Efeitos da estrutura de capital sobre o gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais

Alexandre Cunha Gomes

alexandregomes@id.uff.br

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

Hugo Costa de Macedo

hugomacedo@id.uff.br

Universidade Federal Fluminense – UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil.

José Augusto Veiga da Costa Marques

joselaura@uol.com.br

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.


RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo analisar a relação entre a estrutura de capital e o gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais. Para abordar este objetivo de pesquisa foram analisadas 223 empresas não financeiras listadas na BM&FBovespa. A análise abordou o gerenciamento de resultados a partir dos Accruals discricionários estimados por meio de três diferentes modelos operacionais (Jones Modificado, KS e PAE). A estrutura de capital foi abordada a partir de dois fatores gerados por meio de análise fatorial, com a extração pelo método da análise dos componentes principais aplicada a índices de estrutura de capital utilizados em pesquisas pregressas. O objetivo da utilização da análise fatorial foi permitir que o maior número de perspectivas sobre as proporções entre as fontes de capital fosse contemplado na análise sem que houvesse problemas de alta correlação entre as variáveis explicativas do modelo. Os resultados evidenciaram que não há, de forma conclusiva, uma relação estatisticamente significativa entre a estrutura de capital e os Accruals discricionários estimados por meio de qualquer dos três modelos operacionais. Esses resultados permitem compreender que a estrutura de capital não age como incentivo ao gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais.

Palavras-chave: Estrutura de Capital; Gerenciamento de Resultados Contábeis; Accruals Discricionários.


INTRODUÇÃO

A partir de uma perspectiva oportunista e do comportamento maximizador dos indivíduos no ambiente organizacional, Jensen et Meckling (1976) compreendem que os gestores fazem escolhas contábeis com o propósito de maximizar suas próprias utilidades esperadas relativas à determinada relação de remuneração, contratos de dívida e custos políticos (Watts et Zimmerman, 1978). Nessa linha de raciocínio, Healy et Wahlen (1999) definem gerenciamento de resultado como o exercício do julgamento de gestores sobre as práticas contábeis e na estruturação de operações para alterar relatórios financeiros, quer com o propósito de iludir algumas partes interessadas sobre o desempenho econômico da empresa ou de influenciar os resultados contratuais que dependem dos números contábeis reportados.

Martinez (2001) considera o gerenciamento de resultados contábeis uma pratica bastante danosa à qualidade da informação contábil divulgada. Seus efeitos podem provocar deficiências na alocação de recursos entre as empresas e distribuições de riquezas injustificáveis. Uma maior compreensão dos incentivos que conduzem os gestores à prática de gerenciamento de resultados pode ajudar a mitigar os efeitos de tais práticas e proporcionar melhoria na qualidade das informações, reduzindo a assimetria de informações, a incerteza do usuário e acarretando em decisões econômicas mais eficientes (Nardi et Nakao, 2009).

A relação entre a estrutura de capital e o gerenciamento de resultados é um reflexo dos incentivos aos gestores para exercerem sua discricionariedade no contexto das escolhas contábeis sobre o reconhecimento dos Accruals. Dois tipos de incentivos concorrem para o reconhecimento discricionário de Accruals com impactos na estrutura de capital, sendo, muitas vezes complementares: i) manipular o lucro líquido para influenciar na percepção do risco e nas expectativas de resultados futuros por parte dos investidores, com reflexos em contas do passivo e, portanto, na estrutura de capital; e ii) com o propósito direto de moldar a própria estrutura de capital em busca de melhores condições de captação de recursos, tornando os índices da empresa mais atraente para investidores e credores, bem como para buscar adequação a cláusulas restritivas de contratos de proteção aos credores da empresa.

Nesse sentido, Coelho Lopes (2007, p. 122) tratam da hipótese do grau de endividamento, segundo a qual empresas com maior proporção de capitais de terceiros frente aos recursos totais estariam mais propensas à escolha de métodos contábeis que resultem em aumento no lucro divulgado, “[...] bem assim as que tenham contratos com cláusulas restritivas baseadas em números contábeis, mais provavelmente poderão incorrer em técnicas que evitem a violação de tais cláusulas”.

