Qualidade de vida no trabalho em servidores públicos Estaduais: estudo em uma IES Nordestina

Juliana Carvalho de Sousa

juli.cs1009@gmail.com

Universidade Potiguar – UnP, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

Rafaela Gomes da Silva

rafaela.gomes@uece.br

Universidade Estadual do Ceará – UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil.


RESUMO

Os estudos sobre a Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) vêm se sobressaindo nos últimos anos por organizações e a preocupação geral com o bem-estar. Este estudo objetivou identificar como os profissionais de uma instituição pública percebem a QVT e a forma como são afetados dentro do contexto organizacional, e verificar se o modelo de Walton (1973) é adequado para avaliar a percepção da QVT. Tratou-se de um estudo descritivo, que conjugou uma etapa quantitativa (n=337) à uma etapa qualitativa (n=31). Os dados quantitativos foram analisados estatisticamente, ao passo que os qualitativos foram tratados por análise de conteúdo. A análise quantitativa dos dados mostrou que não houve total compreensão dos respondentes acerca dos questionamentos sobre a QVT. Essa não conformidade pode ser explicada pelo fato de que a escala de Walton (1973), utilizada amplamente em diversos estudos sobre QVT, mede apenas a opinião e não a percepção.

Palavras-chave: Qualidade de vida; Trabalho; Servidores.


INTRODUÇÃO

Nos primeiros estudos sobre Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) realizados na década de 1950 na Inglaterra, por Eric Trist e sua equipe de pesquisadores, o foco principal era a tríade relação individuo, trabalho e organização (Trist; Bamforth, 1951). Este escopo foi ampliado posteriormente e os estudos sobre a QVT vêm se sobressaindo nos últimos anos por organizações, buscando oferecer ao trabalhador boas condições laborais, incluindo aspectos comportamentais, o desenvolvimento de suas tarefas com satisfação e o bem-estar (Limongi-França, 2004).

Para Walton (1973), incorpora-se aos estudos de QVT os aspectos físicos, socioeconômicos e psicológicos, sendo os mais proeminentes para a reestruturação de tarefas:

a) melhorar a autonomia e satisfação no trabalho e os sistemas de compensações que valorizem o trabalho de modo mais justo;

b) promover a inclusão do trabalhador nas decisões que afetam o desempenho de suas funções;

c) customizar o ambiente de trabalho a partir das necessidades individuais do trabalhador e à satisfação com o trabalho.

Segundo Araújo (2006), em uma visão mais sistêmica, uma melhor QVT não quer dizer somente a satisfação do indivíduo no ambiente de trabalho e as suas motivações, mas também a forma como as organizações contam com novos recursos para o atendimento de necessidade e aspirações do indivíduo. Deve-se considerar ainda o incentivo à prática da saúde no ambiente de trabalho, criando novas formas de organização e conduzindo a uma série de mudanças na vida profissional, sempre aliado à humanização do trabalho e responsabilidade social da empresa.

Diante dessa conjuntura, torna-se importante para organizações públicas e privadas compreender e dar maior atenção à QVT, de forma a oferecer um ambiente de trabalho saudável e agradável aos seus trabalhadores. Como consequência, esses benefícios proporcionam alto nível de produtividade, redução da rotatividade, satisfação no trabalho, aumento da motivação e do desempenho dos trabalhadores etc. (Nadler; Lawer, 1983).

Contudo, nem sempre essas ações de iniciativa das organizações são percebidas pelos profissionais que nelas trabalham. Isso é ainda mais nítido em instituições públicas, onde essas ações na maioria das vezes são vistas com certo descrédito por parte dos profissionais. Nesse sentido, questiona-se: Qual a percepção [1] dos profissionais da Universidade Estadual do Ceará (UECE) sobre a QVT e qual o nível de adequação do instrumento de Walton (1973) para a avaliação da percepção da QVT?

Assim, este estudo objetivou identificar como os profissionais de uma instituição pública percebem a QVT e a forma como são afetados dentro do contexto organizacional, e verificar se o modelo de Walton (1973) é adequado para avaliar a percepção da QVT.

