A análise de falhas de um veículo off-road de competições universitárias do programa SAE Brasil: um estudo do sistema de suspensão utilizando as técnicas de análise do modo e efeito de falhas e de árvore de falhas

Ricardo França Santos

r_frana@yahoo.com.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Macaé, RJ, Brasil.

Isabella Arlochi de Oliveira

isabellaarlochi@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Macaé, RJ, Brasil.

Luciane Caroline de Souza Ferreira

carolsf.96@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Macaé, RJ, Brasil.

Erick Perassoli da Silva

erickperassoli@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Macaé, RJ, Brasil.

Felipe Amorim Soares Macedo

felipesamac@gmail.com

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Macaé, RJ, Brasil.


RESUMO

Destaques: A FTA é uma técnica de confiabilidade que tem como objetivo identificar todas as combinações de causas que podem dar origem a um evento indesejado; estudar a probabilidade de ocorrência dessas causas e priorizar ações que visam impedir que essas causas ocorram e resultem no evento indesejado. A utilização do método possibilita a análise da confiabilidade de sistemas e também a construção da relação de causa−efeito de seus eventos, criando uma interface com a ferramenta FMEA. A FMEA é uma ferramenta de confiabilidade utilizada para encontrar possíveis falhas em um sistema, além de permitir a avaliação de suas possíveis consequências. Estes métodos e técnicas visam melhorar a confiabilidade de produtos ou processos, ou seja, aumentar a probabilidade de um item desempenhar sua função sem falhas. Objetivo: Analisar as falhas do sistema de suspensão de um veículo off-road de competição SAE utilizando as técnicas de análise do modo e efeito de falhas (FMEA) e de árvore de falhas (FTA), visando à melhoria da performance desses veículos em competições futuras. Desenho/Metodologia/Abordagem: Partiu-se pela definição do sistema de suspensão como objeto de estudo pelos pesquisadores junto à equipe de competição, seguido da coleta de informações e dados de falha deste sistema. Em seguida, foram utilizadas as ferramentas FMEA e FTA em paralelo a entrevistas realizadas com a equipe de competição. Resultados: Por meio da análise dos resultados constatou-se que as duas maiores probabilidades de falha estão relacionadas à suspensão e à manga do eixo com valores de 38,8% e 20,5%, respectivamente, e que o terminal rotular é o elemento mais crítico. Limitações da investigação: Ressalta-se como limitações desta pesquisa a subjetividade na atribuição de notas da FMEA devido à pouca experiência da equipe e ao reduzido histórico de documentação dos dados acerca de falhas do veículo relativas à dinâmica das competições da SAE. Implicações práticas: Como implicações práticas deste estudo vislumbra-se a possibilidade do aprimoramento profissional dos estudantes de engenharia pertencentes à equipe de competição. Originalidade/valor: Na busca na literatura verificou-se que o tema da pesquisa é original e, ao mesmo tempo, desafiador. Seus resultados permitirão reavaliar o projeto de construção do veículo Baja de competição.

Palavras-chave: FMEA; FTA, Programa Baja SAE Brasil; Sistema de Suspensão.


INTRODUÇÃO

Há muito tempo se fala da contribuição de pesquisas aplicadas em projetos de manutenção. Contudo, grande parte destas pesquisas não comprova a aplicação dos conhecimentos adquiridos pelos alunos dos cursos de engenharia em suas trajetórias curriculares.

Por meio do Programa Baja SAE BRASIL, os estudantes de engenharia têm a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos nos bancos escolares com o propósito de incrementar seus currículos visando a preparação para o mercado de trabalho. Neste programa os alunos se envolvem no projeto de desenvolvimento de veículos Baja para competição off-road, participando de todo o seu ciclo, ou seja, concepção, projeto, construção e testes. Por meio do trabalho em equipe os alunos participam de competições regionais para avaliação comparativa de seus projetos (SAE Brasil, 2020).

Nas competições fórmula SAE o projeto de suspensão do veículo é fundamental para o seu alto desempenho, visando assegurar a sua estabilidade, absorver as irregularidades do terreno compensando as cargas no sistema (Cabral et al., 2019). Não obstante, nas competições SAE com veículos off-road se verifica a relevância ainda maior do sistema de suspensão para o piloto durante a competição.

