Diagnóstico da pesca artesanal na área de influência do Porto do Mucuripe, em Fortaleza (CE): subsídios à gestão pesqueira regional

Carolina Ramos Menezes

crmenezes@id.uff.br

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Jessica de Freitas Delgado

jessiicafdelgado@gmail.com

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Leonardo da Silva Lima

leodslima@gmail.com

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Thúlio Righeti Corrêa

thuliorigheti@hotmail.com

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Sidney Luiz de Matos Mello

smello@id.uff.br

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Estefan Monteiro da Fonseca

oceano25@hotmail.com

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.


RESUMO

A área de influência do Porto do Mucuripe, Fortaleza (CE), é sítio de extensa atividade pesqueira artesanal, cujo valor socioeconômico demanda um diagnóstico no contexto da gestão da pesca regional. No intuito de fornecer subsídios à gestão socioambiental das atividades do porto, elaborou-se um diagnóstico do dia a dia da pesca artesanal. Para tanto, foi utilizada a metodologia de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) com pescadores artesanais distribuídos nas comunidades de Barra do Ceará, Goiabeiras, Arpoador, Porto da Marinha, Mucuripe, Praia Mansa e Serviluz. Os resultados evidenciam grande diversidade de embarcações, com destaque para os paquetes e as jangadas que são as mais comumente utilizadas na pesca artesanal. As artes de pesca mais utilizadas entre os pescadores artesanais são a linha e o anzol e a rede de emalhar, distribuída em toda a área onde a pesca é praticada. Em relação ao pescado, observou-se que uma diversidade de espécies é capturada pelas comunidades pesqueiras, que são comercializadas de diferentes maneiras de acordo com seu valor de mercado.

Palavras-chave: Pesca Artesanal; Comunidades Pesqueiras; Diagnóstico Participativo


INTRODUÇÃO

As atividades portuárias são de grande importância para o desenvolvimento das regiões onde estão inseridas, possuindo uma grande capacidade modal que se traduz em crescimento econômico, considerando ainda as operações logísticas relacionadas às mercadorias e à criação de empregos diretos e indiretos (Garcia, 2012). No caso do Brasil, a atividade portuária se destaca como o segundo setor mais importante quando se trata do transporte de mercadorias, principalmente para o exterior (Rocha e Morato, 2009). Estima-se que mais de 80% do comércio exterior brasileiro seja realizado por meio dos sistemas portuários nacionais (Falcão e Correia, 2012).

Por outro lado, os portos, ao ocuparem as regiões costeiras, normalmente se sobrepõem a outras atividades socioeconômicas nestes ambientes, causando tanto impactos positivos como negativos (Kitzman et al., 2014). Em geral, a atividade portuária provoca alterações ambientais e na dinâmica do espaço marítimo, ocasionando conflitos com comunidades presentes na área de influência do empreendimento. Especificamente com a pesca artesanal, os principais conflitos decorrem da proibição da atividade próximo ao local das obras, mesmo a inserção de barreira física à passagem das embarcações pesqueiras, falta de sinalização, poluição da água e afugentamento dos peixes (Castro e Almeida, 2012).

A pesca artesanal se realiza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador, compreendendo os trabalhos de confecção e de reparos de artes e petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca (Soares et al., 2018). Tal atividade apresenta grande importância para as populações litorâneas devido ao elevado potencial de emprego, gerando renda e o desenvolvimento socioeconômico destas populações (Ramires et al., 2012). Todavia, a pesca artesanal vem perdendo espaço em seu território em prol das ações de desenvolvimento mais robustas, como a indústria petrolífera e portuária, que podem ter caráter definitivo ou transitório, mas com recursos para causar rupturas em modelos artesanais.

