Avaliação de criticidade de peças sobressalentes utilizando o método Analytic Hierarchy Process com ratings

Lincon Antonio da Silva

eng_lincon@hotmail.com
Universidade Federal Fluminense – UFF, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil.

Cecilia Toledo Hernández

ctoledo@id.uff.br
Universidade Federal Fluminense – UFF, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil.

Nilson Brandalise

nilson_01@yahoo.com.br
Universidade Federal Fluminense – UFF, Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil.


RESUMO

Peças sobressalentes importantes devem ser mantidas em estoque e seu inventário devidamente controlado para substituir componentes desgastados e/ou defeituosos por novos e minimizar os tempos de inatividade nas diversas atividades de manutenção. No entanto, a posse de peças sobressalentes em estoque para uma pronta disponibilidade (quando são necessárias) pode implicar, em caso de peças dispendiosas e raramente usadas, altos custos de retenção de estoques. Neste trabalho, é apresentada uma abordagem de avaliação da criticidade de peças sobressalentes utilizando o método AHP com o uso de ratings (Analytic Hierarchy Process Ratings Model). A estrutura da hierarquia de decisão elaborada relaciona-se às consequências causadas pela falha de um sobressalente no processo, no caso de uma substituição não estar prontamente disponível com atributos de demanda e suprimentos, segmentando as prioridades pelos critérios Vital, Essencial e Desejável (VED). O modelo proposto foi aplicado em peças sobressalentes de baixíssimo giro de uma organização integrante de uma empresa de capital intensivo, situada no Sul Fluminense, utilizando o procedimento de Saaty para a definição de prioridades por meio do software de livre acesso Super Decisions, permitindo a priorização das peças a serem estocadas e o estabelecimento de políticas de gestão diferenciadas para cada classe.

Palavras-chave: Análise Multicritério; Analytic Hierarchy Process; Ratings Model; Estoque; Sobressalentes.


1 INTRODUÇÃO

Muitas indústrias intensivas em capital dependem da disponibilidade de seus ativos para manufaturar seus produtos. Esses são essenciais para os processos produtivos e seus tempos de inatividade (indisponibilidade) precisam ser minimizados, pois podem resultar em: (i) perda de receita (por exemplo, devido à paralisação de máquinas em um ambiente de produção), (ii) insatisfação do cliente e possíveis reivindicações associadas (por exemplo, atrasos de fornecimento) ou (iii) risco à segurança de pessoas, instalações e ao meio ambiente (por exemplo, centrais elétricas). Geralmente, as consequências do tempo de inatividade dos ativos são muito dispendiosas (Driessen et al., 2014).

Para minimizar os tempos de inatividade, são realizadas diversas atividades de manutenção, as quais necessitarão eventualmente de peças sobressalentes para substituir componentes desgastados e/ou defeituosos por novos.

Cavalieri et al. (2008) consideram que, em caso de paradas não planejadas, típicas de uma atividade de manutenção corretiva, o tempo de inatividade é composto de muitos elementos que podem comprometer fortemente a produtividade de uma planta. Além do tempo inativo exigido para diagnosticar e remover a causa da avaria, há elementos específicos de tempo associados ao devido apoio logístico às atividades da manutenção: se a peça sobressalente não estiver disponível em estoque, pode haver atrasos no provisionamento, como a emissão de pedido de compra, negociação, prazo de entrega e que, para itens específicos, como peças confeccionadas sob desenho, podem atingir várias semanas ou meses.

No entanto, a posse de peças sobressalentes em estoque para uma pronta disponibilidade (quando são necessárias) pode implicar, em caso de peças dispendiosas e raramente usadas, altos custos de retenção de estoques (Cavalieri et al., 2008). Estas peças sobresselentes devem estar disponíveis na quantidade e no tempo certo (Almeida et al., 2015). Almeida et al. (2015) observam que a gestão destes recursos é uma das tarefas mais críticas da Gestão de Manutenção.