A evolução constante no nível de qualidade e confiabilidade dos produtos e a alta competitividade das indústrias automobilísticas têm fomentado vários métodos e técnicas para a minimização e eliminação de falhas. Estes métodos e técnicas visam melhorar a confiabilidade de produtos ou processos, ou seja, aumentar a probabilidade de um item desempenhar a sua função sem falhas (Almeida e Fagundes, 2005).

Uma dessas ferramentas é a Análise dos Modos e Efeitos de Falhas (Failure Mode Effect and Analysis - FMEA), e sua principal vantagem é a capacidade de prever problemas e preveni-los antes que ocorram. Esse método apresenta vantagens como a diminuição de custo, o aumento da confiabilidade de produtos, a implementação de melhorias baseadas em dados, a catalogação das informações sobre as falhas, bem como para sua documentação, de suas causas e da obtenção de um número de prioridade de risco para cada falha (IQA, 2008).

Além disso, outra ferramenta muito utilizada é a Árvore de Falhas (Fault Tree Analysis - FTA), que trabalha a partir de uma falha a fim de encontrar as possíveis causas de um problema. De acordo com Lima et al. (2006), com essa técnica é possível detalhar cada falha e suas origens, deixando o FMEA mais assertivo.

Assim, essas ferramentas podem ser utilizadas tanto em grandes projetos na indústria quanto em contextos de menor escala, como é o caso de competições universitárias criadas pela Society of Automotive Engineers (SAE), tais como o Baja e a fórmula SAE.

Atualmente, os critérios de avaliação da competição são compostos por diversas provas, como inspeção de segurança, avaliação de projeto, provas dinâmicas e o enduro de resistência. Essas provas avaliam todo o desenvolvimento do projeto e expõem o protótipo desenvolvido sob condições extremas de trabalho.

Desse modo, considerando os resultados mais assertivos obtidos com o uso integrado das ferramentas citadas, este estudo tem como objetivo geral analisar as falhas do sistema de suspensão de um veículo off-road de competição universitária utilizando a FMEA e a FTA. Como objetivos mais específicos, espera-se identificar as principais falhas dos componentes do sistema, seus efeitos e encontrar as possíveis causas das falhas, visando à melhoria da performance desses veículos em competições futuras.

REFERENCIAL TEÓRICO

Análise do modo de falhas e seus efeitos (FMEA)

A FMEA é uma ferramenta de confiabilidade utilizada para encontrar possíveis falhas em um sistema, além de permitir a avaliação de suas possíveis consequências (Hawkins e Woollons, 1998).

De acordo com Liu et al. (2013), essa técnica foi utilizada inicialmente na indústria aeroespacial na década de 1960, a fim de reduzir ou eliminar riscos encontrados em um sistema, processo ou projeto. Mostrou-se uma ferramenta útil na avaliação de prováveis falhas e prevenção de sua ocorrência, e sua utilização foi estendida a outras indústrias, tais como a nuclear, automotiva, eletrônica e química.

A FMEA possui como objetivos principais: identificar e analisar possíveis falhas de um determinado produto ou processo, apontar ações que permitam extinguir ou, ao menos, mitigar o surgimento dessas falhas e, então, documentar os procedimentos a fim de facilitar revisões e melhorias (Fogliatto e Ribeiro, 2009).

Para realizar a análise é preciso formar um grupo de pessoas capazes de identificar as funções do produto ou processo, os tipos de falha que podem ocorrer, os efeitos e as possíveis causas desta falha. Assim, os riscos de cada causa de falha são mensurados por meio de índices e, a partir desta avaliação, são planejadas ações necessárias para minimizá-los, visando ao aumento da confiabilidade do produto/processo (Rozenfeld et al., 2006).

