Fluxo de informação na cadeia de abastecimento do foodservice durante o período da pandemia COVID-19

Evellyng Munique Zago dos Santos

evellyng.zago@unesp.br

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, SP, Brasil.

Marcio Presumido Junior

marcio.presumido@unesp.br

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, SP, Brasil.

Eduardo Guilherme Satolo

eduardo.satolo@unesp.br

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, SP, Brasil.

Priscilla Ayleen Bustos Mac-Lean

priscilla.mac-lean@unesp.br

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, SP, Brasil.

Sergio Silva Braga Junior

sergio.braga@unesp.br

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Engenharia, Tupã, SP, Brasil.


RESUMO

Períodos de interrupção de atividades, como a pandemia COVID-19, impactam diretamente diversos setores econômicos, o fluxo de bens, serviços e informações, assim como o abastecimento de suas cadeias. Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar o fluxo de informação na cadeia de abastecimento de pizzarias que atuam em determinado município do interior do estado de São Paulo. Para tanto, realizou-se um estudo de múltiplos casos utilizando abordagem qualitativa exploratória com aplicação de questionários a quatro empresas desse setor. Os dados coletados foram tabulados e demonstraram que essa cadeia de abastecimento sofreu impacto negativo, considerando a comparação entre o período anterior à pandemia e durante a quarentena. Tais empresas mantiveram o funcionamento e a oferta habitual, porém, houve a necessidade de reajuste de preços em seus produtos. Além disso, a gestão de custos e de estoque precisou ser revista, buscando por novos fornecedores e produtos, agilidade na entrega e condições de pagamento mais favoráveis. Como limitação da pesquisa, aponta-se seu caráter qualitativo e a baixa quantidade de entrevistados. Seu valor consiste em colaborar com o conhecimento sobre a gestão informacional em cadeias de suprimentos do foodservice em situações atípicas como a atual crise sanitária mundial.

Palavras-chave: Coronavírus; Gestão da demanda; Gestão de suprimentos; Pizzarias; Relação empresa/fornecedor.


INTRODUÇÃO

Desde o final de 2019, o mundo enfrenta uma crise mundial de saúde: a pandemia de COVID-19 (Souza et al., 2020). Sua disseminação influenciou o abastecimento de diversos setores econômicos e, consequentemente, a produção dos agentes de suas cadeias. As restrições de comércio e logística impactaram tanto os agentes fornecedores de matéria-prima quanto as empresas de produto acabado, já que muitas fábricas foram fechadas ou operaram com menor produtividade (Kumar et al., 2020).

Uma das cadeias mais atingidas foi a de suprimento de serviços, que inclui atividades como logística, turismo e restaurantes em geral (foodservice), a qual apresentou reduções em sua demanda durante a pandemia (Kumar et al., 2020). A cadeia em questão inclui um componente importante – o aspecto humano –, dificultando a padronização dos trabalhos, já que esse fator imprime forte diferenciação. Sendo assim, ela foca seus esforços de eficiência no “gerenciamento de capacidade, flexibilidade de recursos, fluxos de informações, desempenho de serviços e gerenciamento de fluxo de caixa” (Sengupta, 2006, p. 4).

Ocasiões de interrupção de atividades impactam diretamente todas as modalidades de cadeias de abastecimento, influenciando a disponibilidade e o fluxo de bens e serviços, bem como reduzindo os resultados financeiros de seus agentes ao longo da rede (Duong e Chong, 2020).

Diante dessa situação econômica e de saúde pública atípicas, o presente artigo teve como objetivo analisar o fluxo de informação na cadeia de abastecimento de pizzarias que atuam em um município da região da Alta Paulista, interior do estado de São Paulo.