Gajpal et al. (1994) ponderam que uma abordagem sistemática e científica para a gestão de peças sobressalentes pode resultar na minimização do inventário de peças sobressalentes e do tempo de inatividade da máquina. Consideram, ainda, a necessidade de avaliar e especificar a importância dos itens no inventário, tendo em mente os usos específicos de diferentes peças sobressalentes. Fatores como custo de reposição, disponibilidade, condições de armazenamento, probabilidade de falha de um sobressalente, custos de inatividade, dentre outros, devem ser ponderados durante o gerenciamento de estoques de peças sobressalentes. Nesse contexto, a criticidade de itens individuais deve ser considerada, o que descreve quão crucial uma peça sobressalente é (Stoll et al., 2015).

Stoll et al. (2015) sugerem a avaliação de criticidade de uma peça sobressalente de acordo com o risco na aquisição e armazenamento ou consequências causadas por falha da máquina, se a peça sobressalente não estiver disponível. Na prática, a situação insatisfatória é que todas as peças sobressalentes são tradicionalmente adquiridas, armazenadas e fornecidas de acordo com uma avaliação intuitiva e, portanto, as características individuais destas não são levadas em consideração.

Por estas razões, o objetivo deste artigo é apresentar uma abordagem de avaliação da criticidade de peças sobressalentes. Para tal, será utilizado o método AHP com o uso de ratings (Analytic Hierarchy Process Ratings Model).

O método AHP vem sendo utilizado em vários cenários para tomada de decisões com múltiplos critérios e alguns mutuamente conflitantes (como o caso de disponibilidade da peça e o custo associado ao estoque). Essa escolha também se justifica devido à sua aplicabilidade, simplicidade e facilidade (Saaty, 2001). A opção da utilização da classificação por ratings tem a vantagem de poder avaliar rapidamente um grande número de alternativas, e os resultados são adequadamente próximos (Saaty, 2008).

Este artigo está organizado do seguinte modo: na seção 2, apresenta-se uma revisão de literatura sobre a análise de criticidade de sobressalentes e o método AHP. Na seção 3 está a metodologia e o desenvolvimento do AHP com ratings. A seção 4 apresenta exemplos de aplicação em peças sobressalentes de uma indústria intensiva em capital e as análises de dados. E, por fim, na seção 5, são apresentadas as principais conclusões e recomendações para trabalhos futuros.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Manutenção e a gestão de peças sobressalentes

A gestão de peças sobressalentes influencia positivamente no gerenciamento de manutenção, uma vez que leva a uma maior confiabilidade e disponibilidade de equipamentos e, portanto, tem um impacto direto na rentabilidade do negócio (Almeida et al., 2015).

Almeida et al. (2015) consideram que, comparados com outros tipos de modelos de estoque, como matéria-prima para processos de fabricação, o dimensionamento e gerenciamento de estoques de peças sobressalentes constituem tarefas muito mais complexas, considerando que insumos de fabricação são geralmente mais fáceis de prever sua demanda, especialmente quando comparamos seu turnover. Os estoques de produção geralmente seguem as regras de mercado, mas peças sobressalentes são necessárias, com base nas taxas de falha e no design de confiabilidade do sistema.

Normalmente, quando uma falha ocorre, o item com falha é substituído por um sobressalente, que deve estar disponível. Por vezes, o item defeituoso é enviado para reparo e, posteriormente, retorna tão bom quanto novo ao estoque de peças sobressalentes (Almeida, 2001).

O desafio da gestão é decidir sobre a conveniência econômica na detenção e controle do estoque de um item específico, pois existe o risco de aumento de estoques e, consequentemente, custos excessivos de armazenamento. Uma prática comum para um gerenciamento de inventário eficaz é agrupar as peças de sobressalentes de acordo com algum método de classificação (Hu et al., 2018).