An et al. (2016), afirmam que compreender o papel do gerenciamento de resultados na determinação da alavancagem é importante, pois os gestores, na tentativa de proteger seus benefícios de controle privado, usam gerenciamento de resultados para manipular a percepção dos usuários externos da informação contábil. Os bancos têm especial interesse nessa relação que implica a qualidade dos lucros contábeis e a estrutura de capital da empresa, duas informações determinantes para decisões sobre a emissão de empréstimos bancários e as taxas de juro a serem aplicadas. Ademais, a riqueza dos acionistas é influenciada pela ligação não apenas entre lucros e retornos de ações, mas também entre o gerenciamento de resultados e o valor das empresas.

No que diz respeito ao cenário brasileiro, algumas características próprias do nosso ambiente econômico impõem algumas limitações à aplicação de determinadas abordagens de pesquisa. Coelho et Lopes (2007, p. 131) compreendem que o pequeno volume de contratos de dívida com cláusulas restritivas de números contábeis não permitem, ainda, uma escala de eventos que envolvam possíveis manipulações de resultados. Dessa maneira, o nível de endividamento pode funcionar como “proxy” para a existência de covenants contratuais.

A estrutura de financiamento do capital de uma empresa diz respeito a um mix de fontes de capital divididas entre capital próprio e de terceiro distribuído por seus vencimentos no curto e longo prazo com impactos no risco, na perspectiva de retorno e no valor das empresas (Gitman, 2002). Segundo Silva et al. (2014, p. 7), “aada indicador de estrutura de capital expressa uma relação entre as fontes de capital de terceiros de curto prazo (PC) e longo prazo (PNC) e o capital próprio (PL)”. Dessa maneira, entende-se que o mix de fontes de capital que formam a estrutura de capital das empresas não pode ser corretamente representada por uma única medida, mas sim por um conjunto de índices, da sorte que reflitam, também, as diversas perspectivas dos elaboradores das demonstrações sobre sua estrutura de capital e como cada uma dessas perspectivas age como incentivo ao gerenciamento de resultados contábeis. Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo analisar a relação entre a estrutura de capital e o gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais.

Considerando que tais índices representam diversas relações entre as mesmas fontes de capital e são calculados utilizando um mesmo pequeno conjunto de variáveis, é inevitável esperar uma alta correlação entre os mesmos. De maneira a conciliar a proposta de abranger o maior número de perspectivas sobre a formação da estrutura de capital, optou-se por agregar os indicadores da estrutura de capital em componentes não correlacionados que melhor representem esses indicadores a partir da técnica de Análise Fatorial.

Além desta introdução, o texto está organizado da seguinte maneira: Seção 2, Referencial Teórico, em que é discutida a base teórica para fundamentar os efeitos da estrutura de capital sobre o gerenciamento de resultados contábeis e são apresentados os principais resultados de pesquisas anteriores; Seção 3, Procedimentos Metodológicos, em que são descritas a metodologia de coleta e tratamento dos dados; Seção 4, Resultados, em que são relatados os resultados encontrados na pesquisa; Seção 5, Considerações Finais, em que são discutidos os principais resultados da pesquisa, suas limitações e são apresentadas sugestões para pesquisas futuras.

REVISÃO DE LITERATURA

O Gerenciamento de Resultados Contábeis

De acordo com Paulo (2007, p. 9), a partir da Teoria Contratual da Firma podemos compreender as organizações como conjunto de contratos entre os diversos agentes econômicos, de maneira que cada um deles oferece seus atributos para o processo produtivo da firma em troca de uma contrapartida. A natureza dessa relação contratual é, ainda, afetada pelo comportamento maximizado dos indivíduos envolvidos, da sorte que “[...] há boas razões para acreditar que o agente nem sempre agirá de acordo com os interesses do principal” (Jensen et Meckling, 1976, p. 309).

A divergência de interesses entre agente e principal faz surgir uma demanda por informações contábeis com conteúdo informacional útil para a monitoração dessas relações contratuais. Para satisfazer essa demanda “a Contabilidade incorporou, ao longo do tempo, uma série de conceitos econômicos para apresentar o mais fidedignamente possível a realidade da empresa dentro de seus relatórios” (Paulo, 2007, p. 11). A introdução desses conceitos econômicos é acompanhada por um maior grau de subjetividade, ampliando o leque de escolhas contábeis e a discricionariedade dos gestores na elaboração das demonstrações financeiras.

Tendo por base a visão das organizações como uma ficção legal que serve como ponto de conexão para um conjunto de relações contratuais entre indivíduos (Jensen et Meckling, 1976, p. 310), desenvolveram hipóteses sobre os motivos pelos quais deveriam ser previsíveis as variações nas formas pelas quais as empresas contabilizam suas atividades econômicas, bem como da importância desses efeitos na elaboração e aplicação das normas contábeis.