Segundo a FAO (1999), a pesca artesanal de pequena escala nos países em desenvolvimento é quase sempre de “livre acesso”, normalmente relacionada a um regime de economia familiar. No litoral brasileiro, é a modalidade predominante, sendo desenvolvida por meio de vários tipos de redes, linhas e armadilhas (Di Beneditto, 2012). A frota pesqueira brasileira conta com cerca de 30 mil embarcações, cerca de 90% delas estão relacionadas à pesca artesanal que, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA,2006), gera 800 mil empregos diretos. Conforme estudo de Vasconcellos et al. (2007), estima-se que aproximadamente 700.000 pescadores estejam envolvidos com a atividade, representados por 400 colônias distribuídos entre 23 Federações Estaduais. Somente na Região Nordeste são aproximadamente 160 colônias. Neste sentido reside a importância deste estudo em proceder o diagnóstico da pesca artesanal na área de influência direta do Porto do Mucuripe (Fortaleza – CE), como forma de subsidiar a gestão pesqueira e dirimir conflitos com outras atividades econômicas regionais.

REVISÃO DA LITERATURA

Os impactos resultantes das utilizações múltiplas do mesmo espaço têm gerado conflitos nas questões referentes ao uso e à ocupação do solo. Especialmente em regiões costeiras, cujas características socioambientais são extremamente diversificadas, as disputas pela mesma área têm se acentuado, resultando na necessidade de se definir protocolos de controle e manejo mais racional das situações de conflito (Ribeiro e Castro, 2016). Entre os principais impactos resultantes das atividades portuárias estão a redução na disponibilidade de habitats das comunidades aquáticas, a poluição por efluentes industriais, o soterramento de pesqueiros (Carvalho-Neta et al., 2012) e outros, que em algum momento atingem as comunidades pesqueiras locais, especialmente as artesanais (Kury et al., 2010; Souza e Oliveira, 2010).

No Ceará, um dos grandes produtores do Nordeste brasileiro, as embarcações artesanais constituem 78,17% da frota pesqueira marítima e são responsáveis por 64,66% de toda a produção de pescado desembarcada no litoral cearense, avaliada em 15,5 mil toneladas (IBAMA, 2002). Os pescadores artesanais no litoral cearense utilizam os mais diversos tipos de petrechos e técnicas de pesca, destacando-se as linhas e redes.

O Porto do Mucuripe está situado em Fortaleza, a cidade nordestina com a maior área de influência regional, sendo importante centro industrial e comercial do Brasil (IBGE, 2017). Este foi projetado para atracação de navios e nas operações de desembarque/embarque de mercadorias e passageiros (Docas do Ceará). Sua área de influência se estende aos estados do Piauí, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba.

A comunidade pesqueira no município de Fortaleza está dividida em sete comunidades (Barra do Ceará, Goiabeiras, Arpoador, Porto da Marinha, Mucuripe, Praia Mansa e Serviluz) localizadas ao longo de sua faixa litorânea, cujos pescadores artesanais estão sob representação da Colônia Z-8 (Figura 1). De acordo com os dados fornecidos pela Colônia de Pesca, existe um total de 2.500 pescadores filiados, dos quais cerca de 10% são mulheres que atuam principalmente na catação nos mangues. Entre os pescadores homens, 80% atuam na pesca marítima e os 20% restantes atuam na pesca de águas interiores, não considerados no presente estudo. A pesca costeira ocorre pelo período de nove meses entre maio e janeiro.

Figura 1. Localização das comunidades pesqueiras de Fortaleza, Colônia Z-8 e Porto do Mucuripe.

F

As comunidades pesqueiras Porto da Marinha, Arpoador e Goiabeiras estão localizadas a oeste do Porto do Mucuripe, na praia do Pirambu. Esta praia possui um local de desembarque conhecido como Porto da Marinha (por estar localizada na frente da Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará), e outros próximos às comunidades de Arpoador e Goiabeiras, inseridas na periferia de Fortaleza. Além dessas, na extremidade oeste está localizada a comunidade pesqueira da Barra do Ceará (situada na foz do rio Ceará).

A região de Mucuripe se configura como o principal ponto pesqueiro por compreender a maior frota pesqueira artesanal de Fortaleza. A Praia Mansa é uma comunidade inserida na área do Porto do Mucuripe ao lado do Terminal de Passageiros, formada a partir da construção do quebra-mar. Cerca de 85 pescadores dessa comunidade são cadastrados e autorizados pela Companhia Docas para terem acesso à Praia Mansa e realizar atividade de pesca. A leste do porto está a comunidade de Serviluz, cujos pescadores praticam a atividade de pesca na região costeira das praias de Titanzinho e Serviluz.