Fogliatto e Ribeiro (2009) sugerem um formulário para acompanhar a FMEA contendo os seguintes campos:

a) Cabeçalho – Em geral, contém informações necessárias à identificação do formulário, por exemplo, o número da FMEA, a identificação do processo, o departamento responsável, os dados do coordenador do estudo, os dados dos participantes e a data do documento;

b) Item/Função – Contém uma breve descrição da operação analisada e seu propósito ou requisito a ser atendido. Nessa etapa são descritos os itens em análise e suas funções;

c) Modos potenciais de falha – Descreve-se as possíveis não-conformidades associadas ao objeto em estudo. É importante que se liste todos os modos potenciais de falha pertinentes a cada operação;

d) Efeitos potenciais de falha – Define-se os defeitos que ocorreram devido aos modos de falha;

e) Severidade (S) – Realiza-se uma avaliação qualitativa da severidade do efeito anteriormente listado em termos do impacto que o efeito do modo potencial causa ao sistema. A severidade é medida por uma escala de 1 a 10, sendo 1 um efeito pouco severo, enquanto 10 significa efeito muito severo;

f) Classificação – Utiliza-se este campo não obrigatório para classificar qualquer característica da operação que precise de controle especial;

g) Causas/Mecanismos potenciais de falha – Define-se uma deficiência no processo que gera o modo de falha. É importante listar as causas ou mecanismos de forma bem clara e completa para facilitar os esforços de correção ou melhoria do processo;

h) Ocorrência (O) – Relaciona-se à probabilidade que uma causa/mecanismo já listado venha a acontecer. Caso dados referentes à taxa de falha ou índices de capabilidade captados estatisticamente em itens ou processos similares não estejam disponíveis, é preciso fazer uma análise mais subjetiva, classificando a probabilidade de ocorrência em uma faixa de 1 a 10, sendo que o quão mais próximo de 10, mais alta é a ocorrência daquela causa;

i) Controle de prevenção e detecção – Deve-se listar os controles incorporados ao processo que podem impedir ou detectar a causa das falhas listadas;

j) Detecção (D) – Assume-se que o modo de falha ocorreu e então se verifica a capacidade dos controles atuais em realizar a detecção. Essa detecção é classificada por meio de uma escala de 1 a 10, sendo 1 probabilidade muito alta que a falha seja detectada e 10 muito baixa;

k) Risco (R) – Calcula-se o risco a fim de priorizar as ações de correção e melhoria do processo, levando em consideração o produto da severidade, da ocorrência e da detecção;

l) Ações recomendadas – Após a priorização dos modos de falha pelo cálculo do risco, propõe-se ações de melhoria para aos itens com maior risco.

O formulário FMEA é um documento vivo, isto é, mesmo após finalizado, necessita de revisões sempre que houver alterações no produto ou processo em questão. Em consonância com a Análise da Árvore de Falhas, essa é a única técnica de confiabilidade citada nas normas ISO 9000 e, em particular, na ISO 9004 (Lima et al., 2006).

Jawagar Shrehari e Raagul Srinivasan (2016) propuseram um estudo com FMEA como oportunidade para que estudantes avaliem nas competições SAE uma forma de melhoria de processos para a confiabilidade na indústria automobilística. Devido à habilidade em examinar sistemas em nível de componentes, esta técnica aponta potenciais falhas que podem ser rapidamente identificadas e avaliadas utilizando um processo sistemático com riscos associados. A priorização das falhas em função dos defeitos causados são avaliados dentro de um processo de priorização de riscos calculado em função da severidade, ocorrência e detecção.

Utilizando um FMEA de projeto (DFMEA) para avaliar os riscos de um karte de competição (go-kart), esses autores encontraram como um potencial modo de falha para o sistema de suspensão a inapropriada seleção da suspensão. Isto poderia gerar como consequências em um efeito potencial de falha o total colapso e a vibração no veículo, o que provavelmente teria como causa potencial a montagem inapropriada. Como um modo de detecção, poderia haver um processo de controle mediante a análise de distribuição de cargas no sistema de suspensão (Shrehari e Srinivasan, 2016).

Análise da árvore de falhas (FTA)

O conceito foi desenvolvido por H. A. Watson, por volta de 1960, a fim de avaliar a segurança no ramo da engenharia aeroespacial. Algum tempo depois, começou a ser utilizado em outros setores da indústria com a finalidade de reduzir as falhas e problemas que apareciam em alguns equipamentos e processos (Helman e Andery, 1995).

A FTA é uma técnica de confiabilidade que tem como objetivos: identificar todas as combinações de causas que podem dar origem a um evento indesejado, que fica alocado no topo da árvore de falha; estudar a probabilidade de ocorrência dessas causas e, dessa forma, estudar a probabilidade do evento de topo; priorizar ações que visam impedir que essas causas ocorram e resultem no evento indesejado (Fogliatto e Ribeiro, 2009).