Para melhor compreensão, o artigo foi segmentado da seguinte forma: fundamentação teórica – na segunda seção, tratando a gestão da demanda, relacionamento com os fornecedores e o impacto da pandemia COVID-19 na cadeia de abastecimento. Em seguida, apresenta-se a seção 3 com a metodologia detalhada; a seção 4 elenca os resultados da pesquisa aplicada aos estabelecimentos; a seção 5 apresenta as discussões pertinentes e, por fim, a conclusão da pesquisa é feita na seção 6.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Gestão da demanda

A cadeia de abastecimento integra as relações entre os fornecedores até os consumidores finais em um fluxo de bens, serviços e informações, e sua boa gestão reduz custos, otimiza recursos e gera maior agilidade de entrega ao consumidor. A gestão da demanda ocorre previamente na cadeia de suprimentos e é de suma importância, pois empenha-se em antever a demanda dos clientes e, assim, basear suas decisões de compras e investimentos de maneira que efetivamente atenda seus consumidores (Baltacioglu, 2007).

O gerenciamento da demanda de qualquer tipo de cadeia de abastecimento inclui gestão da previsão de vendas e planejamento e gestão da demanda. Entretanto, a previsão de vendas altera-se conforme o elo em que a empresa está inserida, visto que os agentes intermediários de um produto dependem da demanda das empresas que são os fornecedores dos consumidores finais dessa cadeia. Dessa forma, os consumidores finais ditam a demanda de produtos que flui por toda cadeia de abastecimento (Mentzer et al., 2007; Wang et al., 2015).

A gestão da demanda exige flexibilidade por parte das empresas, já que o ambiente de incertezas é uma realidade: o volume de clientes pode aumentar, a demanda dos pedidos pode ser alterada, as necessidades do tipo de entrega ou a forma de relacionamento com clientes e fornecedores pode precisar ser revista. Toda essa dinâmica acontece no ambiente das cadeias de suprimentos e seus agentes precisam estar preparados com uma gama de possibilidades de reorganização. Portanto, torna-se essencial estar munido de informações para responder com agilidade e atender os clientes de modo satisfatório (Angkiriwang et al., 2014).

A indústria de serviços desenvolveu-se rapidamente nas últimas décadas, tornando-se cada vez mais ampla. Entretanto, as características da cadeia de suprimentos de serviços são essencialmente diferentes da modalidade de cadeia de suprimentos de manufaturas, e, por isso, são necessários estudos voltados às suas especificidades (Baltacioglu, 2007; Choudhury, 2020).

Há uma diferença, ainda, entre as cadeias de suprimentos de serviços e as cadeias de suprimentos de serviços e produtos. A primeira trata apenas de serviços intangíveis, que não têm como objeto de entrega um bem físico ao cliente, como viagens aéreas, serviços médicos ou ensino. Enquanto isso, a segunda categoria aborda serviços intangíveis que se complementam com produtos físicos, como o caso de bares e restaurantes ou os mais variados tipos de varejo (Wang et al., 2015).

Ao tratar de cadeias híbridas com produtos e serviços complementares, o ambiente torna-se complexo, pois considera uma série de modalidade de serviços personalizados junto de produtos com determinada taxa de variação em sua produção. Há um alto volume de pedidos repetidos e idênticos acompanhados de serviços, bem como constância de novos produtos que exigem esforço de aprendizado por parte da equipe. Todas essas particularidades tornam o ambiente emaranhado e dificultam a gestão de sua demanda (Maull et al., 2014).

Segundo Sengupta (2006), a construção de relacionamentos de longo prazo com fornecedores da cadeia de abastecimento proporciona eficiência administrativa e uma relação colaborativa, compartilhando informações relevantes sobre aspectos de gestão de estoques, previsão de demanda, pedidos e planejamento de produção.

Relacionamento entre empresa e fornecedores

Como as empresas não sobrevivem isoladamente, a gestão eficiente de seu relacionamento, bem como a coordenação de informações, gera maior competitividade para encarar os desafios contemporâneos. O relacionamento entre empresas e fornecedores tornou-se mais íntimo, pois os agentes organizacionais utilizam uma abordagem estratégica para a gestão eficaz dessa parceria (Baltacioglu, 2007; Krapfel et al., 1991). Os autores Doyle et al. (2006) complementam afirmando que o setor de restaurantes, bares e varejistas acredita que a gestão com os fornecedores busca alcançar as melhores respostas da cadeia de suprimentos.