METODOLOGIA CIENTÍFICA

A campanha de campo para levantamento de dados visando o diagnóstico da pesca no Porto do Mucuripe ocorreu entre os dias 13 e 20 de junho de 2018, e teve como ponto de partida uma reunião com a liderança local da Colônia de Pesca e Aquicultura de Fortaleza Z-8, que representa os pescadores da cidade de Fortaleza. Nessa ocasião foi realizada a apresentação dos objetivos da coleta de dados para as lideranças comunitárias, pescadores tradicionais e proprietários de embarcações. Para o diagnóstico, foi empregada a metodologia de Diagnóstico Rápido Participativo (DRP). Essa metodologia pressupõe a confecção de mapas e diagramas conjugados com o conhecimento das comunidades com informações técnicas (Antunes et al., 2018). Assim, foram trabalhados procedimentos do DRP, como análise de fontes secundárias, cartografia social, questionários semiestruturados e calendário sazonal, no sentido de encontrar as determinadas informações (Quadro 1).

Quadro 1. Informações levantadas para o diagnóstico da comunidade pesqueira de Fortaleza

F

A cartografia social é vista como um processo de construção coletiva que aproxima, em uma mesma categoria de importância, pesquisadores e agentes sociais mapeados, tratando-se de um processo de construção conjunta (Costa et al., 2016; Santos, 2016). O material gráfico utilizado nessa etapa foi a imagem da carta náutica do Porto do Mucuripe (carta 710, escala 1:50.000), onde foram identificados os territórios de pesca utilizados pelos pescadores consultados. A partir das indicações dos pescadores foram desenhados polígonos indicando as áreas aproximadas de pesca classificadas pelo tipo de petrecho. Esses polígonos foram vetorizados utilizando-se o Google Earth Pro para elaboração de um mapeamento da atividade de pesca na costa de Fortaleza.

A utilização de questionários semiestruturados para o levantamento das informações de interesse se deu por meio de um roteiro de questões e tópicos que precisavam ser abordados. As conversas foram realizadas com pescadores de todas as comunidades na presença de suas respectivas lideranças locais. Os registros foram realizados por meio de anotações, sujeitas à conferência dos indivíduos. Outra ferramenta utilizada foi o calendário sazonal, instrumento pelo qual se usou o conhecimento dos pescadores artesanais sobre a distribuição das capturas de pescado ao longo do ano e qualquer outro tipo de informação que tenha ligação com o tempo (Carvalho Júnior et al., 2011).

A determinação do número de embarcações dedicadas à pesca artesanal na área de estudo foi estimada através das entrevistas e de contagem das embarcações, pois a colônia Z-8 não possui registro desse quantitativo. Para a caracterização das embarcações pesqueiras locais, utilizou-se a nomenclatura compilada em bibliografia (Castro & Silva e Rocha, 1999; Freitas Netto e Di Beneditto, 2007; Chaves e Robert, 2003), em associação com a descrição dos pescadores locais (Tabela 1).

Tabela 1. Caracterização das embarcações utilizadas para a atividade pesqueira em Fortaleza

F

Fonte: Os próprios autores

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Caracterização da frota pesqueira

As pescarias artesanais, tanto costeiras como fluviais, representam fontes de alimento e emprego para muitas comunidades, especialmente nos países tropicais e em desenvolvimento onde o pescado consumido, em sua maioria, é capturado através destas pescarias (Fuzetti e Correa, 2009). No que se refere à atividade pesqueira da área em foco, observou-se, em Fortaleza, a utilização de grande diversidade de embarcações e petrechos de pesca, que constituem a etapa inicial da cadeia produtiva da pesca (Fonteles-Filho e Guimarães, 2000). Além de embarcações e petrechos de pesca, outros equipamentos, combustível, redes, gelo, entre outros, são os fatores de produção e insumos necessários ao desenvolvimento da atividade.