Nesse aspecto é considerado um método de análise de falhas do tipo top-down, em que a análise tem como ponto de partida um evento indesejado, seja uma falha ou um mau funcionamento, chamado apropriadamente de evento de topo. Deste evento são definidos todos os meios para sua ocorrência. Sendo assim, pode-se dizer que a partir de um evento de topo são estabelecidos os eventos de níveis inferiores que são, sozinhos ou combinados, os geradores do efeito indesejado (Rozenfeld et al., 2006).

A utilização do método possibilita a análise da confiabilidade de sistemas e também a construção da relação de causa−efeito de seus eventos, criando uma interface com a ferramenta FMEA (Sakurada, 2001).

Durante a estruturação da árvore de falhas, utiliza uma simbologia específica, conforme apresentado na Figura 1.

F

Na Figura 2 são apresentados os eventos na árvore de falha que podem ser de 5 tipos, e na Figura 3 são exibidos os operadores lógicos para a estruturação da árvore.

F

F

Após realizar a estruturação do FTA os dados básicos de falha são agrupados a cada evento básico. Assim, deve-se calcular a probabilidade de ocorrência de cada um dos eventos resultantes P(E_i), sendo os casos mais comuns correspondentes às portas lógicas E e OU. Segundo Fogliato e Duarte (2011), as probabilidades de ocorrência de cada evento são calculadas de modo distinto, considerando o tipo de conector boleano representado:

F

A partir da probabilidade de ocorrência de todos os eventos da árvore, encontra-se a criticidade das causas básicas, que pode ser calculada pelo produto da probabilidade de ocorrência da causa básica pela probabilidade condicional de ocorrência do evento de topo, dado que aquela causa básica tenha ocorrido (Fogliatto e Ribeiro, 2009), conforme demonstrado pelo produtório:

F

Dessa forma, é possível identificar os componentes mais críticos e assim pensar em ações que poderão levar à correção ou melhoria.

Na literatura foram encontrados alguns estudos com aplicação de FMEA e FTA em sistemas powertrain de veículos autônomos e veículos elétricos, mas não foi encontrado especificamente em veículos de competição tripulado e sem aplicação militar (Haq et al., 2015; Sedano et al., 2013; Ferencey, 2011).

Ali Babaja UFRJ Macaé

Fundada no ano de 2014 pelos alunos dos cursos da engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (campus Macaé), a Equipe Ali Babaja tem como objetivo projetar e construir um veículo off-road de alta performance para a competição conforme o Programa Baja regido pela Society of Automotive Engineers - SAE. Neste evento, os estudantes de engenharia são desafiados a desenvolver um protótipo, incluindo concepção, projeto detalhado, construção e testes. As competições ocorrem anualmente por meio de etapas nacionais e regionais, promovendo uma avaliação comparativa entre os projetos de cada equipe.

Ao longo de sua trajetória, a equipe construiu dois veículos, conhecidos como Camelo I e Camelo II. O primeiro foi fabricado em 2014 e, na 22ª Competição BAJA SAE Brasil no ano de 2015, a equipe foi premiada com o título de Equipe Fair Play. No ano seguinte, ainda com o mesmo veículo, conquistou o 1° lugar da prova de tração, também na etapa nacional.

Em 2017 se iniciou a temporada do Camelo II, construído na sede de empresas parceiras e nos locais de competição, o que comprometeu a qualidade técnica e, consequentemente, os resultados da equipe. Ainda assim, o Camelo II participou de 2 etapas nacionais e 1 etapa regional. A Figura 4 mostra o veículo Camelo II. Em 2019, o time se dedicou ao desenvolvimento do Camelo III.

F

Regulamento Administrativo e Técnico Baja SAE Brasil

De acordo com o regulamento administrativo e técnico do programa Baja SAE Brasil, há uma divisão deste normativo em regulamento administrativo, regulamento técnico e regulamento de competição. No item C4.8.2.3 deste documento há o incentivo para utilização da análise de modos e efeitos de falha (FMEA) para avaliação do projeto, e a partir dos resultados da análise e testes deve ser realizada uma reavaliação para desenvolvimento de alternativas do projeto.