De acordo com Hingley et al. (2015), nas últimas décadas, diversas pesquisas acadêmicas na área de gestão da cadeia de suprimentos examinaram as relações colaborativas decorrentes da proximidade entre compradores e fornecedores. Verificou-se que tais interações estavam pautadas em relacionamentos de compromisso e confiança, valores e informações compartilhados, bem como na comunicação eficaz, convertendo-se em relações lucrativas. Forslund (2014) e Hamister (2012) mostraram que a qualidade do nível de desempenho logístico também depende do relacionamento entre os agentes, de modo que essas parcerias se tornem positivas para ambas as partes, definidas na literatura como “fornecedor-chave”, reforçando o nível de colaboração.

Lambert et al. (1996) definiram o gerenciamento de relacionamento com fornecedores-chaves como um convívio familiar entre empresa e fornecedor, de modo que as duas partes compartilham um alto nível de integração nos processos de negócio, além de serem vistas como uma extensão de suas empresas.

Essa visão permite que as firmas alcancem vantagens competitivas por serem ágeis, rápidas, lucrativas e com melhor desempenho, sendo que algumas práticas do fornecedor-chave aumentam o elo entre a cadeia de abastecimento, orientação e eficácia de compra organizacional (Doyle et al., 2006; Forslund, 2014; Miocevic e Crnjak-Karanovic, 2012). Os autores Teller et al. (2012) apontaram a relevância desse método para explicar a execução de fornecimento da cadeia e como melhorar o nível de implementação da Supply Chain Management (SCM) dentro de uma organização.

Conforme Daugherty et al. (2006) e Frankel et al. (2002), há valor estratégico nas boas relações, como também existem alguns desafios a serem enfrentados na gestão desses relacionamentos: (i) escolha errada de parceiros, (ii) dificuldade para adaptar as competências e necessidades encontradas nas empresas, (iii) falta de compreensão das metas propostas e (iv) quando as iniciativas propostas não suprem a necessidade das partes.

Um dos principais critérios analisados entre fornecedores e compradores refere-se à parceria e ao fluxo de informações de comunicação. Assim, torna-se necessária a classificação de fornecedores com o intuito de gerar informações para estabelecer ou implantar uma política de fornecimento. Esse procedimento auxilia na definição de cotas de abastecimento, estabelece atividades de recebimento e define ações para reavaliação de fornecedores. Dessa forma, a classificação final dos parceiros é realizada por meio de seu desempenho e estabelecendo critérios de acordo com cada empresa (Cheng, 2011).

Para que haja um bom gerenciamento, o fluxo de informação deve ser bem tratado, organizado, distribuído e compartilhado tanto internamente quanto externamente aos empreendimentos, gerando vantagem estratégica e competitiva. A gestão de informação eficaz necessita de um conjunto de políticas que permita o acesso a informações relevantes, precisas e de qualidade, distribuídas em tempo hábil, a baixo custo e que tenha acessibilidade (Beal, 2004).

Neste ínterim, a tecnologia tem viabilizado o compartilhamento de informações de forma ágil e descomplicada, permitindo que as cadeias de suprimentos se mantenham constantemente atualizadas e operando em um ambiente massivamente conectado. Tais cadeias tornaram-se cada vez mais dependentes do fluxo de informações pertinentes às suas atividades, bem como dos benefícios desse compartilhamento, como rastreamento mais refinado e preciso, redução de custos e estoques e otimização de sua capacidade (Colicchia et al., 2019).

Apesar de um fluxo de informação satisfatório, situações atípicas e de grandes proporções afetam até mesmo as cadeias de abastecimento mais conectadas. A pandemia de COVID-19 vem exigindo resiliência e novas estratégias para reduzir os impactos nos negócios em diversas áreas e cadeias de todo o mundo.

Impacto da pandemia COVID-19 na cadeia de abastecimento

Um surto de epidemia é um risco que compete ao abastecimento das cadeias, não só localmente, mas de modo global, em situações como a gripe suína, SARS e agora durante a pandemia de COVID-19. Esse fenômeno de grande repercussão caracteriza-se pelo longo período de interrupção, alta incerteza e efeito cascata aos demais agentes da cadeia (Ivanov, 2020).