Conforme apresentado na Figura 2, entre as embarcações utilizadas para a atividade de pesca artesanal, os paquetes (25%) e as jangadas (24%) são mais comuns na região litorânea de Fortaleza. Os paquetes são embarcações movidas à vela, com casco de madeira preenchida com isopor, sem quilha (Rodrigues e Maia, 2007). Em relação ao seu deslocamento, Rodrigues e Maia (2007) afirmam que é realizado por meio do uso combinado do leme, vela e bolina (tábua inserida no centro da embarcação que funciona como quilha). Na capital cearense, sua propulsão principal é à vela, entretanto, muitos paquetes vêm sendo adaptados a motores de popa, visando maior autonomia e rapidez em sua navegação.

Figura 2. Embarcações utilizadas em Fortaleza (CE).

F

Fonte: Os próprios autores

As jangadas, normalmente propulsionadas à vela, são um pouco maiores que os paquetes (entre 5m e 7,5m de comprimento). Essas embarcações são construídas em madeira, possuem quilha e contam com convés e pequeno compartimento destinado ao armazenamento de mantimentos, material de pesca, e servindo às vezes de “dormitório” para a tripulação (Marinho, 2005). Realizam viagens mais longas que os paquetes, podendo permanecer até sete dias no mar, atuando na pesca de diversos pescados, entre eles a lagosta.

Os paquetes e as jangadas apresentam características parecidas em relação a sua condução e confecção. A movimentação das embarcações é feita principalmente pelo uso combinado do leme ou motor de popa. Tais embarcações são confeccionados na própria localidade pesqueira, em pequenos estaleiros, e os seus reparos e manutenções, pelos próprios pescadores, confirmando as condições apresentadas por Silva (2004). Apesar das semelhanças, atualmente a jangada é considerada mais vantajosa devido a sua maior durabilidade (vida útil) e autonomia, segundo os pescadores entrevistados.

Os botes a remo (23%), bastante difundidos entre as comunidades visitadas, são as menores embarcações entre as utilizadas na atividade pesqueira. Essa embarcação, que possui casco de madeira, sem quilha e é forrado internamente por isopor, varia de 2,5m a 3m de comprimento. A tripulação é constituída quase sempre por apenas um pescador realizando viagens de “ir e vir”, apresentando um raio de ação limitado. Também conhecido entre os pescadores como bateira, o bote a remo pode ser utilizado ainda para transporte de pessoas e materiais diversos da praia para embarcações maiores (Castro e Silva e Rocha, 1999).

Em relação à distribuição das embarcações de pequeno porte, observa-se que os botes e paquetes aparecem em todas as comunidades com exceção da Barra do Ceará, que apresenta somente embarcações de grande porte (Figura 3). Nas praias à oeste do Porto do Mucuripe, Porto da Marinha, Arpoador e Goiabeiras, a frota é formada basicamente por embarcações de pequeno e médio porte como botes a remo, paquetes e jangadas, com uma concentração maior de embarcações na praia do Arpoador. A Praia Mansa é composta principalmente de botes a remo e paquetes, assim como a comunidade do Serviluz. A região de Mucuripe se configura como o principal ponto pesqueiro por compreender a maior frota pesqueira artesanal de Fortaleza, constituída por embarcações de maior e menor porte.

Figura 3. Distribuição das embarcações de pesca nas comunidades de Fortaleza (CE).

F

(Fonte: Os próprios autores)

Os barcos (22%) e botões (6%), embarcações de maior porte, possuem comprimento variando de 10m a 12m. Apresentam casco de madeira, comportam até seis pescadores e operam em área mais afastada, podendo permanecer muitos dias no mar. Destacam-se na pesca da lagosta, uma vez que apresentam espaço para urnas frigoríficas para armazená-la, além da possibilidade de colocar os manzuás no convés. Essa estrutura é composta por varas de madeira ou ferro amarradas por cabos de nylon, caracterizando as embarcações lagosteiras (Castro e Silva e Rocha, 1999).