No item C4.8.4.2 há como diretriz que a equipe quantifique o desempenho da suspensão e impacto geral no projeto e no item 5.7 do regulamento, que aborda a suspensão, menciona que durante um percurso traçado sinuoso e com obstáculos na prova será testada a capacidade de manobras e tração do veículo. A seguir serão apresentadas as funcionalidades dos sistemas powertrain e de suspensão de um veículo SAE.

Sistema de Suspensão

O sistema de suspensão de um veículo SAE é responsável pelo isolamento de vibrações do chassis, permitindo a estabilidade e o conforto do piloto na competição. Ela é composta por um sistema de molas, amortecedores e articulações que permite o movimento relativo entre o veículo e a roda (Cabral et al., 2019).

Sistema Powertrain

Como forma de detalhar outros componentes que interagem com o sistema de suspensão, serão apresentadas algumas definições:

a) Motor: É o componente do trem de força do veículo, responsável por gerar a potência que será transmitida às rodas através do sistema de transmissão;

b) Transmissão continuamente variada (CVT): É um sistema de transmissão que possui infinitos escalonamentos dentro de sua faixa de operação. Consiste em uma polia motora, que é atrelada à fonte de potência, e uma polia movida, que é a saída de potência para a próxima etapa de redução. Essas duas polias são conectadas a uma correia trapezoidal especialmente desenvolvida para tal aplicação (Caser; Seraphim, 2014);

c) Caixa de redução: Tem como principal objetivo a ampliação do torque para o eixo de tração do carro (Vidal et al., 2017);

d) Pneus: São os componentes responsáveis por gerar aderência ao controle do automóvel e, em união com as rodas, conferem movimento ao carro, reduzindo o deslizamento (Cordeiro, 2014).

Sistema de amortecimento

O sistema de amortecimento é o principal responsável pela estabilidade do veículo. Seu objetivo é absorver, por meio dos seus componentes, todas as irregularidades do solo, dissipando a energia mecânica sob forma de calor, ruído e atrito viscoso. Também é o encarregado de manter as quatro rodas no chão e auxiliar no desempenho do automóvel. É o amortecimento que garante a integridade da estrutura do carro.

Componentes do Sistema de Suspensão

Entre os principais componentes do sistema de suspensão temos o cubo de roda, a manga de eixo, a bandeja e o sistema de amortecimento. Como forma de esclarecer as funcionalidades de cada um desses componentes são exibidas as seguintes definições:

a) Cubo de Roda: Componente responsável por se acoplar à roda e servir de suporte ao disco de freio.

b) Manga de Eixo: Componente responsável por fixar todos os componentes da suspensão como, por exemplo, os cubos de roda, os braços da suspensão e a barra de direção.

c) Bandeja: É a primeiro a receber o choque de um impacto sofrido pela suspensão, já que faz a ligação roda/chassi. Tal componente desempenha várias funções, que estão diretamente relacionadas à segurança e à estabilidade do veículo. Em função disso, um problema nesse componente pode levar à perda de controle do veículo.

d) Sistema de amortecimento: Sua função principal é dissipar a energia mecânica visando melhorar a dirigibilidade e diminuir o contato do veículo com o solo, aumentando a segurança e o conforto do piloto.

A Figura 5 apresenta um layout do sistema de suspensão e direção do veículo Camelo II.

F

METODOLOGIA

Este trabalho tem uma abordagem descritiva e quantitativa e será complementado por meio de um estudo de caso realizado no veículo off-road projetado e construído pela equipe Ali Babaja UFRJ Macaé.

Para a sua execução foram consideradas as seguintes etapas:

a) Definição do sistema a ser analisado: O sistema escolhido como objeto de estudo foi o de suspensão, cujos componentes foram supracitados;

b) Coleta de informações sobre o sistema e dados de falha: Por meio de entrevistas com os membros da equipe Ali Babaja UFRJ Macaé foram coletadas as informações necessárias para implementação das ferramentas de confiabilidade e manutenção;

c) Implementação das ferramentas: Optou-se por utilizar as ferramentas FMEA e FTA para analisar as informações coletadas. Dessa forma, realizou-se a análise detalhada do sistema, buscando compreender suas características e suas inter-relações. Em seguida, foi realizado um esboço das versões iniciais;

d) Revisão das ferramentas: Após o esboço do formulário e da árvore de falha, foram realizadas revisões durante outra entrevista com a equipe a fim de ratificar o que feito e só assim realizados os respectivos cálculos;

e) Análise dos resultados: Analisou-se os resultados e foram encontradas oportunidades de melhorias para a equipe.