2.2 Criticidade de peças sobressalentes

Teixeira et al. (2017) consideram que a classificação de peças sobressalentes é um passo relevante para orientar todo o processo de gerenciamento, e muitas vantagens podem ser obtidas pela classificação adequada. Segundo Huiskonen (2001) e Molenaers et al. (2012), existem dois tipos de critérios para classificar a criticidade de peças sobressalentes: a criticidade do processo - se a sua falha ou mau funcionamento resultar em graves consequências para a planta, como por exemplo, consequências relacionadas à perda de vidas, contaminação ambiental ou perda de produção - e criticidade de controle - uma peça sobressalente é considerada crítica se a possibilidade de garantir a disponibilidade imediata da peça for difícil de controlar.

A classificação das peças sobressalentes segundo sua criticidade permite a identificação das mais importantes, facilitando o uso de diferentes estratégias de estoque para diferentes classes de peças, além de priorizar os itens mais importantes no gerenciamento de peças de reposição (Hu et al., 2018). Gajpal et al. ( 1994) alegam que procedimentos simples e diretos, como análise ABC - de acordo com o princípio de Pareto - e a análise de FSN (Fast, Slow and No Moving) – de acordo com o giro de estoque - têm sido utilizados na prática para especificar políticas de controle e ajustar períodos de revisão de estoque. Uma grande vantagem destas análises é a simplicidade de aplicação: peças de sobressalentes podem ser classificadas usando apenas um critério (Stoll et al., 2015).

Outras ferramentas comumente utilizadas são métodos qualitativos. A análise VED - acrônimo em inglês para Vital – Essential – Desirable - é um método qualitativo bem conhecido, que classifica as peças sobressalentes segundo sua criticidade, baseado na consulta com especialistas em manutenção (Cavalieri et al., 2008; Roda et al., 2014). De acordo com seus feedbacks, as peças sobressalentes são classificadas como itens vitais (V), essenciais (E) e desejáveis (D). A análise VED utiliza vários critérios na classificação de uma peça sobressalente e, apesar de sua aparente simplicidade, a estruturação da análise pode ser difícil, pois a classificação pode sofrer com os julgamentos subjetivos dos usuários (Cavalieri et al., 2008).

A utilização de vários critérios como base para a classificação é especialmente útil para peças sobressalentes que possuam várias características distintas, além do preço e do volume de demanda (Huiskonen, 2001). A criticidade torna-se relevante, pois permite relacionar as consequências da falha de um sobressalente no processo, no caso de uma substituição não estar prontamente disponível, com outros aspectos de controle da situação, que incluem previsibilidade de falhas, disponibilidade de fornecedores de peças sobressalentes, prazos de entrega etc.

2.3 AHP para avaliar a criticidade de sobressalentes

O AHP é um dos métodos mais apropriados para desenvolver este modelo, já que faz uso de comparações pareadas para descobrir qual a peça sobressalente mais crítica, a incerteza não tem um papel crítico nos critérios e pode ser utilizada uma combinação qualitativa e quantitativa de dados (Sabaei et al., 2015).

Partovi e Burton (1993) foram os primeiros a propor o uso do AHP como uma ferramenta para classificar itens de manutenção (Roda et al., 2014). Gajpal et al. (1994) propuseram um modelo de classificação VED baseado no uso do procedimento AHP para limitar o problema de julgamentos subjetivos. A análise VED-AHP proposta pelos autores identifica três fatores que influenciam a criticidade das peças sobressalentes (o tipo de peças necessárias, o lead time para o provisionamento de peças sobressalentes e a disponibilidade da instalação de produção quando uma peça original falha e uma peça sobressalente é necessária), e o AHP resulta em um índice composto, que é adotado como uma pontuação abrangente para definir o índice de classificação VED.

Braglia et al. (1986) aplicaram o AHP junto com a Manutenção Centrada em Confiabilidade, fazendo o uso de diagramas de decisão a fim de classificar peças sobressalentes e decidir entre diferentes políticas de armazenamento. Eles avaliaram preliminarmente a criticidade das peças, considerando três cenários alternativos no modelo (críticos, importantes e desejáveis) e critérios (por exemplo, perda de produção, problema de qualidade, efeito dominó, etc.) e, em seguida, três árvores de decisão, contemplando as características de fornecimento (lead time, número de fornecedores, possibilidade de reparo), problemas de inventário (custo, espaço de armazenagem, obsolescência) e a taxa de utilização (número de itens aplicados, redundância, frequência de falhas) para classificar e redefinir o nível de estoque das peças sobressalentes.