Torna-se relevante analisar a percepção dos profissionais de instituições públicas sobre a QVT gerada pela organização em que trabalham, pois os resultados poderão oferecer benefícios que estrategicamente serão agregados aos trabalhadores da referida instituição. Nesse sentido, o envolvimento, a melhoria e a interação para com a instituição são fundamentais para aprimorar o desempenho e fortalecer o compromisso destes profissionais com os objetivos da organização.

REVISÃO DE LITERATURA

A cunhagem do termo QVT ocorreu pela primeira vez na empresa General Motors nos anos 1960, quando foi implementado um programa que defendia a participação dos colaboradores nas decisões empresariais, quando remetidas às condições de trabalho.

Sobre este programa, Padilha (2009) aborda que foi a partir de sua implementação que os colaboradores passaram a buscar sistematicamente os objetivos conjuntos. Para Ferreira (2006) dava-se início a um movimento humanista que possuía como enfoque a qualidade dos produtos e do pessoal. Esses primeiros estudos, que compreendem o ciclo inicial de pesquisa sobre a QVT, perdurou até meados da década de 1970 (Nadler; Lawler, 1983). Nesse período destacam-se os trabalhos de Walton (1973), Hackman e Oldham (1975) e Westley (1979).

O modelo proposto por Walton (1973) é o mais disseminado na literatura, sendo considerado o mais contundente e abrangente sobre a QVT. Para este autor, uma organização é humanizada quando ela atribui responsabilidades e autonomia aos seus colaboradores, cujo nível varia de acordo com o cargo. Há também o enfoque no desenvolvimento pessoal do indivíduo, proporcionando, assim, melhor desempenho dentro da instituição.

É importante frisar que a QVT teve sua ligação com o processo de “humanização” do trabalho, de acordo com o estudo realizado por Elton Mayo (Scopinho, 2009; Fleury; Fischer, 1992). Padilha (2009) aborda que dentre os anos 1950 e 1970 ocorreram as primeiras formulações teóricas sobre a QVT, recebendo forte influência do behaviorismo, onde se buscava novas formas de gerir indivíduos, atingindo sempre os resultados e objetivos organizacionais.

Os estudos sobre QVT realizados na primeira metade da década de 1980 mostraram que a produtividade das empresas estava diretamente relacionada com o bem-estar dos trabalhadores.

De acordo com Goulart e Sampaio (2004), foi nesse período que os teóricos das escolas da Administração Científica e da Escola das Relações Humanas procuraram analisar as condições de trabalho de modo mais crítico e sistemático, a partir de uma visão fundamentada na ciência. Destacam-se os trabalhos de Werther e Davis (1983); e Nadler e Lawler (1983).

A partir da década de 1990, houve ascensão no número de estudos sobre a QVT com a replicação dos vários modelos para a sua avaliação, como os de Walton (1973), Hackman e Oldham (1975), Westley (1979), Werther e Davis (1983) e Nadler e Lawler (1983). Estes trabalhos buscaram validar escalas de mensuração da QVT, bem como conceituar a QVT no meio acadêmico. A partir desses estudos, o conceito de QVT ganhou dimensões mais abrangentes.

Esses estudos deram origem a diversas definições para a QVT. Contudo, há uma convergência na definição do termo que o entende como um conjunto de iniciativas adotadas pela organização, a fim de somar melhorias no que tange à inovação e tecnologia, contribuindo para o alcance do bem-estar organizacional. A QVT também está atrelada ao aumento dos índices de produtividade, ao passo que se envolve com o estabelecimento das condições necessárias para que as necessidades dos indivíduos sejam atendidas (Scopinho, 2009; Fleury; Fischer, 1992).

É importante destacar que a QVT está associada ao trabalhador como indivíduo, enquanto a Responsabilidade Social Empresarial (SER) ou Responsabilidade Social Corporativa (RSC) está atrelada às empresas. Nesse sentido, Camargo (2009) acrescenta que o Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS) conceitua a RSE como uma metodologia de gerir baseada na ética e na transparência, e de determinar metas organizacionais correlacionadas com o desenvolvimento sustentável, associando-se a preservação de recursos ambientais e culturais para assegurar às gerações futuras estes bens.