RESULTADOS

Após realizadas as reuniões com a equipe, foram coletados os dados das falhas de cada componente do sistema e assim foram realizados os cálculos para as taxas de falha:

FTA

Foi montada uma árvore de falhas para o sistema de suspensão, como pode ser visto na Figura 6.

F

Com as taxas de falha e o auxílio da FTA foi calculada a probabilidade de o sistema de suspensão falhar e, com isso, o carro deixar de funcionar.

F

Após calcular a probabilidade de falha do sistema, pode-se avaliar a criticidade de cada componente:

F

Assim, por meio da FTA e dos resultados acima expostos, conclui-se que o componente mais crítico e, portanto, mais importante é o terminal rotular, seguido do parafuso de ancoragem, bandeja e vedação do fluido (com mesmo valor de criticidade), eixo e, finalmente, os parafusos prisioneiros.

Ademais, destaca-se que a criticidade do terminal rotular é 1,16 vezes maior que a do parafuso de ancoragem, 3,5 vezes maior que a da bandeja e vedação do fluido, 7 vezes maior que a do eixo e 114420 vezes maior que a dos parafusos prisioneiros. Desse modo, esse levantamento demonstra que se deve ter um cuidado maior com o terminal rotular e com o parafuso de ancoragem.

FMEA

Foi realizada uma reunião para discutir e elaborar um relatório com os seus modos de falha e causas e efeitos, obtendo, dessa forma, as severidades, ocorrências e detecções junto à equipe do Baja. Foi realizado o cálculo da severidade para cada falha. Nesse aspecto, em consenso com a equipe, definiu-se o valor de 50 como o mínimo requerido para priorizar os modos de falha que requerem uma intervenção. Assim, foi elaborado um plano de ação, conforme apresentado na Figura 7.

F

Pelos resultados do FMEA, deve-se analisar cada cenário e os motivos em que ocorre cada falha e, dessa forma, avaliar uma ação dado o risco intrínseco correspondente. Para valores de risco altos, uma manutenção preditiva é sugerida, pois é necessário um acompanhamento constante. Para os riscos mais próximos do risco mínimo, a equipe sugere uma manutenção periódica e observar as sugestões para diminuir a probabilidade de falha.

Durante a elaboração do FMEA, os integrantes da equipe de competição se reuniram com os integrantes da equipe de pesquisa para fazer a avaliação qualitativa da severidade, da avaliação da ocorrência e da estimativa da habilidade de detecção pelos controles atuais da equipe de manutenção. O Quadro 1 apresenta a escala utilizada para a avaliação da severidade no processo.

F

Para avaliação da ocorrência da causa de falha no processo foi utilizada a escala representada no Quadro 2.

F

Durante a avaliação da detecção pelos controles atuais, a equipe de manutenção utilizou a escala apresentada no Quadro 3.

F

Os riscos de falha de cada componente se encontram descritos na Figura 8. Foi estabelecido como linha de corte os valores que tiveram riscos superiores a 50. Por essa linha de corte somente os riscos relacionados ao parafuso prisioneiro e ao amortecedor estariam fora do escopo do plano de riscos neste momento do projeto até a próxima avaliação.

Observa-se que os riscos relacionados ao eixo e ao parafuso de ancoragem apresentam seu valor global calculados idênticos, contudo, o risco relacionado ao eixo foi avaliado sob o ponto de vista da ocorrência em mais do que o dobro do risco relacionado ao parafuso de ancoragem, portanto, este primeiro é prioritário.

F

Considerando a subjetividade do processo em relação ao rigor da avaliação de severidade, da ocorrência e da detecção, elaborou-se uma análise de Pareto conforme apresentado na Tabela 1.

F

Por meio da análise de Pareto constata-se que os riscos atinentes ao terminal rotular, ao parafuso de ancoragem e ao eixo são prioritários em tratamento em relação aos demais componentes. O parafuso de ancoragem 2, por se situar com uma frequência relativa acumulada próxima de 80%, pode ser incluído no rol de componentes que deverão ter prioridade no processo de aplicação das ações recomendadas.