Outra contribuição é o trabalho de Molenaers et al. (2012). Nele, os autores desenvolveram um método de classificação multicritério para avaliação da criticidade de peças sobressalentes, considerando a criticidade do equipamento, a probabilidade de falha, o tempo de reposição, o número de fornecedores, a disponibilidade de especificações técnicas e o tipo de manutenção. Baseados nestas características, os sobressalentes foram classificados em quatro classes de criticidade: alta, média, baixa e nenhuma.

Antosz e Ratnayake (2019) apresentam como avaliar e priorizar a criticidade de peças sobressalentes para melhorar a disponibilidade e a confiabilidade dos sistemas de manufatura, considerando uma hierarquia de decisão com critérios logísticos (custo de aquisição, lead time, número de fornecedores) e de manutenção (categoria do equipamento, tempo de reposição, complexidade, tipo e frequência da falha, qualificação da equipe de manutenção) e, posteriormente, realizam análise de sensibilidade com base nas comparações entre os pares, manutenção e logística, como meio alternativo para estudar como a seleção final é feita e como diferentes critérios e subcritérios contribuem para as prioridades finais.

2.4 O processo AHP

Saaty (2008) afirma que, para tomarmos uma decisão, precisamos conhecer o problema, a necessidade e o propósito da decisão, os critérios da decisão, seus subcritérios, partes interessadas e grupos afetados e as ações alternativas a serem tomadas. Orienta ainda determinarmos a melhor alternativa ou, no caso de alocação de recursos, priorizarmos as alternativas, de modo a alocarmos a parcela apropriada dos recursos.

Ao longo dos anos, a AHP consolidou-se sobre a pesquisa científica como uma ferramenta flexível implementável para integrar aspectos qualitativos e quantitativos, bem como atribuir pesos a diferentes critérios quando sua importância não é a mesma (Roda et al., 2014). Uma das principais vantagens do AHP é que ele reconhece a subjetividade como inerente aos problemas de decisão e a trata cientificamente, utilizando o julgamento de valor (Pereira et al., 2017).
Para tomar uma decisão de maneira organizada para gerar prioridades, precisamos decompor a decisão nas etapas a seguir (Saaty, 2008):

1 Definir o problema e determinar o tipo de conhecimento pretendido

O objetivo geral a ser alcançado é a meta da decisão, seguida pelos critérios associados ao problema de decisão e das alternativas disponíveis que mais se adaptam ao problema estudado (Pereira et al., 2017).

2 Estruturar a hierarquia de decisão

No topo, define-se o objetivo da decisão, depois os objetivos de uma perspectiva ampla, passando pelos níveis intermediários (critérios dos quais os elementos subsequentes dependem), até o nível mais baixo (que geralmente é um conjunto de alternativas) (Saaty, 2008). Comumente, a estruturação da hierarquia é representada em formato de árvore, como ilustrado na figura 1.

Figura 1. Estrutura hierárquica genérica de problemas de decisão.

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Fonte: (Pereira et al., 2017).

A escolha e a relevância dos critérios para avaliar as alternativas podem ser definidas por meio de consulta a especialistas, ou através de identificação, na literatura, de quais critérios já foram utilizados nos artigos publicados.

3 Construir um conjunto de matrizes de comparação entre pares

Cada elemento em um nível superior é usado para comparar os elementos no nível imediatamente abaixo, sendo esses objetivos ou critérios comparados entre si (Saaty, 2008).