Sobre a relação entre a produtividade e a QVT, Martin e Silva (2004) abordam que a produtividade se relacionada diretamente com o nível de vida, pois, é através da produtividade que se pode dispor de maior número de bens e custos menores, podendo interferir no bem-estar nos indivíduos. Nessa perspectiva, para Hackman e Oldham (1975), a QVT deve se apoiar na força de necessidade de crescimento do trabalhador, na percepção do significado da tarefa e na variedade de habilidades e identidade da tarefa. Esse conjunto resulta em maior produtividade.

Embora a QVT trate das melhores condições laborais dos trabalhadores, alguns autores lhes tecem críticas severas. Dentre elas, uma aborda que as práticas de QVT são usadas como um “meio” e não com um “fim” dentro das organizações. De modo geral, essas práticas nas organizações se resumem em atividades como ginástica laboral, jogos, danças, e outros exercícios de relaxamento. Contudo, essa conduta remete-se ao assistencialismo, mascarando os problemas reais que estão associadas às condições laborais (Padilha, 2009; Ferreira, 2006).

Limongi-França e Arellano (2002) mostra que as organizações atuais não possuem uma área específica responsável por QVT. Desta forma, estas práticas ficam atreladas à área de recursos humanos. Outrossim, o estudo mostrou que apenas um terço das organizações pesquisadas possuíam atividades formais de QVT.

Padilha (2009) e Scopinho (2009) escreveram que a QVT traz como abordagem a questão do equilíbrio do tempo, ou seja, as obrigações e eventuais estresses derivados do ambiente de trabalho que não devem interferir nas relações pessoais. No entanto, este equilíbrio é difícil de ser obtido, principalmente com o advento da flexibilização que é cedida ao trabalhador, tornando-se difícil fazer uma separação entre vida profissional e vida pessoal. Nesse sentido, não se pode conseguir qualidade em produtos e serviços, sem considerar a questão do ambiente laboral, defendendo a ideia da democratização das relações sociais no ambiente de trabalho. Essa democratização remete-se à liberdade de expressão cedida aos trabalhadores (Lacaz, 2000).

Ante o exposto, a discussão sobre a QVT mostra-se recente e vem sendo cada vez mais explorada com o intuito de compreender as situações individuais dos trabalhadores em seus ambientes de trabalho (Timossi, 2009). Além disso, para estudos mais amplos, o modelo de Walton (1973) é o mais aceito e utilizado por pesquisadores no Brasil, além de estar sendo aplicado em diversas pesquisas. Esse modelo é composto por fatores que afetam as pessoas em seu trabalho e que possam vir a enfatizar os fatores de influência na QVT (Timossi, 2009).

O modelo de Walton (1973) consiste em oito fatores que afetam a QVT: compensação justa e adequada, condições de segurança e saúde no trabalho, utilização e desenvolvimento de capacidades, oportunidades de crescimento contínuo e segurança, integração social na organização, constitucionalismo, trabalho e esforço de vida, e relevância social da vida no trabalho.

As oito dimensões se relacionam e formam um conjunto que possibilita ao pesquisador entender os pontos positivos ou negativos percebidos pelos trabalhadores de suas condições laborais. O estudo de Walton (1973) foi o selecionado para embasar esta pesquisa, pois apresenta um dos conceitos mais completos para a QVT e é um dos mais utilizados nas pesquisas sobre o tema, mesmo após quase quatro décadas da sua publicação.

METODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

Este estudo está articulado de forma teórico-empírica mediante uma pesquisa do tipo descritiva. Segundo Vergara (2007) essa modalidade de pesquisa visa apresentar características dos fenômenos estudados e o estabelecimento de correlações entre as variáveis, de modo a identificar e definir sua natureza. Esse tipo de pesquisa caracteriza-se por contemplar objetivos claros, ser formal e estruturada e voltada para a busca de soluções ou análise de alternativas para o problema estudado (Yin, 2001; Gil, 2002; Godói, 2006).