Em específico, os casos de propagação de epidemias são mais graves, pois ocasionam situações ímpares no mercado: (i) longo período de paralisação e imprevisibilidade de retomada, (ii) desdobramento do efeito ao longo da cadeia de abastecimento e disseminação da doença na população e (iii) interferências na oferta, demanda e logística (Ivanov, 2020). Para enfrentar os desafios desse período, a gestão das organizações deve adotar estratégias para aumentar o consumo de ativos existentes, bem como minimizar custos e estoques. Também é uma ocasião favorável para que as redes de abastecimento se tornem mais digitais, auxiliando no gerenciamento das atividades e promovendo proteção sanitária aos seus usuários (Kumar et al., 2020).

Com o fechamento de bares, restaurantes e hotéis e a orientação para que a população fique em casa, os varejistas de alimentos sentiram crescer repentinamente a pressão sobre a demanda de produtos e sua eficiência. Esses negócios estavam habituados a mudanças sazonais previstas; todavia, a situação da pandemia exigiu agilidade na resposta. Os varejistas, inicialmente, buscaram solucionar atendendo os clientes com racionamento na quantidade de produtos e horários específicos destinados aos grupos de risco. O aumento nos preços dos produtos foi uma consequência resultante da tensão exercida nesse elo da cadeia de abastecimento de alimentos (Hobbs, 2020).

METODOLOGIA DE PESQUISA

Objeto do estudo

Para alcançar o objetivo almejado, realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa de múltiplos casos, em que foram investigadas quatro pizzarias em um município no interior do estado de São Paulo. Essa metodologia demonstra-se relevante por se tratar de pesquisa de um fenômeno recente, em que a relação entre a situação e seu contexto não está esclarecida e, em especial, a análise de casos múltiplos foi escolhida pelo fato de examinar mais de um pesquisado e averiguar suas similaridades e diferenças (Yin, 2001).

Em 2017, a cidade da Alta Paulista registrou o Produto Interno Bruto (PIB) per capita de R$ 32.816,72 e, atualmente, sua população é estimada em 240 mil habitantes (IBGE, 2020). A partir do dia 24 de março, o município em questão acompanhou o decreto estadual que determinou quarentena, fechando o comércio e outras atividades, “exceto serviços essenciais de alimentação, abastecimento, saúde, bancos, limpeza e segurança” (São Paulo, 2020a).

A presente pesquisa teve caráter exploratório, a fim de responder à seguinte problemática: de que forma o período da pandemia tem influenciado na gestão da informação no abastecimento da cadeia do foodservice?

Procedimentos de coleta de dados

A amostra foi selecionada segundo o atendimento aos requisitos de (i) estabelecimentos que permaneceram atendendo durante o período da pandemia e (ii) disponibilidade para participar da pesquisa. Manteve-se o anonimato das empresas estudadas, a fim de proteger suas informações organizacionais e não gerar ônus aos participantes. Foram aplicados questionários semiestruturados (Apêndice) aos proprietários ou administradores das empresas por meio de aplicativos de mensagens ou e-mail.

O período pesquisado compreendeu os acontecimentos dos meses de março a setembro de 2020. Desde o mês de junho, o governo do estado de São Paulo traçou uma estratégia denominada “Plano São Paulo” para a retomada econômica segura durante a pandemia: seguiu-se uma categoria de cinco fases tendo em vista a reabertura gradual das atividades conforme a espécie do estabelecimento (São Paulo, 2020b).

Semanalmente, as regiões e seus municípios compreendidos foram classificados de acordo com os critérios dos órgãos de saúde e retrocediam ou avançavam na flexibilização (São Paulo, 2020b), como é possível verificar na Figura 1.

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Figura 1. Fases de reabertura da quarentena no estado de São Paulo

Fonte: Elaborado a partir de São Paulo, 2020b

Durante o período de registro de dados, as pizzarias estudadas puderam retomar o atendimento presencial (Fases 3 e 4) seguindo diversas restrições, como atendimento em áreas arejadas, redução da capacidade de clientes e do tempo de funcionamento, além de medidas de distanciamento social, uso de máscaras e assepsia do local (São Paulo, 2020b).