Para as comparações, utiliza-se de uma escala de números que indique quantas vezes mais importante ou dominante um elemento é sobre outro elemento, no que diz respeito ao critério ou propriedade em relação à qual eles são comparados (Saaty, 2008). A tabela 1 apresenta as escalas de valor para julgamentos paritários, variando de 1 a 9, e é denominada Escala Fundamental de Saaty. Se a atividade “i” tiver um uma intensidade de importância atribuída quando comparada com a atividade “j”, então “j” terá o valor recíproco quando comparado com “i” (Saaty, 2008).

Tabela 1. Escala fundamental de Saaty.

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Fonte: Elaborado a partir de (Saaty, 2008).

Os resultados das comparações são apresentados como uma matriz de julgamentos A.

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4 Usar as prioridades obtidas nas comparações para ponderar as prioridades no nível imediatamente abaixo

Isso deve ser replicado para cada elemento. Então, para cada elemento no nível abaixo, deve-se adicionar seus valores ponderados de modo a obter sua prioridade geral ou global. Este processo continua para determinar os pesos adicionais até que as prioridades finais das alternativas no nível mais baixo sejam obtidas. Neste modelo, todos os nós são comparados entre si por pares, para estabelecer prioridades que exigem n.(n-1)/2 comparações (Saaty, 2008). As decisões são determinadas por um único número para o melhor resultado ou por um vetor de prioridades que fornece uma ordenação proporcional dos diferentes resultados possíveis aos quais se pode alocar recursos de uma maneira otimizada, sujeitos a restrições tanto tangíveis quanto intangíveis (Greco et al., 2016).

Saaty (2008) apresenta ainda outro método para obter prioridades para as alternativas, estabelecendo categorias de classificação. Este método, denominado AHP Ratings Model, envolve fazer comparações pareadas com os critérios logo acima das alternativas, conhecidos como os critérios de cobertura, em que são atribuídas intensidades em categorias. Essas intensidades podem variar em número e tipo. Por exemplo: alto, médio e baixo; mais de 15 anos, entre 10 e 15, entre 5 e 10 e menos de 5 (Greco et al., 2016).

As prioridades de cada categoria são derivadas através de comparações pareadas em relação às intensidades (Greco et al., 2016). As alternativas são classificadas uma de cada vez em cada categoria com base nessas intensidades. Em seguida, a prioridade geral de classificação é determinada pela ponderação das prioridades de cada categoria, dos demais critérios e somada às intensidades ponderadas de cada alternativa.

Os dois métodos não fornecem exatamente as mesmas prioridades (Saaty, 2008). O modelo relativo - método no qual as alternativas são comparadas entre si sob os vários critérios – é mais preciso. O AHP Ratings Model tem a vantagem de avaliar um grande número de alternativas rapidamente e os resultados estarem adequadamente próximos (Saaty, 2008).

O AHP permite que o analista avalie a qualidade dos julgamentos através do índice de inconsistência IR. Os julgamentos podem ser considerados aceitáveis se IR ≤ 0,1. Em casos de inconsistência, o processo de avaliação para a matriz que apresenta inconsistência é imediatamente repetido. Um índice de inconsistência maior que 0,1 requer uma investigação mais aprofundada sobre a consistência dos julgamentos do tomador de decisão (Bevilacqua; Braglia, 2000).

3 MÉTODO

Neste trabalho, propõe-se um modelo AHP Ratings Model para realizar a análise de criticidade de peças sobressalentes. O modelo proposto utiliza o procedimento de Saaty para a definição de prioridades por meio do software de livre acesso Super Decisions.

Uma amostra de sobressalentes de uma organização integrante de uma empresa de capital intensivo, situada no Sul Fluminense, foi selecionada por conveniência para avaliação das prioridades (alternativas). A organização atualmente tem mais de 230.000 itens sobressalentes cadastrados para manter seus equipamentos e instalações. Destes, cerca de 30.000 itens possuem saldo regular em estoque. A grande maioria dos itens (61%) é de baixíssimo giro (slow movings), com consumo inferior a 1 peça/ano nos últimos 5 anos.