Não obstante, cabe ressaltar que tanto no processo de análise dos riscos por meio do risco calculado no FMEA quanto no processo realizado por meio da análise de Pareto houve discordância apenas no componente da bandeja. Neste caso, optamos por incluir a bandeja nos componentes sensíveis ao processo de avaliação de risco.

CONCLUSÃO

Por meio da FTA foi possível identificar a combinação de falha nos componentes que leva à falha do sistema, e ainda calcular a sua probabilidade nos seguintes subsistemas: cubo de roda, bandeja de suspensão, manga do eixo, amortecimento e suspensão. As duas maiores probabilidades de falha estão relacionadas à suspensão e à manga do eixo, com valores de 38,8% e 20,5%, respectivamente. A partir desses dados, a criticidade de cada componente básico foi calculada, tendo como resultado que o terminal rotular é o elemento mais crítico, seguido do parafuso de ancoragem.

Pela análise da FMEA foi possível obter uma visão geral das causas de falha no sistema de suspensão do veículo Baja. Observou-se que o elemento que apresenta maior risco ao sistema é a falha do terminal rotular devido à sobrecarga do carro durante o percurso, ocasião em que o piloto demanda do veículo mais do que ele pode oferecer. Apesar de esta falha não apresentar uma severidade tão alta, sua ocorrência e a dificuldade na detecção fizeram o risco ter um valor elevado. Como recomendação, é proposto que o piloto realize treinamentos visando conhecer os limites do carro e que se estude uma maneira de viabilizar a não ultrapassagem desse marco.

O segundo maior risco também está atrelado ao terminal rotular, mas neste caso, a falha ocorre devido ao erro de dimensionamento. Ele é seguido do parafuso de ancoragem também falhando por erro de dimensionamento e do eixo, que apresentam o mesmo risco. Como recomendação, foi sugerido o acompanhamento de simulações dos esforços realizadas por meio de um software para assegurar que os resultados encontrados estariam pertinentes.

Em seguida, os componentes que apresentam maiores riscos são, nessa ordem: parafuso de ancoragem com falha vinculada à sobrecarga do veículo, bandeja falhando devido à flambagem, fixação ineficiente da bandeja, parafuso prisioneiro e amortecedor. Portanto, essa é a ordem de priorização das ações de correção, visando à melhoria do projeto.

No monitoramento dos esforços de manutenção por ocasião da montagem dos componentes do carro, é fundamental que os integrantes mais experientes da equipe supervisionem e orientem os demais a fim de evitar erros com o uso de ferramental inadequado.

Conforme já mencionado no regulamento administrativo e técnico SAE Brasil, após a avaliação do FMEA, seus resultados devem servir de suporte para um projeto alternativo. A quantificação do desempenho da suspensão e impacto geral no projeto foram avaliados em conjunto com a aplicação da árvore de falhas e serão objeto de estudo em um novo projeto do Camelo III.

Ressaltam-se como limitações do presente estudo a subjetividade na atribuição de notas da FMEA devido à pouca experiência da equipe e ao reduzido histórico de documentação dos dados acerca de falhas do carro relativas à dinâmica das competições da SAE, que exigem a alteração do carro frequentemente. Outra limitação é o próprio estudo de caso, pois, por ser específico nas condições em que foi realizado, suas conclusões não podem ser generalizadas.

Como trabalhos futuros recomenda-se um estudo utilizando algum software de simulação de esforços para validar os cálculos e, assim, reduzir os impactos dos erros de dimensionamento.

REFERÊNCIAS

Almeida, D.A. & Fagundes, L.D. (2005), “Aplicação da Gestão do Conhecimento no mapeamento de falhas em concessionária do setor elétrico”, Revista Produto & Produção,

Cabral, N.E.S., Sá, M.B.R, Juliane, L.V.B. & Benini, L. (2019), “Suspension System Project for a Formula SAE Electric Vehicle”, The Journal of Engineering and Exact Sciences, vol. 05, no.04.

Caser, I.N. & Seraphim, S.K.C. (2014), Projeto de Caixa de Redução de Velocidade por Correia Sincronizadora para Veículo BAJA SAE, Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Engenharia Mecânica, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.