Procedimentos de análise de dados

Os dados coletados foram organizados reunindo as respostas de todos os sujeitos a cada pergunta e tabulados via software Microsoft Excel®, resultando em três figuras (3, 4 e 5), que agruparam as informações por categorias. As análises foram feitas observando as similaridades e diferenças entre os pesquisados e comparando suas respostas à luz do referencial teórico estudado.

RESULTADOS

Diante da coleta e organização dos dados, tem-se os resultados e análises do relacionamento entre fornecedores e as quatro pizzarias pesquisadas. Observa-se, inicialmente, as diferenças entre os estabelecimentos pesquisados quanto a sua forma de atendimento convencional (período não pandêmico) na Figura 2.

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Figura 2. Distinções sobre o tipo de atendimento nas pizzarias em período normal

Fonte: Os próprios autores

Durante a pandemia, todos atenderam somente via delivery, contudo, em condições normais, 75% dos pesquisados (pizzaria A, C e D) atuavam de forma presencial; logo, a atipicidade do período ocasionou mudanças nesse quesito a três dos investigados citados. Após a flexibilização das medidas protetivas (Fase 3 - Amarela), os atendimentos presenciais voltaram a acontecer seguindo as determinações restritivas (São Paulo, 2020b).

A Figura 3 ilustra um comparativo entre as similaridades e diferenças dos participantes da pesquisa quanto a sua relação de abastecimento. A primeira análise apresenta a relação de compra antes do período da pandemia, a fim de verificar por meio de qual categoria de fornecedores as compras eram efetuadas (representantes, atacadistas, supermercados, compras direto na indústria, feiras livres ou produtores rurais). Já a segunda análise da Figura 3 corresponde a relação das compras durante o período da pandemia, e é possível encontrar diferenças entre as respostas dos pesquisados (Apêndice).

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Figura 3. Comparativo de relacionamento de compras antes e durante o período da pandemia

Fonte: Os próprios autores

Observa-se, na Figura 3, que no período anterior à pandemia COVID-19, ocorria elevada semelhança na forma de abastecimento entre os pesquisados, já que todos faziam compras diretamente nas indústrias com entregas nos estabelecimentos e complementavam com uma pequena parte das compras presencialmente em atacadistas e supermercados.

Já durante a pandemia, as pizzarias A e C intensificaram suas idas ao supermercado para cotação de preços e manutenção de baixos estoques. A pizzaria C ainda relata que, para manter-se competitiva, redobrou a atenção nas cotações e as visitas aos atacadistas passaram a ser feitas quase diariamente, sendo que alguns produtos específicos foram encontrados a valores inferiores quando comparados à compra direta nas indústrias.

Antagonicamente, a pizzaria B reduziu de forma brusca suas idas a esses estabelecimentos, como medida protetiva à doença, e intensificou a compra com a indústria via aplicativo/e-mail. Já a pizzaria D manteve seu relacionamento de compras; todavia, relatou dificuldade na aquisição de alguns produtos, como a embalagem de pizzas e limitação de compras nos supermercados.

A Figura 4 confronta o relacionamento dos fornecedores e pizzarias entrevistadas antes e durante o período atípico da pandemia.

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Figura 4. Comparativo de relacionamento com os fornecedores antes e durante o período da pandemia

Fonte: Os próprios autores

Na Figura 4, é possível constatar expressiva mudança na relação de abastecimento dos agentes. No período anterior à pandemia, todos os entrevistados afirmaram ter um bom relacionamento de compras com seus fornecedores, seguindo até um consumo semanal pré-determinado com os agentes, como era o caso da pizzaria C. Enquanto isso, a pizzaria B considera que o contato presencial os aproximava de seus fornecedores, facilitando a negociação. A pizzaria A relatou a satisfação com o prazo de pagamento proporcionado pelas empresas fornecedoras e a pizzaria D ressalta a qualidade dos produtos e a logística satisfatória.

Quando questionados sobre o atual cenário, os sujeitos declararam que estão sendo tomadas as medidas em prevenção à COVID-19 em ocasiões de relacionamento presencial com os fornecedores e no momento das entregas. Em relação aos cuidados, todas as pizzarias seguem a Lei nº. 14.019/20 (BRASIL, 2020), que dispõe sobre o uso obrigatório de máscaras de proteção facial e assepsia do local como medida de enfrentamento à pandemia.