Trata-se de um estudo de caso sobre a percepção da QVT dos profissionais que trabalham na UECE. Segundo Godói (2006, p. 127) o estudo de caso é “especialmente indicado quando se deseja capturar e entender a dinâmica da vida organizacional, tanto no que diz respeito às atividades e ações formalmente estabelecidas quanto àquelas que são informais, secretas ou mesmo ilícitas”. Eisenhardt (1989) e Yin (2001) afirmam que, no estudo de caso, a construção de teorias pode emergir a partir de análises comparativas entre diversos fenômenos e/ou organizações, não sendo possível manipular comportamentos relevantes destas.

A presente pesquisa teve como lócus a UECE e seus oito campi, a saber: Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Iguatu (FECLI), Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM), Faculdade de Educação de Crateús (FAEC), Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FECLESC), Faculdade de Educação de Itapipoca (FACEDI), Faculdade de Educação, Ciências e Letras dos Inhamuns (CECITEC), Centro de Humanidades (CH) e, por fim, o campus central UECE/Itaperi. Estes dois últimos estão localizados na cidade de Fortaleza. Os profissionais que fazem parte da UECE totalizam 1.802 pessoas, dividindo-se nas seguintes categorias: professores efetivos (789), professores temporários (286), técnicos administrativos (248) e trabalhadores terceirizados (379).

A amostra da pesquisa foi do tipo não probabilística. Com base em Pasquali (2005), segundo o qual deve-se obter pelo menos cinco indivíduos respondentes por variável, calculou-se a amostra mínima necessária para este estudo, obtendo-se um resultado de 337.

A coleta dos dados aconteceu em dois momentos distintos, ambos tendo por norteador o roteiro indicado no trabalho de Walton (1973). Inicialmente foi disponibilizado no site da UECE um questionário do tipo escala Likert de cinco pontos, que deveria ser respondido apenas pelos profissionais ligados à Universidade. O primeiro módulo do questionário destinou-se ao levantamento de um conjunto de informações demográficas para a caracterização dos respondentes, enquanto o módulo seguinte contemplou questões relacionadas à QVT. Por fim, questionou-se sobre o nível de satisfação com a QVT na instituição, a partir de uma escala crescente de dez pontos, em que 1 é atribuído a maior nível de insatisfação e 10 a maior nível de satisfação. A coleta de dados ocorreu entre os meses de novembro de 2015 e maio de 2016.

No segundo momento, com o objetivo de identificar possíveis equívocos de interpretação das perguntas do questionário, foram feitas 31 entrevistas, também com os profissionais dos três segmentos (efetivos, temporários e terceirizados). Durante as entrevistas foram utilizados os recursos do gravador e da anotação simultânea. O roteiro das entrevistas seguiu as mesmas questões do formulário disponibilizado no site da instituição, no entanto, os respondentes tiveram total liberdade para comentar, construir a argumentação de suas respostas e tirar possíveis dúvidas sobre estas.

No tocante ao plano de tratamento e análise de dados, foram empreendidas a análise quantitativa análise a qualitativa. Para a análise quantitativa foram utilizados os dados coletados por meio do questionário disponibilizado no site da UECE, os quais foram trabalhados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0. Inicialmente, foi executada uma análise fatorial exploratória para obtenção dos construtos que foram posteriormente confrontados com os construtos encontrados por Walton (1973). Após, foram executadas análises de variâncias por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney.

A análise qualitativa dos dados foi executada a partir dos dados oriundos das entrevistas semiestruturadas. Nessa análise, buscou-se extrair explicações mais detalhadas dos respondentes que justificassem as respostas do questionário do tipo likert da fase quantitativa. O objetivo foi compreender o grau de entendimento dos respondentes acerca dos questionamentos contidos no formulário online e a influência que pode ter exercido nas respostas. A técnica usada foi a análise do conteúdo, conforme proposto por Bardin (1977), procurando-se identificar convergências e divergências nas informações colhidas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para evitar casos de missing durante as respostas, foi exigido dos respondentes que nenhuma pergunta ficasse sem resposta. Com isso, a amostra quantitativa da pesquisa consistiu em 337 respondentes subdividos entre professores efetivos e substitutos, técnicos administrativos e colaboradores terceirizados.