Cordeiro, H.N. (2014), Desenvolvimento de Dispositivo para Caracterização de Pneus Automotivos, Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba.

Ferencey, V. (2011), Failure modes and effect analysis which is applied to the electric powertrain system of Unmanned Ground Vehicle, Posterus, disponível em: http://www.posterus.sk/?p=10964 (acesso em: 15 março 2021).

Fogliatto, F. S. & Ribeiro, J. L. D. (2009), Confiabilidade e manutenção industrial, 16ª ed, Editora Elsevier, Rio de Janeiro.

Haq, I.U., Izhar, Shah, K., Anwar, S., Khan, M.T., Ahmed, B., Maqsood, S. (2015), “Fuzzy Logic Based Failure Mode and Effect Analysis of Automotive Powertrain Assembly Systems”, Technical Journal, University of Engineering and Technology, vol. 20, no. II.

Hawkins, P.G. & Woollons, D.J. (1998), “Failure modes and effects analysis of complex engineering systems using functional models”, Artificial Intelligence in Engineering, vol. 12, pp. 375-397.

Helman, H. & Andery, P.R.P. (1995), Análise de falhas: aplicação dos métodos de FMEA e FTA, Fundação Christino Ottoni, Belo Horizonte.

IQA – Instituto de Qualidade Automotiva (2008), Análise do modo de falha e efeitos de falha potencial – manual de referência, 4ª ed, IQA, São Paulo.

Lima, P.F.A., Franz, L.A.S. & Amaral, F.G. (2006), “Proposta de utilização do FTA como ferramenta de apoio ao FMEA em uma empresa do ramo automotivo”, artigo apresentado no SIMPEP – XIII Simpósio de Engenharia de Produção, Baurú, SP, nov. 2006.

Liu, H.C., Liu, L. & Liu, N. (2013), “Risk evaluation approaches in failure mode and effects analysis: A literature review”, Expert systems with applications, pp. 828-838.

Rozenfeld, H., Forcellini, F.A., Amaral, D.C., Toledo, J.C. de, Silva, S.L. da, Alliprandini, D.H., & Scalice, R.K. (2006), Gestão de desenvolvimento de produtos: Uma referência para melhoria de processos, Saraiva, São Paulo.

SAE Brasil (2021), Baja Nacional, SAE BRASIL, s.l., disponível em: https://saebrasil.org.br/programas-estudantis/baja-sae-brasil/ (acessed 15 march 2021).

Sakurada, E.Y. (2001), As técnicas de Análise dos Modos de Falhas e seus Efeitos e Análise da Árvore de Falhas no desenvolvimento e na avaliação de produtos, Dissertação de Mestrado em Engenharia Mecânica, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

Sedano B., Ruddle A.R., Unanue I., Low L., Astigarraga D., Ibarra I., Cerro I., Galarza A., (2017), “HEMIS: Electrical Powertrain Health Monitoring for Increased Safety of FEVs”, Chemical Engineering Transactions, vol. 33, pp. 781-786.

Shrehari, J.J. & Srinivasan, K.A.R. (2016), “Fail Modes and Effective Analysis of All-Terrain Vehicle and Go-Kart: A Review”, International Journal of Science and Research, vol. 5, no 12.

Vidal, C., Vietro, V., Manfrim, T., Bezzon, G., Giannini, I., Arthuso, H.L. (2019), “Projeto de uma caixa de redução fixa para veículo Baja”, artigo apresentado na Mostra de Pesquisa em Ciência e Tecnologia 2017, Fortaleza, Ceará, disponível em: https//www.even3.com.br/anais/mpct2017/44796-PROJETO-DE-UMA-CAIXA-DE-REDUCAO-FIXA-PARA-VEICULO-BAJA (acesso em: 15 março 2021). vol. 8, no. 3, pp. 63-80.


Recebido: 15 mar. 2021

Aprovado: 2 ago. 2023

DOI: 10.20985/1980-5160.2023.v18n2.1710

Como citar: Santos, R.F., Oliveira, I.A., Ferreira, L.C.S., Silva, E.P., Macedo, F.A.S. (2023). A análise de falhas de um veículo off-road de competições universitárias do programa SAE Brasil: um estudo do sistema de suspensão utilizando as técnicas de análise do modo e efeito de falhas e de árvore de falhas. Revista S&G 18, 2. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1710