Os barcos e botões são as embarcações menos comuns em Fortaleza, estando presentes somente nas comunidades da Barra do Ceará e Mucuripe. Isso se deve ao fato destas apresentarem maiores custo operacionais, tornando-se economicamente inviáveis para a maioria dos pescadores da capital cearense (Silva e Cavalcante, 1994). Segundo Castro e Silva & Rocha (1999), os altos custos operacionais também contribuem para o crescimento da frota de menor porte, envolvendo-se ainda na atividade lagosteira.

Os barcos motorizados e botões a vela podem permanecer até 12 dias no mar e pescam há mais de 20 km da costa. Os botões da Barra do Ceará não possuem casaria e a propulsão é à vela, enquanto em Mucuripe os botões são adaptados com casaria e motor. A casaria e motor de centro, presentes nos barcos e botões de Mucuripe garantem maior autonomia aos pescadores em relação ao tempo no mar e quantidade do pescado. Nessa localidade, excepcionalmente, há embarcações com permissão para realizar a pesca de arrasto de fundo.

Caracterização das artes de pesca

A técnica, geralmente oriunda do conhecimento tradicional das comunidades pesqueiras, aplicada na utilização de um determinado petrecho de pesca denomina-se arte de pesca (Walter et al., 2012). Na pesquisa, entre as artes de pesca utilizadas pelos pescadores entrevistados destacaram-se: linha e anzol, rede de emalhar, armadilhas, arrasto, caça submarina em mergulho livre, e tarrafa (Tabela 2). Entre as comunidades pesqueiras de Fortaleza, é comum a utilização de petrechos variados numa mesma área, considerando as safras de cada espécie-alvo, ou simplesmente para aumentar a possibilidade de captura em uma mesma viagem.

Os pescadores que utilizam linha e anzol, rede de emalhar, armadilhas, fazem arrastos de fundo e são adeptos da prática de caça submarina permanecem mais distantes da costa (Figura 4 – A). Outros grupos de pescadores que utilizam a linha e anzol concomitantemente à rede de emalhar, tarrafas ou fazem arrastos (de praia ou de fundo) se concentram mais próximos a costa (Figura 4 – B).

Tabela 2. Artes de pesca utilizadas pela comunidade pesqueira em Fortaleza.

F

Fonte: Os próprios autores

Figura 4. Áreas de atuação da pesca artesanal em Fortaleza

F

Fonte: Os próprios autores.

Tal distribuição também apresenta relação com o tipo de embarcação, visto que para as de menor porte e com menor potencial (botes a remo) é melhor permanecer mais próximas à costa. Os pescadores que usam as menores embarcações também tendem a ir e voltar todos os dias do mar, ao contrário daqueles que utilizam embarcações maiores, que costumam passar mais dias consecutivos no mar. Além disso, cabe ressaltar que pescadores com diferentes tipos de petrechos dividem a mesma área de atuação em alto mar, enquanto nas proximidades da costa, a sobreposição das artes de pesca é pouco significativa.

A linha e anzol e as redes de emalhar são as artes de pesca mais utilizadas pelos pescadores de Fortaleza. Na pesca com rede de emalhar, os petrechos mais comuns são a rede de caceio e a rede boieira, utilizada por praticamente toda a frota pesqueira artesanal do município.

A pescaria por arrasto em Fortaleza é dividida em duas modalidades, o arrasto de fundo e arrasto de praia, ambos utilizando rede. O arrasto de fundo acontece numa área extensa próxima à costa de Fortaleza, diferentemente do arrasto de praia cuja área de atuação está limitada às praias Mansa e Serviluz. A tarrafa também é um petrecho de pesca bastante difundido na área de estudo nas proximidades da costa.

A caça submarina, que ocorre em uma área bastante extensa ao longo da costa cearense, é realizada em apneia utilizando arbalete, sem auxílio de compressor ou cilindros de ar comprimido. A pesca com armadilhas, por sua vez, ocorre ao longo da mesma extensão, usadas principalmente na captura da lagosta de forma sazonal e peixes demersais ao longo de todo o ano. A pesca da lagosta é bastante representativa para os pescadores, visto que existem aproximadamente 550 deles envolvidos nesse tipo de pescaria, segundo informações da Colônia Z-8, e recebendo o seguro defeso da lagosta, período de janeiro a abril (Silva, 2004).