Nesse contexto, o gerenciamento de resultados caracteriza-se fundamentalmente pela alteração proposital dos resultados contábeis visando atender motivação particular, que não expressa a essência econômica das transações subjacentes (Martinez, 2001). O gerenciamento de resultados pode se dar “através das escolhas contábeis ou de alteração das atividades operacionais (reais) normais da empresa” (Paulo, 2007, p. 12). Ainda que as motivações sejam individuais e que a ação dos gestores seja de manipular informações, é importante destacar que o gerenciamento de resultados se distingue da fraude contábil, tendo em vista que os agentes que preparam as demonstrações exercem suas escolhas dentro das possibilidades deixadas pelo regulador. Martinez (2001, p. 15) lista uma série de situações em que os elaboradores podem exercer sua discricionariedade por meio de escolhas contábeis:

“[...] quando o gestor deve avaliar eventos econômicos futuros, tais como estimar vidas úteis esperadas, definir o valor de residual de ativos de longo prazo, obrigações a serem pagas e prováveis perdas com devedores incobráveis. Ao gerente, por vezes, é facultado escolher o método de depreciação mais compatível, ou critério de custeamento mais sintonizado com a realidade do processo produtivo” (Martinez, 2001, p.15).

O gerenciamento de resultados a partir de escolhas contábeis recai sobremaneira no reconhecimento de Accruals (acumulações), que devem ser compreendidos como os “componentes dos resultados contábeis que ajustam o fluxo de caixa ao longo do tempo” (Paulo, 2007, p. 13). Os Accruals são resultantes do regime de competência e essenciais para que o lucro reflita o acréscimo de riqueza incorporado ao patrimônio, independentemente da movimentação financeira.

Os Accruals são parte essencial do sistema de informações contábil, porém, eventualmente, o gestor toma decisões de aumentar ou diminuir as acumulações por motivos alheios à realidade do negócio. Dessa maneira, podemos compreender que uma parte dos Accruals diz respeito às acumulações normais da empresa, que estão relacionadas com sua atividade operacional e tem por finalidade captar a essência econômica das transações, estes são chamados Accruals não-discricionários; uma outra parte dos Accruals representa as acumulações reconhecidas pelo exercício da discricionariedade do gestor, com o propósito de modificar a avaliação do desempenho e influenciar as relações contratuais da empresa em benefício próprio.

Paulo (2007) explica que a linha de pesquisa dedicada ao gerenciamento de resultados baseado em Accruals busca identificar e mensurar os Accruals discricionários por meio de modelos operacionais. Segundo o autor, alguns dos modelos mais utilizados são:

a) Modelo Healy;

b) Modelo DeAngelo;

c) Modelo Jones (1991);

d) Modelo Jones modificado (Dechow et al., 1995); e

e) Modelo KS (Kang et Sivaramakrishnan, 1995).

A efetividade destes modelos depende de que os Accruals discricionários sejam relacionados a determinados incentivos, que levariam os gestores a manipular os resultados contábeis. Healy et Wahlen (1999) discutem alguns desses incentivos que foram bem sintetizados por Coelho et Lopes (2007, p. 124), como segue:

“a) Vinculados ao mercado de capitais, voltados a alterar a percepção de risco sobre a empresa (alisamento de lucros, por exemplo) e a induzir os investidores a menores expectativas de lucros futuros (redução de benchmarks); b) Por motivações contratuais entre a empresa e diversos grupos: a. Para orientar e calcular compensações salariais para executivos da empresa, quando tais incentivos se baseiam em medidas contábeis; b. Para auferir limites de crédito e melhores condições de financiamento, assim como para orientar cláusulas restritivas ou de proteção aos credores; c) Vinculados a regulamentações e custos políticos, tais como redução de lucros de monopolistas ou para fugir a tributação e a regras antitruste.” (Coelho et Lopes, 2007, p. 124).

Os Accruals discricionários normalmente são revertidos em momento futuro, mas, temporariamente, podem “polir” índices financeiros e encobrir alguns pontos fracos das empresas, que, no longo prazo, podem conduzi-las ao colapso. Ao manipular as informações contábeis, os gestores violam sua tempestividade e representação fidedigna, não só com o propósito de suavizar os lucros, mas também com o de “lustrar” a estrutura de capital e torná-la mais atraente a investidores e credores (Tahir et al., 2011, p. 97).

