da DZ 215 R4 para descarte nos corpos hídricos, como preconizam as pesquisas de Silva Jr. e Obraczka (2020), Faria et al. (2021).

A despeito de muitas indústrias poderem ser atendidas por água de reuso proveniente de mais do que uma ETE, é importante destacar que quase todas as empresas elencadas localizam-se a menos do que 50 km a partir de qualquer das 4 ETE’s avaliadas, distância essa considerada como raio máximo viável para abastecimento com água de reuso por caminhão pipa (Campos, 2018, Obraczka et al., 2017).

CONCLUSÃO

A partir do aprofundamento da análise de inventário georreferenciado de potenciais fornecedores (ETE’s) e potenciais consumidores de águas de reuso (indústrias de transformação) na região metropolitana do Rio de Janeiro que vem sendo desenvolvido desde 2017, o presente artigo pode demonstrar a potencialidade de reuso dos efluentes tratados para fins industriais não potáveis, respectiva a cada uma das quatro ETE`s avaliadas (Alegria, Penha, Pavuna e Sarapuí).

Do ponto de vista quantitativo, a partir de sua capacidade nominal instalada de tratamento, as quatro ETE’s avaliadas podem atender a cerca de 4 vezes o total das demandas potenciais de água industrial para todas as empresas situadas nos seus respectivos raios de influência que foram identificadas pelo estudo. Na realidade, a capacidade instalada da ETE Alegria e as das ETE`s Pavuna e Sarapuí poderiam inclusive atender respectivamente a 100% e 95% da vazão total estimada de água de reuso requerida por todas as 728 empresas, enquanto a ETE Penha poderia suprir a cerca de 70% dessa demanda. Mesmo se ao invés das nominais fossem contabilizadas somente suas vazões de tratamento, as ETE’s poderiam atender a cerca de duas vezes a demanda total das indústrias elencadas.

Dentre as 728 indústrias identificadas como potenciais consumidoras, destaca-se a demanda de água preponderante para os seguintes setores/tipologias de indústrias: 14-confecções; 22-fabricantes de borracha; fabricantes de produtos de metal; 19-fabricantes de coque, derivados de petróleo e biocombustíveis; e 20-fabricantes de produtos químicos. Os dois últimos, somados, representam 64% da demanda requerida na área de estudo. A tipologia 19-fabricantes de coque, derivados de petróleo e biocombustíveis destaca-se basicamente na área de influência considerada no caso da ETE Sarapuí, em função das demandas estimadas para a REDUC (cerca de 65415 m3/dia). A tipologia 30-Fabricação de outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores também merece destaque, notadamente nas áreas de influência da ETE`s Alegria e Penha.

Em função da grande vazão requerida estimada para as empresas da REDUC, a ETE Sarapuí apresenta como seu ponto forte a maior relação entre vazão disponível e número de indústrias e, como ponto negativo, sua menor vazão de tratamento, quando comparada as maiores ETE’s do bloco (Alegria e Penha). Por outro lado, a ETE Pavuna é aquela que apresenta menor destaque entre todas as ETEs avaliadas: além de possuir a menor vazão de tratamento disponível e a menor vazão requerida por indústrias no seu entorno, apresenta uma baixa relação entre a vazão requerida e número de indústrias. Já a ETE Penha apresenta bons índices sob vários aspectos: a 2ª maior vazão de tratamento, a maior vazão requerida pelas indústrias, além da 2ª melhor relação entre vazão e número de indústrias (ficando atrás somente da ETE Sarapuí, em função da demanda da REDUC). Dispondo da maior capacidade nominal instalada bem como da maior vazão de tratamento entre todas as ETEs avaliadas, a ETE Alegria, porém só fica à frente da ETE Pavuna, tanto no aspecto de vazão requerida pelas indústrias no seu raio de influência como na relação entre vazão e o número dessas indústrias. Pelo fato de já possuir um SPAR que operou durante anos fornecendo águas de reuso para empreiteiras, bem como pela sua proximidade a clusters de empresas como as CDC’s no Caju e a artérias viárias importantes (Av. Brasil, Linha Vermelha), ela também pode ser considerada como possuidora de elevado potencial para implementação do reuso.

De uma maneira geral, considerando por um lado a concentração de grandes vazões e as capacidades nominais instaladas nas quatro ETE’s, e por outro a confiabilidade operacional e boa qualidade característica dos efluentes de seus sistemas de tratamento secundário, é possível inferir a existência de um grande potencial de emprego de água de reuso a partir desses sistemas. Cabe destacar que essa prática (reuso) é mais viável quanto mais próximos estiverem entre si os respectivos fornecedores (ETEs) e consumidores (indústrias), notadamente se utilizado o abastecimento por caminhão pipa. Porém, para grandes vazões de demanda e suprimento de um cluster ou polo industrial, deve ser também avaliada a alternativa de abastecimento por adutora de águas regeneradas, nos moldes do sistema utilizado pelo empreendimento AQUAPOLO em São Paulo.

Através do levantamento e constatação do elevado número de outorgas para uso de recursos hídricos na área de estudo, pode ser ainda identificada a existência de nichos de mercado constituídos por empresas que não são atendidas pelo sistema potável convencional, mas cujas demandas poderiam ser supridas por águas de reuso, gerando novas oportunidades de receita para as concessionárias.

Em virtude da carência de dados mais específicos, as vazões dos potenciais consumidores (empresas) foram estimadas com base em dados de outorga e índices da ANA, não sendo também possível fazer uma diferenciação das diversas tipologias que compõem essas demandas (água de produção/beneficiamento, água para sistemas de geração de vapor ou de arrefecimento, água para lavagem de equipamentos e pisos, entre outras) e que podem ser comuns a indústrias de setores e tipologias distintas.

O inventário e os dados gerados pela presente pesquisa podem ser utilizados como modelo e suporte ao levantamento de fontes alternativas de água por diversos setores industriais bem como para planejamento e gestão de recursos hídricos e saneamento na região metropolitana do Rio de Janeiro. Configura-se também como uma ferramenta de apoio à decisão e de implementação da prática de reuso de águas servidas, que por sua vez caracteriza-se como fonte alternativa e estratégica de abastecimento de água para uso não potável e industrial, especialmente no cenário de escassez e criticidade hídrica vivenciado pela região metropolitana do Rio de Janeiro.

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Recebido: 2 mai. 2021

Aprovado: 5 jul. 2021

DOI: 10.20985/1980-5160.2021.v16n2.1727

Como citar: Obraczka, M., Faria, A.M., Silva Jr, L.C.S., Ohnuma Jr, A.A., Oliveira, K., Muricy, B.C. (2021). Avaliação quantitativa do potencial de reuso industrial a partir dos efluentes de quatro estações de tratamento de esgoto na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Revista S&G 16, 2. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1727