Segundo Pinheiro e Farias (2016), normalmente a composição dos pescados desembarcados apresenta grande diversidade de espécies, hábito alimentar carnívoro, habitantes de ambientes rochosos costeiros e com ampla variedade de nichos ecológicos. Tais características levantadas justificaria os vários métodos de captura empregados nas pescarias, caracterizando a primeira etapa da cadeia produtiva de pescado em Fortaleza. Já a etapa de distribuição é formada pelos entrepostos intermediários, feiras livres, supermercados, peixarias e, em alguns casos, os próprios produtores (Vianna, 2009).

Na capital cearense, grande parte dos pescados possui baixo valor comercial, sendo na maioria das vezes comercializada assim que chega à areia da praia para os moradores locais. Por outro lado, o pescado de maior valor é vendido a partir de acordo firmado previamente entre os pescadores e atravessadores mais específicos, podendo seguir para diversos caminhos da cadeia produtiva. Em Fortaleza, os caminhos possíveis são o Mercado de Peixes de Fortaleza ou venda direta a hotéis, restaurantes e empresas de exportação.

A pesca da lagosta é a categoria de maior importância econômica do município, cuja participação na pauta de exportações de pescados do Ceará representou 86%, em 2009 (Etene, 2010). A comercialização de toda a lagosta originária das comunidades pesqueiras de Fortaleza é realizada por atravessadores específicos que encaminham o produto diretamente para exportação. O mercado interno da lagosta é pequeno, se comparado às exportações, devido principalmente ao alto custo do produto, ficando restrito a hotéis e restaurantes.

CONCLUSÃO

As comunidades pesqueiras em Fortaleza (CE) estão localizadas a pouca distância umas das outras, em comunidades ao longo de toda a costa do município. O levantamento de informações a respeito da atividade de pesca praticada possibilitou enriquecer os conhecimentos sobre a pesca artesanal no estado nordestino. As informações sobre a dinâmica de pesca como as estratégias empregadas, as embarcações usadas, as principais espécies capturadas e a comercialização do pescado mostram-se relevantes, considerando a grande importância do Ceará no contexto nordestino e brasileiro como um dos grandes produtores de pesqueiro.

O estudo evidencia uma diversidade de artes e embarcações utilizadas na atividade de pesca artesanal em Fortaleza. Os pescadores, na maioria das vezes, denominam os mesmos tipos de petrechos e de embarcações de formas distintas, buscando aumentar as possibilidades de captura em uma mesma viagem. Além disso, o estudo mostra que a pesca se faz necessária para a comunidade local, viabilizando ganhos provenientes da exploração de recursos pesqueiros.

Em relação ao pescado, observou-se uma diversidade de espécies capturadas pelas comunidades pesqueiras, no entanto, o tratamento dado à produção varia de acordo com a importância econômica do pescado. A lagosta é o principal produto pescado e comercializado, sendo o de maior valor comercial. Demais pescados incluem ariacó, guaiúba, sardinha, biquara, menos cavala, serra e pargo. No período chuvoso a abundância é duas vezes maior do que a do período seco e aponta guaiúba, cavala e sardinha como as espécies de maior abundância em biomassa (kg).

O diagnóstico participativo mostrou a configuração da cadeia produtiva do pescado em Fortaleza que, apesar da forma simplificada, deve ser levada em consideração na gestão costeira do município. A pesca artesanal é rica em valores comunitários e cultura tradicional, devendo ser harmonizada com a gestão pesqueira do estado do Ceará.

Agradecimentos

Agradecemos à equipe de campo que realizou o levantamento e análise dos dados e à Secretaria Nacional de Portos (SNP) pelo auxílio financeiro concedido.

Ao Felipe Duval Ponce, oceanógrafo, e Marcio Macedo, biólogo, pelos levantamentos de campo e relatoria técnica.


REFERÊNCIAS

Antunes, J.; Silva A. F.; Silva A. C. B. et al. (2018), "Diagnóstico rápido participativo como método de pesquisa em educação". Avaliação, Vol. 23, No. 3, pp. 590-610.