Estrutura de Capital e Gerenciamento de Resultados Contábeis

Estudos sobre a estrutura de capital da empresa se tornam mais relevantes na literatura sobre contabilidade e finanças a partir do modelo de precificação de ativos de capital de Modigliani et Miller (1958). Este modelo estabelece quatro proposições quanto à estrutura de capital: a proporção entre a dívida e o os recursos totais não afeta o valor de mercado da firma, o nível de alavancagem não afeta o custo médio ponderado de capital, a política de dividendos independe da estrutura de capital e os acionistas são indiferentes à estrutura de capital da empresa. A validade dessas proposições estaria limitada aos pressupostos de ausência de impostos, custos por insolvência, custos de agência, informações assimétricas e na hipótese da existência de um mercado eficiente (em que todas as informações são de conhecimento de todos os stakeholders e imediatamente incorporadas ao preço dos ativos). A despeito dessas proposições, a percepção do mercado é de que maiores proporções de dívida em relação ao capital investido expõe a companhia a vulnerabilidades financeiras, que podem contribuir para degenerar o rating de crédito e a confiança dos investidores. Além disso, tais condições geram dificuldade para captar mais recursos por meio de financiamentos de longo prazo ou pela venda de ações preferenciais e ordinárias.

Algumas pesquisas internacionais já se dedicaram ao estudo do gerenciamento de resultados motivado pela necessidade de adequação dos números contábeis a cláusulas restritivas de contratos de dívida. Tais cláusulas restringem a atuação dos gestores com o intuito de salvaguardar o investimento dos credores, garantido pela exigência de índices mínimos de rentabilidade e liquidez e máximo para o endividamento da firma. Dentre essas pesquisas, Sweeney (1994) examinou séries temporais de escolhas contábeis antes e depois de empresas reportarem violações de restrições contábeis em contratos de dívida. Seus resultados indicaram grande número de incrementos no lucro em razão de alterações nas escolhas contábeis. Os gestores escolheram alterar procedimentos contábeis de modo a postergar a violação das cláusulas restritivas quando não haviam significativos efeitos negativos no fluxo de caixa associados à alteração nos procedimentos contábeis.

DeFond et Jiambalvo (1994) examinaram os Accruals discricionários e os Accruals relacionados ao capital de giro de uma amostra de 94 empresas que divulgaram violações em cláusulas restritivas de contratos de dívida. Seus resultados mostraram que nos anos anteriores às violações, os Accruals discricionários foram significantemente positivos, já no ano da violação os dados são difíceis de interpretar, pois o gerenciamento de resultados ocorre para evitar as violações contratuais. Considerando que a amostra da pesquisa compreende firmas que efetivamente violaram contratos de covenants, se o gerenciamento de resultados é incapaz de evitar a violação, não há incentivo para que ele seja levado a termo.

Dichev et Skinner (2002) utilizaram a Dealscan, uma base de dados de acordos privados de empréstimos corporativos para conduzir testes sobre a hipótese de gerenciamento de resultados para adequação a cláusulas restritivas de contratos de dívida em uma grande amostra. Os resultados confirmaram a prática de gerenciamento de resultados para evitar violações de covenants contratuais. Os autores também evidenciaram que violações técnicas são relativamente frequentes, em cerca de 30% de todos os empréstimos, elas não são necessariamente associadas a dificuldades financeiras, consistentes com a ideia de que as consequências da violação variam consideravelmente, dependendo das circunstâncias económicas dos devedores. Além disso as consequências das violações (liquidação antecipada, por exemplo) são muitas vezes dispensadas para as empresas saudáveis.

Kim et al. (2010) examinaram a relação entre as decisões de gestão das operações das empresas (gerenciamento de resultados reais) e o nível de folga em relação às restrições de contratos de dívida (a diferença entre o limite estabelecido para determinado índice contábil e o índice real observado nas demonstrações da empresa). Usando dados de contratos privados de dívida, os autores descobriram que o nível global de gerenciamento de resultados real é maior quando a folga em relação às restrições de contratos de dívida é mais apertada.