A pizzaria A relata que no período pandêmico teve dificuldade no pagamento aos fornecedores e que, em função disso, alguns deles descontinuaram a parceria. Enquanto isso, a pizzaria B mantém sua opinião de dificuldade de negociação diante do relacionamento distante fisicamente, ao passo que a pizzaria C considera que o contato frequente via aplicativo de mensagens aproximou os agentes nesse período e aumentou sua gama de fornecedores. A pizzaria D manteve seu relacionamento com seus fornecedores, resguardando-se com as medidas indicadas para prevenção.

A Figura 5 retrata a situação de suprimento durante a pandemia quanto ao principal desafio enfrentado: a repercussão da crise sanitária no abastecimento desses negócios, assim como a oferta de produtos atual comparada ao cardápio oferecido antes do surto de COVID-19.

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Figura 5. Cenário atual quanto ao abastecimento e oferta de produtos aos clientes finais durante a pandemia de COVID-19

Fonte: Os próprios autores

Depreende-se da Figura 5 algumas diferenças específicas na relação de abastecimento. A pizzaria A precisou administrar o equilíbrio entre o estoque de segurança e a quantidade de matéria-prima disponível para operação, pois seu maior impasse foi referente ao fluxo de caixa. Já a pizzaria B aponta como desafiadora a questão do aumento dos preços dos insumos, que impactaram na margem de lucro de seu produto. O fechamento dos estabelecimentos para atendimento presencial ocasionou a redução do faturamento e dificultou a manutenção da equipe de funcionários de dois dos entrevistados, as pizzarias C e D.

Há similaridade de respostas sobre mudanças no suprimento desses estabelecimentos. O aumento dos preços da matéria-prima foi citado por todos os entrevistados, atingindo diretamente o valor final de venda de seus produtos. Além disso, a condição de pagamento ao fornecedor foi alterada – determinados itens que poderiam ser pagos de forma parcelada à indústria passaram ao pagamento à vista no atacadista.

A pizzaria A exemplificou que principalmente a muçarela, que é seu produto com maior consumo, ocasionou o aumento de até 40% do Custo de Mercadoria Vendida (CMV) de algumas pizzas. O recebimento dos produtos também foi apontado pelas pizzarias B e C como um dos fatores adversos durante esse período, assim como a limitação de compra nos supermercados e atacadistas, fator citado por todos os entrevistados.

Em unanimidade, os entrevistados alegaram que seus cardápios não foram afetados; no entanto, reafirmaram o substancial aumento de preços de suas matérias-primas, o inevitável repasse aos seus consumidores e um esforço extra na gestão de estoques e de compras.

DISCUSSÕES

Os resultados corroboram com a visão de Ivanov (2020) sobre os períodos de interrupção caracterizados por eventos de grande repercussão, como o momento atual da crise pandêmica de COVID-19: longa paralisação, desdobramento na cadeia e, sobretudo, interferências na oferta, demanda e logística – todas essas situações foram mencionadas pelas pizzarias respondentes.

Como indicado por Kumar et al. (2020), identificou-se entre os pesquisados medidas visando minimizar os estoques, manter seus ativos, impactar da menor forma possível o fluxo de caixa e evitar desperdícios. Todas essas ações foram providenciadas para uma gestão eficiente neste período de crise, incluindo mecanismos digitais apontados pelos entrevistados. Alguns passaram a adotar maior frequência de pedidos via aplicativos de mensagens, site e e-mail, a fim de promover comodidade e proteção sanitária aos usuários.

Entretanto, nem todos os estabelecimentos demonstraram-se satisfeitos com o distanciamento físico de seus fornecedores, indicando que o relacionamento personalizado e presencial é relevante em sua gestão de abastecimento. Lambert et al. (1996) embasam essa visão quando afirmam que o relacionamento estreito entre fornecedor e cliente torna o ambiente mais familiar e propício a negociações.

