Utilização de agrotóxicos no Brasil e sua correlação com intoxicações

Danielle Chaves Gonçalves Tavares

danichaves@poli.ufrj.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Diva Tiemi Shinoda

divatiemi@poli.ufrj.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Selma Saraiva da Costa Moreira

selmass@poli.ufrj.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

Amarildo da Cruz Fernandes

amarildo@poli.ufrj.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.


RESUMO

Este trabalho investiga a série histórica de consumo de agrotóxicos no Brasil e os tipos de agravos relacionados à sua exposição na saúde dos trabalhadores, analisando estatisticamente a hipótese de relação entre o consumo de agrotóxicos e o aparecimento de sintomas. Os resultados evidenciados na investigação confirmam a hipótese e apontam para a necessidade de melhorias na orientação sobre o uso seguro dos agrotóxicos e nas políticas públicas de prevenção e saúde, que asseguram um labor mais seguro às pessoas, além de uma fiscalização mais atuante, principalmente nos estados da Região Sudeste.

Palavras-chave: Agrotóxicos, Saúde do Trabalhador, Estatística.


INTRODUÇÃO

O tema agrotóxico vem sendo discutido no cenário nacional através do Projeto de Lei nº 6.299/2002, que tem por objetivo alterar a Lei nº 7.802/1989. Várias entidades de renome estão se pronunciando a respeito, entre as quais o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2018), que publicou nota pública, que em parte diz o seguinte:

“No atual cenário mundial, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos e, em dez anos, o mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%. Destaca-se, porém, na literatura científica nacional e internacional, que o modelo atual de cultivo, com o intensivo uso de agrotóxicos, gera insegurança alimentar e outros malefícios, como poluição ambiental, contaminação de mananciais, do solo, do ar e intoxicação de trabalhadores rurais e da população em geral. Dentre os efeitos sobre a saúde humana associados à exposição aos agrotóxicos, os mais preocupantes são as intoxicações crônicas, caracterizadas por infertilidade, impotência, abortos, malformações, neurotoxicidade, manifestada através de distúrbios cognitivos e comportamentais e quadros de neuropatia e desregulação hormonal, ocorrendo também em adolescentes, causando impacto negativo sobre o seu crescimento e desenvolvimento dentre outros desfechos durante esse período.”

Pela Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, e pelo Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002 que a regulamentou, tem-se a definição de agrotóxicos e afins no artigo 1º, inciso IV.

“...IV - agrotóxicos e afins - produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento...”

Os agrotóxicos são substâncias que possuem como principal finalidade a proteção dos produtos agrícolas contra a ação de seres vivos nocivos e, por muitas vezes, ao serem utilizados de maneira incorreta, acabam por gerar riscos à saúde. O uso inadequado dessas substâncias, a alta toxicidade de certos produtos, a falta de utilização de equipamentos de proteção e a precariedade dos mecanismos de vigilância são as maiores causas de doenças e intoxicações provocadas pelos agrotóxicos.

Na Tabela 1, a seguir, tem-se a classificação dos agrotóxicos de acordo com os efeitos à saúde humana, segundo os preceitos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Tabela 1. Classes toxicológicas e suas respectivas cores de faixa

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Fonte: Anvisa, 2018, p. 10

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) efetua a avaliação do potencial de periculosidade em relação ao meio ambiente, conforme ilustrado na Tabela 2.

Tabela 2. Avaliação do potencial de periculosidade ambiental

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Fonte: Ibama, 2018

Há inúmeros estudos que discutem o uso dos agrotóxicos no Brasil. Pode-se dizer que uma obra de referência foi apresentada por Bombardi (2017), que elaborou o Atlas da Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. O trabalho constitui um levantamento de dados exaustivo sobre a temática de agrotóxicos no Brasil, fazendo um paralelo com o que acontece na União Europeia.

Gomes et al. (2018), em uma revisão da literatura identificando os principais agravos à saúde dos trabalhadores rurais que utilizam agrotóxicos na produção agrícola, destacam, entre os agravos, a intoxicação exógena aguda, que causa náusea, vômito, cefaleia, tontura, desorientação, hiperexcitabilidade, irritação de pele e mucosas, dificuldade respiratória, hemorragia, convulsões, coma e até a morte. E entre os inúmeros efeitos crônicos dos agrotóxicos sobre a saúde humana, descrevem, entre outros, as alterações imunológicas, as genéticas, as malformações congênitas e o câncer.