A escolha dos critérios se deu após conversa com consultores e especialistas da organização, dentre eles, engenheiros de manutenção, analistas de planejamento de materiais e gestores do processo de manutenção, planejamento de materiais e controladoria. Os critérios utilizam parâmetros quantitativos e qualitativos com representatividade de diversos interesses de diferentes stakeholders dos setores envolvidos no processo de reposição de sobressalentes.

Primeiramente foram analisadas as necessidades de cada setor e diretrizes para o projeto, com o viés de maximizar a disponibilidade de estoque para a manutenção e minimizar os custos de estoques.

As fontes de coletas de dados utilizadas foram documentações internas, registros dos sistemas de gestão da empresa (Enterprise Resource Planning (ERP) – SAP - e Computerized Maintenance Management System (CMMS), observações e entrevistas com colaboradores envolvidos com a manutenção e gestão de estoques.

Após a escolha dos critérios, elaborou-se a árvore hierárquica e foram atribuídos os ratings, estruturando a análise no Super Decisions. Foram calculadas então as prioridades compostas ou pesos para cada categoria e seus ratings para usá-los para a medição da criticidade de uma peça sobressalente.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.1 Definição dos critérios

Neste artigo, os critérios vital, essencial e desejável e os subcritérios (como critérios de cobertura) com os ratings são utilizados para avaliar a criticidade dos sobressalentes. A seleção dos subcritérios para a avaliação da criticidade de peças sobressalentes relaciona as consequências causadas pela falha de um sobressalente no processo, no caso de uma substituição não estar prontamente disponível, com atributos de demanda e suprimentos.

O quadro 1 sumariza os subcritérios (critérios de cobertura) e os ratings utilizados em uma organização que faz parte de uma empresa de capital intensivo situada no Sul Fluminense para a avaliação de 10 itens selecionados aleatoriamente.

Quadro 1. Elementos da Matriz de Criticidade

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Fonte: Elaborado pelos autores a partir de (Valentim et al., 2018).

4.2 Aplicação do método AHP

A estrutura hierárquica composta pela definição do objetivo global, critérios, subcritérios e ratings para classificação da criticidade de peças sobressalentes é ilustrada na figura 2.

Figura 2. Estrutura hierárquica do AHP Ratings Model para classificação da criticidade de peças sobressalentes.

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Fonte: Elaborado pelos autores.

Essa hierarquia foi replicada no Super Decisions e, na sequência, foram construídos os conjuntos de matrizes de comparação entre pares. As matrizes de comparação par a par obtidas para os critérios vital, essencial e desejável geraram as prioridades com o índice de inconsistência observado na figura 3.

Figura 3. Comparação par a par dos critérios de criticidade.

F

Fonte: elaborado pelos autores.

Nessa primeira análise, a comparação obteve um índice de consistência de 0,00000, mostrando que os valores comparativos estão dentro do valor aceitável (abaixo de 0.1). A ordem de preferência dos critérios é Vital > Crítico > Essencial.

As matrizes de comparação par a par dos subcritérios (critérios de cobertura) foram replicadas para cada critério. Como exemplo, a figura 4 mostra a comparação relacionada com o critério Vital. De igual forma foi feito com os outros dois critérios.

Figura 4. Comparação par a par dos critérios de cobertura para o critério Vital.

F

Fonte: Elaborado pelos autores.

Observa-se que o índice de inconsistência para os critérios de cobertura (subcritérios) (0,00000) também está dentro do valor aceitável, e a ordem de preferência entre os critérios é: Segurança = Produção > Qualidade > Lead time = Fonte de suprimento = Meio Ambiente > Custo = Variabilidade de Consumo.

Posteriormente foram inseridos os ratings associados a cada critério de cobertura (subcritérios) e feitas as comparações par a par, conforme exemplificado na figura 5.

Figura 5. Comparação par a par dos ratings do critério de cobertura custo de aquisição.

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Fonte: Elaborado pelos autores.

Foram elaborados cinco ratings para os critérios de custo de aquisição, lead time, variabilidade de consumo, meio ambiente, qualidade e produção. Para os critérios fonte de suprimento e segurança, foram elaborados quatro e dois ratings, respectivamente.