O tratamento estatístico foi iniciado com uma análise descritiva dos dados e a verificação do alfa de Cronbach para o questionário a ser utilizado. Obteve-se o valor de 0,91, considerado muito bom segundo Hair et al. (2005). Portanto, o instrumento utilizado é fidedigno ao trabalho de Walton (1973) e ao objetivo proposto.

A Tabela 1 mostra os dados sociodemográficos dos respondentes.

Tabela 1. Dados sociodemográficos dos respondentes

F

*Na cidade de Guaiuba funciona apenas um laboratório experimental da UECE e não um campus. Fonte: Dados da pesquisa (2016).

A Tabela 1 mostra que mais de dois terços dos respondentes são do campus Itaperi, localizado na cidade de Fortaleza, onde se concentra a maior parte dos servidores da instituição. Isso reforça a ideia inicial de que houve uma dificuldade de acesso ao questionário por parte de alguns servidores nos vários campus e laboratórios experimentais da UECE e que pode explicar o baixo índice de respondentes nos demais campus.

Na análise fatorial foram verificados os índices de Kaiser-Meyer-Olkin (0,830) e de Esfericidade de Bartlett (com zero de significância), indicando a adequação desse procedimento. Para adequar os resultados com o trabalho de Walton (1973) foi necessário “submeter” a formação dos oito fatores ao método de extração de fatores, à análise dos componentes principais e à rotação ortogonal varimax, obtendo-se 79% de poder de explicação destes fatores, conforme ilustra a Tabela 2.

Tabela 2. Total de variância e poder de explicação dos fatores

F

Fonte: Dados da pesquisa (2016).

A Tabela 2 mostra que o fator que detém maior poder explicativo é “Tempo para trabalho e lazer”. Isso demonstra que os trabalhadores da instituição acreditam que o tempo dedicado ao trabalho e o tempo despendido com o lazer é fundamental para a qualidade de vida. Observa-se que o segundo fator mais importante para a QVT é a questão salarial. Sobre esse aspecto, cabe destacar a disparidade encontrada entre os trabalhadores, conforme dados da Tabela 1.

O fator que possui o menor valor é “Integração social na organização”. Isso permite inferir que para os respondentes da pesquisa, a socialização entre seus pares não é tão essencial para a QVT se comparado a outros fatores. Isso pode ser justificado, dentre outros aspectos, pela idade, renda e cargos exercidos dentro da instituição pelos respondentes.

Também foram realizados os testes de normalidade de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, onde o nível de significância foi de Sig. 0,000 para todos os fatores, o que indica não haver uma distribuição normal (Hair et al., 2005). Dessa forma, optou-se por realizar a análise de comparação das médias dos grupos com os fatores gerados através do teste não paramétrico de Mann-Whitney.

Foram realizadas análises para comparar as médias obtidas em cada um dos seguintes grupamentos:

a) tempo de serviço (menos de dez anos e mais de dez anos de serviços prestados na instituição);

b) idade (menos de 45 anos e mais de 45 anos);

c) escolaridade (ensino fundamental, ensino médio, superior completo, mestrado e doutorado/pós-doutorado);

d) renda (rendimento inferior à dez salários mínimos e superior à dez salários mínimos);

e) gênero (feminino e masculino);

f) satisfação com a QVT (inferior a seis e superior a seis, conforme resultado de uma pergunta do questionário online).

A Tabela 3 apresenta os resultados dessa comparação.

Tabela 3. Teste de Mann-Whitney (Sig.) com os fatores gerados

F

*Nível de significância igual ou inferior a 0,05. Fonte: Dados da pesquisa (2016).