Por sua vez, Vieiro et al. (2016) buscaram conhecer as percepções de trabalhadores rurais sobre os riscos advindos do uso de agrotóxicos para sua saúde e observaram que estes negam associação direta entre o uso de agrotóxicos e problemas de saúde, evidenciando a não utilização adequada dos equipamentos de proteção individual (EPI).

Abreu e Alonzo (2014) apresentam uma revisão crítica sobre a abordagem do “uso seguro” de agrotóxicos nos artigos científicos publicados nos últimos 15 anos no Brasil. Os autores concluem que os estudos não abordam, simultaneamente, todas as atividades de trabalho que envolvem exposição e risco de intoxicação (aquisição, transporte, armazenamento, preparo e aplicação, destino final de embalagens vazias e lavagem de roupas/EPI contaminados), tampouco abordam de maneira abrangente as diversas medidas de “uso seguro” descritas pelos manuais de segurança, obrigatórias para cada atividade.

Há que se destacar que apesar de inúmeros trabalhos relativos ao uso de agrotóxicos e suas consequências na saúde do trabalhador agrícola, há escassez de trabalhos de natureza estatística que busquem correlacionar o uso dos agrotóxicos e a saúde das pessoas que manuseiam ou entram em contato com o agente tóxico, o que caracteriza uma lacuna na literatura nacional.

OBJETIVOS

Este trabalho tem o objetivo de estudar a série histórica de consumo de agrotóxicos de uso agrícola, doméstico ou de saúde pública no Brasil, no período de 2007 a 2017. Além disso, foca nos tipos de agravos relacionados à exposição a agrotóxicos na saúde das pessoas, especialmente trabalhadores, analisando estatisticamente (testes de correlação e regressão) a hipótese de que há relação entre o consumo de agrotóxicos e o aparecimento dos primeiros sintomas de intoxicação.

METODOLOGIA

Foi aplicada a metodologia de pesquisa bibliográfica, seguida de aplicação de técnicas da modelagem estatística. A pesquisa bibliográfica foi realizada através de artigos, periódicos, livros, catálogos e sites da internet no intuito de compilar o maior número possível de trabalhos específicos desta área de estudo. Os dados aplicados no estudo de modelagem estatística foram retirados dos sites do Ibama, da Anvisa e do Ministério da Saúde. Utilizou-se os softwares Excel e Minitab, a fim de confirmar possíveis relações entre o consumo dos agrotóxicos e os índices de intoxicações nos trabalhadores. Para realização das análises, foi aplicado um corte temporal e estabelecido um critério geográfico no período de 2007 a 2017 dentro dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Foram efetuadas análises estatísticas descritivas e estudos das variáveis, considerando-se a comercialização de agrotóxicos por princípio ativo. Posteriormente, várias hipóteses foram testadas, sempre buscando correlações. Ressalta-se que neste texto os termos comercialização ou vendas serão usados indistintamente e tem o mesmo significado.

A fonte de dados sobre a série histórica de vendas de agrotóxicos e afins, por ingredientes ativos e por unidade da Federação, foi retirada do site Ibama, baseado em dados fornecidos pelas empresas que registraram produtos técnicos, agrotóxicos e afins, referente aos períodos de 2007 a 2017. No site do Ibama, é informado em nota que os dados do período de 2007 e 2008 não foram sistematizados; contudo, com os dados disponíveis antes de 2007 e após 2008 estimou-se estes anos sem perder-se a coerência. Os dados em forma bruta foram retirados do site do Ibama, através da consulta aos “Boletins Anuais de Produção, Importação, Exportação e Vendas de Agrotóxicos no Brasil - Total das Vendas de Agrotóxicos e Afins nas Regiões e Estados Brasileiros Ano a Ano”. A ordenação dos dados se deu em um conjunto que relacionou ano, estado e consumo.