Carvalho Júnior, J. R.; Fonseca M. J. C.; Santana A. R. et al. (2011), "O conhecimento etnoecológico dos pescadores yudjá, Terra Indígena Paquiçamba, Volta Grande do Rio Xingu, PA. Tellus, Vol. 21, pp. 123-147.

Carvalho-Neta, R.N.F; Torres J.R., A.R.; Abreu-Silva, A.L. (2012), “Biomarkers in Catfish Sciades herzbergii (teleostei; Ariiae) from Polluted and Non-polluted Areas (São Marcos'Bay, Northeastern Brazil)”, Aplly Biochemical and Biotecnology. Vol. 166, p.1-12.

Castro, S. M.; Almeida, J.R. (2012), "Dragagem e Conflitos Ambientais em Portos Clássicos E Modernos: Uma Revisão" Sociedade & Natureza, Vol. 3, pp. 519-534.

Chaves, P. T.; Robert, M. C. (2003), "Embarcações, artes e procedimentos da pesca artesanal no litoral sul do Estado do Paraná, Brasil". Atlântica. Vol. 25, No. 1, pp. 53-59.

Costa, N. O., Gorayebe, A., Silva, E. V. et al. (2016), "Cartografia social: instrumento de luta e resistência no enfrentamento dos problemas socioambientais na reserva extrativista marinha da prainha do canto verde, Beberibe-Ceará", Revista Equador, Vol. 5, No. 4, pp. 106-127.

Di Beneditto, A. P. M. (2001), "A pesca artesanal na costa norte do Rio de Janeiro". Bioikos, Vol. 15, No. 2. pp. 103-107.

Etene (2010), Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste. Situação do setor produtivo da lagosta no Nordeste. Informe Rural ETENE. Ano 4, nº 02.

Falcão V. A.; Correia A. R. (2012), "Eficiência portuária: análise das principais metodologias para o caso dos portos brasileiros", Journal of Transport Literature, Vol. 6, No. 4, pp. 133-146.

FAO. Orientaciones técnicas para la pesca responsable. Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, 81 p., Roma, 1999.

Fonteles-Filho A. A.; Guimarães, M. S. S. (2000), "Diagnóstico da situação econômica da indústria lagosteira no estado do Ceará", Arquivos de Ciências do Mar, Vol. 33, pp. 5-15.

Freitas Netto, R.; Di Beneditto, A. P. M. (2007), "Diversidade de artefatos da pesca artesanal marinha do Espírito Santo". Biotemas, Vol. 20, No. 2, p. 107-119.

Fuzetti L.; Corrêa M. F. M., (2009). "Perfil e Renda dos Pescadores Artesanais e das Vilas da Ilha do Mel – Paraná, Brasil". Boletim do Instituto de Pesca, Vol. 35, No. 4, pp. 609-621.

Garcia, D. S. S. (2012), "A atividade portuária como garantidora do princípio da sustentabilidade", Revista Direito Econômico e Socioambiental, Vol. 3, No. 2, pp. 375-399.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2017). Base de dados por municípios das Regiões Geográficas Imediatas e Intermediárias do Brasil. Acesso em: 10 de fev. 2019.

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (2002), Boletim estatístico da pesca marítima e estuarina do Nordeste do Brasil, Tamandaré: Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira do Nordeste do Brasil.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2006), Pesca - O mar não está pra peixe. Ano 3, Edição 20.

Kitzmann D. I. S.; Asmus M. L.; Koehler P. H. W. (2014), "Gestão Ambiental Portuária Desafios, Possibilidades e Inovações em um Contexto de Globalização Espaço Aberto", PPGG - UFRJ, Vol. 5, No. 2, pp. 147-164.

Kury, K. A.; Rezende, C. E.; Pedlowski, M. A. (2010). "O entendimento da população de São João da Barra do Mega-empreendimento do Complexo Portuário e Industrial do Açu em seu cotidiano". Anais V Encontro Nacional da Anppas. 4 a 7 de outubro de 2010. Florianópolis, SC.