Conforme a Tabela 3, não houve diferença nas médias entre homens e mulheres para as variáveis analisadas. Portanto, a percepção de QVT é homogênea entre os dois grupos. Para os grupos “tempo de serviço” e “idade”, apenas no fator “Oportunidade de crescimento e segurança” houve diferença nas médias, o que implica que a percepção de QVT é heterogênea para ambos os grupos. Nesse caso, há pontos divergentes entre os respondentes.

A comparação segundo a renda apontou divergências entre as médias dos grupos em quatro dos oito fatores verificados, quais sejam: tempo para trabalho e lazer, compensação justa e adequada, condições de trabalho e esforço de vida.

O grupo “satisfação com QVT” não apresentou diferença entre as médias em apenas dois fatores. Para esse grupo, a “utilização e desenvolvimento de capacidades e condições de segurança e saúde no trabalho” mostraram-se indiferentes. Por fim, os resultados apontam para o fato de que o nível de escolaridade dos respondentes produziu diferença nas médias para o fator “compensação justa e adequada”. Isso permite inferir que há uma divergência entre os respondentes, a partir do seu nível de escolaridade, quanto aos salários pagos pela instituição.

Cabe destacar ainda que o fator “Oportunidades de crescimento e segurança” é visto por cinco dos seis grupos analisados de forma heterogênea. Logo, à exceção do grupo “gênero”, este fator é entendido de forma diferenciada pelos respondentes.

Tentando compreender melhor os resultados obtidos, foram realizadas novas análises considerando, para tanto, apenas uma variável (percepção de QVT), como pode se observar na Tabela 4.

Tabela 4. Teste de Mann-Whitney (Sig.) para uma variável.

F

*Nível de significância a 0,05. Fonte: Dados da pesquisa (2016).

A Tabela 4 mostra que apenas o grupo “gênero” apresentou diferenças nas médias. Com isso, nota-se uma dificuldade por parte dos respondentes em compreender o teor do questionário, o que pode ter afetado os resultados encontrados a partir da análise quantitativa, que se mostrou, portanto, insuficiente para a compreensão e análise do fenômeno estudado. Tal análise é possível se considerarmos a influência da solicitação “Considerando as questões que respondeu acima, assinale na escala a seguir o quanto você considera que tem qualidade de vida no trabalho, sendo 1 o valor mínimo e 10 o valor máximo”, que foi inserida no final do questionário. Percebe-se que a solicitação exerceu uma influência ímpar no tratamento dos dados, modificando sobremaneira os resultados até então encontrados.

Além da limitação das opções de resposta, problema típico de questionários fechados, a estrutura rígida desse modelo afeta diretamente o nível de explicação do fenômeno. Um dos achados da presente pesquisa reside no entendimento de que o questionário mede apenas a opinião, o que por sua vez põe em xeque o uso que vem sendo feito desse instrumento de pesquisa para estudos ligados à QVT.

A fase qualitativa da pesquisa obteve resultados que reforçam ainda mais a hipótese levantada de que os questionários de QVT conseguem captar apenas uma pesquisa de opinião, limitando, portanto, a compreensão da efetiva percepção dos entrevistados.

A análise das transcrições das entrevistas mostrou que para a maioria dos entrevistados o maior problema da UECE hoje é a segurança, como mostra o trecho abaixo:

A gente não tem segurança nenhuma aqui... até de dia isso aqui é complicado. O problema é que como a universidade é do governo, não pode barrar ninguém de entrar aqui, mesmo que seja de noite. Aí já viu, né? Entra todo tipo de gente (...) inclusive para assaltar aqui, pois é muito grande e não tem como vigiar tudo. Quem é que se sente bem desse jeito? [...] (Entrevistado nº 28, março de 2016)

O problema da segurança também foi reforçado pela quarta pessoa entrevistada, uma técnica administrativa:

O pior problema que a gente tem aqui é o medo de acontecer alguma coisa com a gente que é mulher, principalmente quando a gente tem que sair mais tarde. Eu fico imaginando como não é com as professoras da noite, de ter que sair com isso tudo escuro. (...) Já teve vários casos de assalto aqui, mas a gente só fica sabendo de alguns, quando algum aluno comenta. (Entrevistada nº 4, janeiro de 2016)