Quanto à série histórica de intoxicação por uso de agrotóxicos, buscou-se nos bancos de dados brasileiros um retrato dos efeitos das intoxicações por uso dos agrotóxicos sobre a sociedade. Como não há uma base específica de fontes consistentes com os dados de intoxicação, optou-se, então, pelo Ministério da Saúde e seu Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan Net), que, segundo o Ministério tem como objetivo coletar, transmitir e disseminar dados gerados rotineiramente pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das três esferas de Governo, por meio de uma rede informatizada, para apoiar o processo de investigação e dar subsídios à análise das informações de vigilância epidemiológica das doenças de notificação compulsória.

O acesso aos dados foi feito pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), criado em 1991 pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) para, entre outros, dar suporte em sistemas de informação. Sua estrutura permite o armazenamento de informações sobre saúde de toda a população brasileira, estando presente em todas as regiões do país, o que torna mais fácil o levantamento de informações. Dentro do universo das informações disponíveis, foi inserido o período desejado (de 2007 a 2017) para os seguintes filtros: quantidade notificações dos primeiros sintomas de doenças associados a agrotóxicos (agrícola, doméstico ou saúde pública), óbitos e sequelas, notificações por faixa etária, por sexo, por estado brasileiro e região do país. Os dados foram organizados e “limpos”, para que pudessem ser lidos pelas ferramentas de análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Análise da série histórica de comercialização de agrotóxico no Brasil - período de 10 anos: de 2007 a 2017

No Brasil, a comercialização de agrotóxicos teve um crescimento acelerado até o ano de 2013, perdendo a força a partir de 2014 diante da crise econômica vivida no país. Entre 2007 e 2017, a comercialização de agrotóxicos passou a marca de 500 mil toneladas por ano. A Figura 1 abaixo mostra a evolução das vendas de agrotóxicos em toneladas até o ano de 2017.

Figura 1. Vendas de agrotóxicos (princípio ativo)

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Fonte: Autores; Ibama, 2018

Como pode ser visto na Tabela 3, os estados de Mato Grosso, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia e Santa Catarina representam 90% de toda a comercialização de agrotóxicos no Brasil, quando olhamos a média de consumo nos anos de 2016 e 2017. Em 2017, os estados de Mato Grosso e São Paulo comercializaram individualmente 100.638 e 77.232 toneladas, respectivamente. No total foram comercializadas 518.564 toneladas em 2017.

Tabela 3. Participação dos primeiros 11 estados na comercialização de agrotóxicos

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Na Figura 2, todas as regiões brasileiras vêm apresentando incremento na comercialização de agrotóxicos com destacada participação da Região Centro-Oeste e Sul. A expansão da produção agrícola nestas regiões justifica-se, em grande parte, principalmente na região sul, o uso intensivo de agrotóxicos e os níveis de comercialização observados.

Figura 2. Vendas de Agrotóxicos (Princípio Ativo) por Região

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Fonte: Autores; Ibama, 2018

É importante frisar que a partir de 2008, o Brasil assumiu o posto de maior mercado consumidor de agrotóxicos no mundo. As vendas do produto somaram U$$ 7,125 bilhões, diante de U$$ 6,6 bilhões do segundo colocado, os Estados Unidos, segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag). O uso de agrotóxicos tendo sido parte fundamental de um modelo agrícola que busca elevados índices de produtividade. No entanto, o impacto social e ambiental demanda constante preocupação por parte da sociedade, como podemos observar a partir dos casos de intoxicação exógena no Brasil, seja por agrotóxico no uso agrícola, doméstico ou de saúde pública.

Análise da série histórica de intoxicação por uso de agrotóxico no Brasil - período de 10 anos: de 2007 a 2017

Até 2006, os registros dos primeiros sintomas eram poucos expressivos. Em 2007 as ocorrências começam a ser notificadas. No período entre 2007 e 2012, os dados sobre os primeiros sintomas praticamente duplicaram, chegando à marca de 5.283 casos em 2012. Cinco anos depois, em 2017, foi ultrapassado o número de 7.199 casos. Como pode ser observado na Tabela 4, no período compreendido entre 2007 e 2017, a tendência foi crescente, seja pelo aumento do uso de agrotóxicos e seu uso inadequado, ou mesmo pelo surgimento dos efeitos oriundos de exposição crônica, muitas das vezes levam mais tempo para aparecer.