Marinho, R. A. (2005), Análise do estado atual da pesca artesanal na comunidade da praia das goiabeiras, no litoral oeste de Fortaleza - Ceará. Dissertação de Mestrado, Departamento de Engenharia de Pesca, Universidade Federal do Ceará, 115 p., Fortaleza.

Pinheiro, W. M.; Silva Farias, A. C. (2016), "Composição específica, bioecologia e ecomorfologia da ictiofauna marinha oriunda da pesca de pequena escala", Boletim do Instituto de Pesca, Vol. 42, No. 1, pp. 181-194.

Ramires M.; Clauzet M.; Rotundo M. M. et al. (2012), "Artisanal Fishing and Fishermen of Ilha Bela, São Paulo State - Brazil", Boletim do Instituto de Pesca, São Paulo, Vol. 38, No. 3, pp. 231-246.

Ribeiro, I.; Castro, A.C.L. (2016), "Pescadores artesanais e a expansão portuária na praia do Boqueirão, Ilha de São Luis - MA", Revista de Políticas Públicas, Vol. 1, pp. 863-884.

Rocha, C. B.; Morato, R. A.; (2009), "Gestão Portuária: análise comparativa entre modelos internacionais e propostas ao modelo atual brasileiro", VII Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos (VII Enaber).

Rodrigues R. A.; Maia L. P., (2007), "Caracterização Sócio-Econômica das Comunidades de Pescadores do Município de Aquiraz - Ceará", Arquivos de Ciências do Mar, Vol. 40, No. 1, pp. 16-23.

Silva, S. M. M. C. (2004), Caracterização da pesca artesanal na costa do Estado do Ceará, Brasil. Tese (Doutorado em Ecologia e Recursos Naturais) – Universidade Federal de São Carlos. 262p.

Silva, S. M. M. C.; Rocha, C. A. S. (1999), "Embarcações, aparelhos e métodos de pesca utilizados nas pescarias de lagosta no Estado do Ceará." Arquivos de Ciências do Mar, Vol. 32, pp. 7-27.

Silva, S. M. M.; Cavalcante, P. P. L. (1994). Perfil do setor lagosteiro nacional. IBAMA.

Soares D. C. E.; Marques R. R.; Lima D. S. et al. (2018), “Caracterização da Pesca Artesanal no Município de Porto do Mangue, RN, Brasil”, Revista Brasileira de Engenharia de Pesca, Vol.11, No. 2, pp. 36-43.

Souza, T. N.; Oliveira, V. P. S. (2010), "Conflito socioambiental entre atividades de pesca artesanal marinha e implantação de atividades portuárias no Norte Fluminense". Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Campo dos Goytacazes/RJ, Vol. 4, No. 2, pp. 219-229.

Vasconcellos, M.; Diegues; A. C. S. A.; Sales, R. R. (2007), "Limites e possibilidades na gestão da pesca artesanal costeira". In: Costa, A. L. (Org.) Nas Redes da Pesca Artesanal, Brasília: IBAMA – MMA.

Vianna, M. (Org.) (2009), "Diagnóstico da cadeia produtiva da pesca marítima no Estado do Rio de Janeiro: relatório de Pesquisa", Rio de Janeiro: FAPERJ: SEBRAE-RJ.

Walter, T.; Wilkinson, J.; Silva, P. A. (2012), "A análise da cadeia produtiva dos catados como subsídio à gestão costeira: as ameaças ao trabalho das mulheres nos manguezais e estuários no Brasil", Revista de Gestão Costeira Integrada, Vol. 12, No. 4, pp. 483-497.


Recebido: 17 jul. 2019

Aprovado: 05 set. 2019

DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n3.1586

Como citar: Fonseca, E. M. (2019), “Diagnóstico da pesca artesanal na área de influência do porto de Mucuripe, em Fortaleza (CE): subsídios à gestão pesqueira regional”, Sistemas & Gestão, Vol. 14, No. 3, pp. 279-290, disponível em: http://www.revistasg.uff.br/index.php/sg/article/view/1586 (acesso dia mês abreviado. ano).