As menções à questão de segurança não se limitam aos relatos registrados aqui; quase todos os entrevistados a mencionaram. Ao considerar os dados (quantitativos e qualitativos) de forma isolada, nenhum problema dessa natureza deveria surgir. Entretanto, ao comparar os resultados de ambas fases da pesquisa, identificou-se uma discrepância acerca desses instrumentos de pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo objetivou identificar como os profissionais de uma instituição pública percebem a QVT e a forma como são afetados dentro do contexto organizacional, e verificar se o modelo de Walton (1973) é adequado para avaliar a percepção da QVT. Para respondê-los, realizou-se uma pesquisa que conjugou a abordagem quantitativa à qualitativa.

A análise quantitativa dos dados mostrou que não houve total compreensão dos respondentes acerca dos questionamentos sobre a QVT apresentados no questionário online. Ficou evidente que os respondentes não conseguiram compreender plenamente o significado das perguntas e a forma como deveriam ser respondidas.

O fator “segurança” aparece de forma apriorística como um ponto importante de convergência entre as fases qualitativas e quantitativas da pesquisa. Os resultados da fase quantitativa apresentaram uma heterogeneidade que poderia colocar em xeque os resultados da Tabela 3.

Na interpretação dos autores, essa não conformidade entre uma fase de pesquisa e outra tem uma explicação plausível: a escala de Walton (1973), utilizada amplamente em diversos estudos sobre QVT, mede apenas a opinião e não a percepção. Com efeito, uma das questões centrais do estudo seminal da área permanece: “Como a QVT pode ser conceituada e como ela pode ser medida?” (Walton, 1973).

Este estudo pode ser de grande valia para pesquisadores que buscam repensar os métodos de mensuração da QVT, bem como para aqueles que venham a replicar estudos prévios e que porventura apresentem as mesmas limitações. Ademais, os achados deste estudo podem conduzir à realização de pesquisas que busquem superar as referidas limitações, buscando avançar no conhecimento do campo.

As limitações de pesquisa residem no fato de este trabalho não ter criado um instrumento eficaz para mensurar a percepção dos trabalhadores quanto à QVT, e no não desenvolvimento de uma pesquisa processual que pudesse eliminar distorções pontuais que afetam as respostas fornecidas sobre a QVT. Um outro ponto importante diz respeito a possibilidade de alguns trabalhadores terceirizados terem medo em responder questões mais polêmicas, já que eles podem ter se sentidos inseguros em tratar de alguns temas sem a proteção da estabilidade estatutária, tal qual os demais trabalhadores.

Ademais, considerando as múltiplas realidades possíveis a partir da presente pesquisa, sugere-se que novos estudos sejam desenvolvidos, de modo a avançar no estado da arte sobre a QVT. Não limitado a isso, sugere-se ainda que os programas que visam melhorar a QVT nas empresas passem por constantes aprimoramentos, sempre considerando o que há de mais atual na literatura sobre o tema.


REFERÊNCIAS

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[1] Percepção é a “organização das informações transmitidas pelas sensações que permite conhecer a realidade. Nesta organização intervêm fatores externos (movimento, intensidade e contraste do estímulo) e fatores internos (os biológicos, como fome e sono, e os psicológicos, como a motivação e a expectativa). Embora esta organização dê origem a fenômenos de constância perceptiva em que as percepções coincidem com a realidade, podem ocorrer alucinações ou ilusões, que são perturbações perceptivas” (Mesquita, 1996, p. 159).


Recebido: 04 nov. 2019

Aprovado: 02 jan. 2019

DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1589

Como citar: Sousa, J. C.; Silva, R. G. (2019), “Qualidade de vida no trabalho em servidores públicos Estaduais: estudo em uma IES Nordestina”, Sistemas & Gestão, Vol. 14, No. 2, disponível em: http://www.revistasg.uff.br/index.php/sg/article/view/1589 (acesso dia mês abreviado. ano).