Tabela 4. Número de casos de primeiro sintoma por ano

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Quando olhamos o quadro evolutivo dos primeiros sintomas por região (Figura 3), observamos a mesma tendência de crescimento do país como um todo. Vale destacar que a Região Sudeste é a que apresenta o maior número de ocorrências seguidas pela Região Sul e Nordeste. É possível depreender que em regiões mais distantes e remotas tenhamos subnotificação e que, portanto, os registros podem não espelhar a real situação envolvendo as intoxicações.

Figura 3. Primeiros sintomas por região

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

Não seria razoável analisar de forma absoluta o número de casos dos primeiros sintomas de intoxicação por agrotóxicos para cada estado, uma vez que diferentes estados possuem níveis de consumo bastante desiguais. A fim de caracterizar cada estado, foi calculada a taxa de casos por mil toneladas comercializadas entre os anos de 2016 e 2017, como pode ser visto na Tabela 5. Ceará, Amazonas, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Paraíba apresentaram taxas acima de 100 casos para cada mil toneladas comercializadas. Estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Rio Grande do Sul e Goiás, tiveram os menores índices. No Brasil, como um todo, o índice é de 13,2 casos dos primeiros sintomas a cada mil toneladas. Assim, dos 27 estados, nove se encontram abaixo da média nacional, sendo Ceará e Amazonas os piores casos, e Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são os estados com menor índice de ocorrências.

Tabela 5. Número de casos de primeiro sintoma a cada 1000 toneladas, 2016 e 2017

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Quando se observa o número dos primeiros sintomas por faixa etária e por sexo (Figura 4), verificamos o seguinte: o número de casos é mais expressivo na faixa etária de 15 a 39 anos, seguida pela faixa de 40 a 69 anos, que são as faixas mais predominantes na força produtiva. Os sintomas após os 70 anos decaem pelo menor contato com os agrotóxicos.

Figura 4. Primeiros sintomas por faixa etária e sexo

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

No tocante ao gênero é possível observar que o sexo feminino possui uma participação de 30 a 40% no número de casos. Isso demonstra que as intoxicações atingem um percentual significativo de mulheres, compatíveis com as divisões de trabalho, especialmente no contexto agrícola.

Relações entre comercialização e sintomas

Neste estudo buscou-se correlacionar a associação entre a comercialização de agrotóxicos e as notificações de intoxicação. Para fazer isso procurou-se fazer uma análise estatística de correlação e um estudo de regressão. A análise de correlação dedica-se a inferências estatísticas das medidas de associação linear entre duas variáveis, a partir do cálculo do coeficiente de correlação de Pearson (r). Valores de (r) próximos de -1,0 ou 1,0 indicam forte associação, enquanto valores próximos de zero indicam ausência de correlação. Pode-se obter um p-valor para testar se há uma evidência suficiente que o coeficiente de correlação não seja zero.

Por outro lado, o estudo da regressão analisa o relacionamento entre uma variável dependente e uma ou mais variáveis independentes. Este relacionamento é representado por um modelo matemático, isto é, por uma equação que associa a variável dependente com as variáveis independentes. O coeficiente de determinação (R2) é uma medida de ajustamento de um modelo estatístico linear em relação aos valores observados. O (R2) varia entre 0 e 1, indicando, em percentagem, o quanto o modelo consegue explicar os valores observados. Quanto maior o (R2), mais explicativo é o modelo, ou seja, melhor ele se ajusta a amostragem.

Observando-se o gráfico da Figura 5, que retrata a série histórica da comercialização de agrotóxico e as notificações de intoxicação, pode-se constatar que ao nível nacional ambas apresentam comportamento bastante similar no decorrer do tempo. O cálculo do coeficiente de Pearson revela o seguinte:

Correlação: Comercialização x 10 Sintomas

Correlação de Pearson 0,972

Valor – P 0,000

Como o valor é positivo e muito próximo de 1,0, e valor-p, menor que alfa=0,05, pode-se afirmar que existe boa correlação entre os dados de consumo e os registros dos primeiros sintomas para o país entre os anos de 2007 a 2017.