Ao todo, foram realizadas 67 comparações. Os resultados das prioridades dos ratings com os índices de inconsistência estão apresentados no quadro 2.
Observa-se que os índices de inconsistência encontrados foram de 0,0152 para as categorias com cinco ratings (custo de aquisição, lead time, variabilidade de consumo, meio ambiente, qualidade e produção), 0,0116 para a categoria fonte de ressuprimento e 0,0000 para a segurança.

Quadro 2. Prioridades dos ratings dos critérios de cobertura custo de aquisição, fonte de suprimento, segurança e produção.

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Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Com a atribuição dos pesos aos critérios, aos critérios de cobertura (subcritérios) e ratings, acrescenta-se as alternativas para avaliação de suas prioridades, conforme ilustrado na figura 6.

Figura 6. Ratings para 10 peças sobressalentes.

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Fonte: elaborado pelos autores (2018).

O vetor prioridade global definido para as 10 peças sobressalentes é apresentado na figura 7.

Figura 7. Vetor prioridade para 10 peças sobressalentes.

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Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

Para estes itens, a peça mais crítica é a peça #2. A ordem final de prioridade global é apresentada como: #2 > # 3 > #9 > #1 > #4 > #5 > #6 > #7 > #8 > #10.

5 CONCLUSÕES

Este trabalho apresentou, através de um exemplo prático, uma abordagem para a avaliação sistemática da criticidade de peças sobressalentes, empregando o método AHP com o uso de ratings (Analytic Hierarchy Process Ratings Model). Na análise de criticidade, estruturada no software Super Decisions, identificou-se as prioridades de 10 peças sobressalentes de baixíssimo giro. A hierarquia de decisão elaborada permite a segmentação das prioridades pelos critérios Vital, Essencial e Desejável (VED), e a avaliação por meio de subcritérios de demanda e suprimentos (lead time, variabilidade de consumo, custo de aquisição e fonte de suprimento) e critérios de risco operacional (segurança, meio ambiente, qualidade e produção).

Enquanto os subcritérios de demanda e suprimentos ponderam os interesses para auxiliar políticas de estoque, os subcritérios de risco operacional ponderam os interesses para auxiliar na mitigação do risco operacional, pois avaliam as consequências da falha ou mau funcionamento do sobressalente em seu local de aplicação. Os subcritérios selecionados pelos especialistas da organização estão em linha com os critérios encontrados nos trabalhos de Braglia et al. (1986), Roda et al., 2014 e Antosz e Ratnayake (2019), apresentados na revisão de literatura.

Esta abordagem permitirá análises de criticidade para outras peças sobressalentes da organização, categorizando-as em classes a partir da ponderação das prioridades ideais das peças sobressalentes e dos critérios VED – tabela 2 - permitindo o estabelecimento de políticas de gestão diferenciadas para cada classe.

Tabela 2. Segmentação da criticidade de peças sobressalentes em classes.

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Fonte: Elaborado pelos autores (2018).

O trabalho pode ser estendido para incluir outros esquemas de classificação, como a classificação para controle de estoque e para previsão de demanda (Hu et al., 2018). Estas classificações permitem selecionar políticas de estoque apropriadas para diferentes grupos de peças de reposição, auxiliando a tomada de decisão na priorização de recursos e no estabelecimento de controles com foco em maximizar a disponibilidade das peças sobressalentes para a manutenção e minimizar os custos de estoques.


REFERÊNCIAS

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Recebido: 10 jan. 2019

Aprovado: 15 maio 2019

DOI: 10.20985/1980-5160.2019.v14n2.1500

Como citar: Silva, L. A.; Hernández, C. T.; Brandalise, N. (2019), “Avaliação de criticidade de peças sobressalentes utilizando o método Analytic Hierarchy Process com ratings”, Sistemas & Gestão, Vol. 14, No. 2, pp. 166-176, disponível em: http://www.revistasg.uff.br/index.php/sg/article/view/1500 (acesso dia mês abreviado. ano).