Para um dos entrevistados (pizzaria C), as informações de compras eram realizadas de forma pré-determinada, seguindo um padrão de fornecimento com poucas alterações de quantidade. Essa parceria entre o estabelecimento e o fornecedor era reforçada pela relação de confiança entre os agentes, dado seu longo tempo de relacionamento, como demonstrado também por Lambert et al. (1996).

A maioria dos estabelecimentos (pizzarias A, C e D) precisaram tomar medidas de redução de custos, pesquisando em vários fornecedores, até mesmo de forma presencial, em varejistas e atacadistas. Embora essa providência contribua para uma gestão de custos mais eficiente, ela deve ser executada com cautela, mantendo sempre as medidas protetivas para a preservação de clientes, funcionários e até mesmo dos próprios compradores.

Por fim, apesar do aumento das cotações e a busca por alternativas para redução de custos, os preços de seus produtos finais aumentaram. Hobbs (2020) embasou o aumento de preços dos varejistas justificando a pressão na demanda desses agentes. Mesmo com essa situação, um dos entrevistados relata que os preços dos varejistas e atacadistas em determinados produtos específicos estiveram mais baixos quando comparados à compra direto na indústria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise dos questionários aplicados à essa amostra do foodservice, os resultados concluem que a cadeia em questão foi altamente impactada pela pandemia de COVID-19 a respeito da sua relação de abastecimento. A partir das considerações, constata-se que o artigo atingiu seu objetivo de analisar o fluxo de informação na cadeia de abastecimento de pizzarias do município estudado.

Diante das respostas dos proprietários e administradores, traçou-se uma breve comparação entre o período anterior e o decorrer da pandemia. As informações de demanda, preço, fornecimento e logística estiveram instáveis e em constante transformação. Esse novo modelo de administração exigiu esforço adicional para que as pizzarias mantivessem seus negócios em funcionamento e a qualidade de seus produtos. Verifica-se que alguns agentes consideram esse momento atípico sob uma ótica positivista, em que suas empresas encontraram novos produtos e parcerias interessantes. Em contrapartida, outras firmas ainda não consideram vantajosa a dinamicidade decorrente da pandemia e sobressaltam as dificuldades vivenciadas.

Constata-se que tal situação recompensou esses agentes com aprendizado extra e resiliência na gestão de seus negócios, já que suas empresas foram forçadas a constantes inovações e instrumentos digitais para enfrentar os desafios impostos. A pesquisa sugere que quanto mais informada e até mesmo digitalizada essa cadeia estiver, maior a agilidade de resposta em momentos extraordinários como esse.

Este artigo considera algumas limitações decorrentes de sua abordagem qualitativa com um número reduzido de entrevistados, ao passo que uma pesquisa quantitativa por amostragem resultaria em dados mais amplos e próximos da realidade dessa cadeia de abastecimento. Como sugestão, outras pesquisas podem investigar a cadeia do foodservice após o período da pandemia para averiguar se o fluxo de informação sofreu alteração em sua gestão de abastecimento diante dos aprendizados da crise de COVID-19.

REFERÊNCIAS

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APÊNDICE - QUESTIONÁRIO APLICADO AOS GESTORES DAS PIZZARIAS

  1. Como eram feitas as compras antes do período da pandemia?

  2. Como estão sendo feitas as compras durante o período da pandemia?

  3. Como era o relacionamento com os fornecedores antes da pandemia?

  4. Como está o relacionamento agora? Quais as medidas de prevenção ao coronavírus entre fornecedor e empresa foram adotadas?

  5. Qual foi o principal desafio de abastecimento da pizzaria durante o período da pandemia?

  6. Houve mudança no abastecimento da pizzaria?

  7. O abastecimento influenciou a oferta de produtos aos clientes finais?


Recebido: 20 abr. 2021.

Aprovado: 5 jul. 2021.

DOI: 10.20985/1980-5160.2021.v16n2.1719

Como citar: Santos, E.M.Z., Presumido Junior, M., Satolo, E.G., Mac-Lean, P.A.B., Braga Junior, S.S. (2021). Fluxo de informação na cadeia de abastecimento do foodservice durante o período da pandemia COVID-19. Revista S&G 16, 2. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1719