Figura 5. Série temporal de vendas de agrotóxicos e registos de intoxicações

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

A correlação observada entre vendas de agrotóxicos e intoxicações em nível nacional necessariamente pode não implicar correlações em níveis locais, uma vez que as escalas, as formas de manuseio, intensidade de usos, entre outras, podem ser bem distintas de estado para estado ou região do país. No intuito de verificar esta mesma associação dentro dos estados, o cálculo das correlações foi estendido para cada unidade da Federação e dentro do mesmo período de análise.

Para sintetizar estes números, foi construída uma Tabela que apresenta o coeficiente de correlação para cada estado e região, como pode ser visualizado na Tabela 6. Buscou se destacar aqueles valores de correlação de Pearson acima de 0,7, a fim de identificar estados com altos valores de correlação.

Tabela 6. Correlação entre comercialização (t) e primeiros sintomas, 2007-2017

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

Dos 27 estados da Federação, incluindo o Distrito Federal, 13 apresentaram correlação positiva entre comercialização e primeiros sintomas de intoxicação. Em dois estados, Acre e Amapá, não foi possível determinar a correlação. Em 12 estados não se encontrou associação significativa entre as variáveis. Vale destacar que dos 6 estados que mais comercializam agrotóxicos, representando 76% do total, três destes, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais apresentaram correlação positiva acima ou igual a 0,90. Mato Grosso, São Paulo e Paraná, 3 dos 4 maiores estados em vendas de agrotóxicos no Brasil, apresentaram pouca evidência de associação entre as variáveis analisadas. Também pode-se observar que a Região Norte e Nordeste apresentaram os maiores índices de correlação.

Quando olhamos sobre a perspectiva da regressão, podemos verificar que a variável independente “comercialização” tem um poder explicativo de 94.41% da variável independente “primeiros sintomas”, como pode ser observado na Figura 6.

Figura 6. Correlação entre comercialização de agrotóxicos e intoxicações

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

A partir da elaboração da Tabela 7, de Análise de Variância, relativamente ao modelo de regressão, é possível demonstrar que a variável preditora “Comercialização (ton)” apresenta valor valor-p menor de que um nível de significância alfa de 0,05, significando que a variável preditora têm relação estatisticamente significativa com a variável “primeiros sintomas”.

Tabela 7. Análise de variância

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Estatisticamente, pode-se dizer que à medida que mais toneladas de agrotóxicos são comercializadas mais casos de intoxicação venham acontecer. A partir da equação 1, a seguir, pode-se estimar a quantidade de novos casos para cada mil toneladas comercializadas. Admitindo-se uma comercialização anual de 500 mil toneladas no Brasil, pode-se esperar em torno de 6.696 novos casos de intoxicação causada por agrotóxicos por ano.

Equação 1: Primeiros Sintomas (Casos) = 0,0131 x (Toneladas Comercializadas) + 146

É curioso notar, entretanto, que embora possa se observar no Brasil estreita conexão entre a comercialização de agrotóxicos e a geração de primeiros sintomas devido a intoxicação, os estados de Mato Grosso, São Paulo e Paraná, que fazem parte dos quatro maiores comercializadores de agrotóxicos, possuem baixo R2 , analisado em 0,08, 0,0143 e 0,35, respectivamente, e consequentemente baixa correlação entre vendas e primeiros sintomas (Figura 7).

Neste contexto é importante destacar que o estado de Mato Grosso possui uma das menores taxas de ocorrências de intoxicação média em dez anos, de 129 casos por ano, mesmo a despeito de apresentar o maior volume de comercialização.

O estado de São Paulo foi o que apresentou a maior quantidade absoluta de intoxicações ao longo dos últimos dez anos, totalizando mais de 8.000 casos. Destaca-se, também, que há uma tendência crescente no número de ocorrências, sendo que nos últimos 3 anos, São Paulo registrou uma média de mil casos por ano.

O estado do Paraná, quarto maior em comercialização, mantém uma média persistente em torno 830 casos por ano ao longo de dez anos, o qual varia pouco em função da quantidade comercializada.

Figura 7. Regressão linear: vendas x primeiros sintomas nos estados de Mato Grosso – MT, São Paulo – SP, e Paraná – PR

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

O Rio Grande do Sul, terceiro estado em comercialização de agrotóxicos, evidencia uma alta correlação entre vendas e primeiros sintomas (r=0,92) e as vendas explicam R2=85.3% dos sintomas. Neste estado, os casos são a metade dos de Minas Gerais, embora a comercialização seja o dobro neste último. Minas Gerais, com uma média em torno de 21 casos para cada mil toneladas comercializadas, apresenta R2 = 85,59%, somando uma quantidade persistente de 900 casos por ano nos últimos 3 anos.

O estado de Goiás, sexto em comercialização, apesar da boa correlação entre vendas e intoxicações (R2=81,1%), figura entre aqueles estados que possui a menor taxa de sintomas por mil toneladas comercializadas, e mantém uma média de 8 casos para cada mil toneladas comercializadas.

Figura 8. Regressão linear: vendas x primeiros sintomas nos estados do Rio Grande do Sul – RS, Minas Gerais – MG, e Goiás – GO

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

Não seria satisfatório desenvolver diversas estatísticas envolvendo intoxicação com agrotóxicos se não pudéssemos estabelecer a quantidade de pessoas que que morrem ou ficam com sequelas diante do contato e intoxicação com agrotóxicos. Na Figura 9 é possível verificar que a taxa de óbitos e sequelas devido a agrotóxico agrícola, doméstico, ou de saúde pública, no período de 2007-2017, situa-se em torno de 5,3% em relação os totais de notificações de intoxicações anuais. Considerando 6.700 notificações anuais, é de se esperar que aproximadamente 355 pessoas venham a óbito ou fiquem com sequelas devido ao contato e manuseio de agrotóxicos. As regiões Nordeste e Sudeste apresentam os maiores índices de mortalidade, com 37,3% e 26%, respectivamente, sendo Pernambuco e São Paulo os estados com o maior número de óbitos ao longo do período observado.

É bom lembrar que não estão contabilizados no estudo efeitos de mais longo prazo que não podem ser auferidos, devido as notificações estarem associadas especificamente aos efeitos mais visíveis e compreendidos no curto espaço de tempo. Nas situações de morte envolvendo agrotóxicos, há a necessidade de comprovar que de fato foi a intoxicação que causou o óbito, quadro que nem sempre é fácil de provar, principalmente em se tratando de situações onde a intoxicação ocorreu em regiões agrícolas mais distantes e desprovidas dos melhores recursos técnicos para investigar o nexo causal que pode ter levado a morte.

Figura 9. Taxa de óbitos e sequelas devidos à intoxicação

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Fonte: Autores; DATASUS, 2019

Assim, ao analisar as fontes de dados do SINAN e os óbitos causados por esses agravos é possível acreditar que muitos casos sejam subnotificados ou possuam notificação irregular dos óbitos. Esse fato acaba dificultando não só as pesquisas e quantificações mais precisas desses eventos, como também dificultam as notificações judiciais contra as empresas produtoras de agrotóxicos.

CONCLUSÃO

A intenção do trabalho era testar a hipótese de que há relação entre consumo de agrotóxicos e o aparecimento de sintomas referentes aos mesmos, podendo inclusive ser motivo de nexo causal concernente as doenças do trabalho. Tal hipótese foi confirmada se observamos de forma agregada o país como um todo (R2=94%), bem como em 13 estados do Brasil, com R2 acima de 75%. Logo, é fundamental o aprofundamento dessas questões, de forma a evitar o adoecimento da população brasileira, principalmente o trabalhador rural do país.

Nesse sentido, cabe a cada estado brasileiro avaliar em profundidade a evolução, a distribuição e a incidência de casos de intoxicação, sobretudo naqueles estados que possuem elevadas taxas de casos de intoxicação a cada mil toneladas comercializadas, tais como, Ceará, Amazonas, Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Mesmo os estados que não apresentaram evidência de correlação entre comercialização de agrotóxicos e intoxicações, tais como São Paulo e Paraná, merecem atenção ao apresentarem de forma persistente um elevado número de ocorrências.

Outro aspecto relevante é o indicador de óbitos. O estudo identificou que o maior índice de fatalidades acontece na Região Nordeste, apesar de ocupar a 4° posição no consumo de agrotóxicos dentre as regiões do Brasil. Tal fato demanda uma atenção aos programas de orientação aos trabalhadores sobre o manuseio e aplicação correta do produto, sobretudo em Pernambuco, que concentra 18% de todos os óbitos observados entre 2007 e 2017.

A indicação de que as mulheres apresentam altos índices (30 a 40%) de intoxicação pelo uso do agrotóxico também requer um estudo mais aprofundado. Na nota pública do INCA (2018), acerca do Projeto de Lei nº 6.299/2002, relata que dentre os efeitos da intoxicação crônica, os mais preocupantes são: infertilidade; abortos; malformações; neurotoxicidade; manifestações através de distúrbios cognitivos e comportamentais; quadros de neuropatia e desregulação hormonal.

Dentre outros os aspectos que merecem atenção, depreende-se também a subnotificação, ou seja, a não emissão das Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT), necessárias quando existe nexo causal do adoecimento com as atividades desempenhadas no trabalho. É interessante notar que a intoxicação por agrotóxico não é considerada um agravo de notificação compulsória no Brasil, embora seja considerada de interesse nacional e notificada pelas unidades de saúde no Sinan (conforme Portaria nº 777/GM, 28/04/2014). O próprio Ministério da Saúde estima que a subnotificação faz com que, para cada evento de intoxicação por agrotóxico notificado, há outros 50 não notificados.

Todos estes elementos juntos devem acender um alerta para o grande número de trabalhadores rurais que podem estar desassistidos, além de sugerir ineficiência de políticas públicas que amparem um grupo significativo de cidadãos responsáveis pela produção agrícola no Brasil.


REFERÊNCIAS

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 2018. Guia para elaboração de rótulo e bula de agrotóxicos, afins e preservativos de madeira. Brasília: Anvisa. http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/4016300/GUIA++Elabora%C3%A7%C3%A3o+de+R%C3%B3tulo+e+Bula+-+vers%C3%A3o+28-9-2017+DIARE.pdf/85a0fb5f-a18b-478c-b6ea-e6ae58d9202a?version=1.0

Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Monografia de agrotóxicos. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/registros-e autorizacoes/agrotoxicos/produtos/monografia-de-agrotoxicos>. Acesso em 25 agosto 2015.

Bombardi, L.M. 2017. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões com a União Europeia. São Paulo: Laboratório de Geografia Agrária, Universidade de São Paulo.

Brasil. 2002. Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro de 2002. Brasília: Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4074.htm

Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). 2018. http://datasus.saude.gov.br/

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 2018. Boletins anuais de produção, importação, exportação e vendas de agrotóxicos no Brasil: 2005-2010. Brasília: Ibama. http://www.ibama.gov.br/agrotoxicos/relatorios-de-comercializacao-de-agrotoxicos#historicodecomercializacao

Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). 2018. Nota pública acerca do posicionamento do Instituto Nacional de Câncer sobre o Projeto de Lei nº 6.299/2002. Rio de Janeiro: INCA. https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//nota-publica-inca-pl-6299-2002-11-de-maio-de-2018.pdf

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 2012. Manual de Procedimentos para Registro de Agrotóxicos. Brasília: MAPA, 2012. http://www.agricultura.gov.br/assuntos/insumos-agropecuarios/insumos-agricolas/ agrotoxicos/arquivos/manual-de-procedimentos-para-registro-de-agrotoxicos.pdf

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). 2018. AGROFIT – Banco de informações sobre os produtos agroquímicos e afins registrados no Ministério da Agricultura. http://agrofit.agricultura.gov.br/agrofit_cons/principal_agrofit_cons

Ministério da Saúde do Brasil. 2016. Agrotóxicos na ótica do Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde. http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/agrotoxicos_otica_sistema_unico_saude_v1_t.1.pdf

Sistema de Informação de Agravos de Notificação. 2019. http://portalsinan.saude.gov.br/sinan-net


Recebido: 01 maio 2019

Aprovado: 10 fev. 2020

DOI: 10.20985/1980-5160.2020.v15n1.1532

Como citar: Tavares, D.C.G., Shinoda, D.T., Moreira, S.S.C., Fernandes, A.C. (2020), Utilização de agrotóxicos no Brasil e sua correlação com intoxicações, Revista S&G 15, No. 1, 2-10. https://revistasg.emnuvens.com.br/sg/article/view/1532