Tahir et al. (2011) argumentam que quanto maior a proporção entre dívida e o capital total empregado (índice de alavancagem) maior evidência de fraqueza financeira e mais exposição ao risco, com no rating de crédito e confiança dos stakeholders. Baixo índice de alavancagem é desejável especialmente para empresas fracas que têm grande risco financeiro. Os autores procuraram investigar os vários fatores relacionados ao gerenciamento de resultados com impacto na estrutura de capital de empresas paquistanesas listadas na bolsa de Karachi no ano de 2006. Os resultados indicam que o aumento no valor de Accruals discricionários conduz a empresa a estruturas de capital mais alavancadas.

An et al. (2016) também estudaram a relação entre o gerenciamento de resultados e a alavancagem financeira e como essa relação é influenciada por ambientes institucionais. Os autores analisaram um painel de 25.777 empresas em 37 países abrangendo os anos de 1989 a 2009. Seus resultados indicam que as empresas com altas atividades de gerenciamento de lucros estão associadas a alta alavancagem financeira, mas que essa relação positiva é atenuada por fortes ambientes institucionais.

No mercado brasileiro, algumas características próprias impõem certas limitações à aplicação da abordagem de pesquisa voltada para as cláusulas restritivas de contratos de dívida. Coelho et Lopes (2007, p. 131) alertam que o elevado endividamento do setor público e as altas taxas de inflação implicam em elevado nível de risco macroeconômico. Nesse cenário, as instituições financeiras privilegiam operações de curto prazo, de maneira que os autores identificaram que as dívidas de curto prazo das empresas em sua amostra correspondem em média a 45% do endividamento total. Já os contratos de dívida de longo prazo são preferencialmente garantidos pelo empenho de bens na forma de hipotecas e alienação fiduciária. Ademais, os autores explicam que:

“Nestes contratos, por seu turno, a existência de cláusulas restritivas está limitada a condições jurídicas e operacionais e são recentes na nossa cultura financeira, como se pode constatar em norma de padronização de escrituras de debêntures públicas emitidas pela comissão de valores mobiliários, não se identificando nenhuma restrição vinculada a números contábeis.” (Coelho et Lopes, 2007, p. 131)

Dessa maneira, Coelho et Lopes (2007) compreendem que o pequeno volume de contratos de dívida com cláusulas restritivas de números contábeis não permitem ainda uma escala de eventos que envolvem possíveis manipulações de resultados. Dessa maneira, o nível de endividamento pode funcionar como “proxy” para a existência de covenants contratuais. Nesse ínterim, os autores investigam a existência de gerenciamento de resultados e sua relação com o grau de alavancagem nas companhias abertas brasileiras. Os resultados indicaram a existência de gerenciamento de resultados, mas não confirmam sua associação com os níveis de endividamento das empresas.

Sant’Ana et al. (2015) estudaram a influência da estrutura de capital sobre as práticas de gerenciamento de resultados em uma amostra de 7.629 empresas dos países do G-20 (grupo formado pelos ministros de finanças e chefes dos bancos centrais das 19 maiores economias do mundo mais a união europeia) no período de 2009 a 2013. Seus testes evidenciam que as variáveis de estrutura de capital não apresentaram resultados conclusivos em todos os países quanto a sua influência sobre o gerenciamento de resultados.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

População e Amostra

A população da pesquisa é composta por sociedades anônimas com títulos negociados na BM&FBOVESPA. Essa população abrange empresas que disponibilizam as informações, necessárias para a aplicação dos modelos econométricos utilizados para a verificação das hipóteses de pesquisa estabelecidas.

Em atenção ao objetivo da pesquisa, a partir da população foi estabelecida uma amostra de trabalho não probabilística e por conveniência. Visando maior consistência e robustez nos resultados da análise, tornou-se necessário o tratamento da amostra com a exclusão de observações de empresas que compõem o setor financeiro, por possuírem características específicas capazes de enviesar os resultados, e de empresas que não dispunham de informações para alguma das variáveis utilizadas nos modelos.

Feitos os cortes necessários, o estudo conta com 223 observações analisando igual número de empresas no ano de 2015.

Para a obtenção dos dados, optou-se pela utilização da base de dados do Capital IQ McGraw Hill Financial, escolhida por possuir informações sobre as demonstrações financeiras de todas as empresas listadas na Bolsas de Valores que compõe a população do estudo, disponibilizando informações suficientes para alimentar os modelos econométricos empregados na pesquisa.

Estratégia de Pesquisa

Em atenção ao objetivo da pesquisa de investigar a influência da Estrutura de Capital sobre o gerenciamento de resultados contábeis, foram usados modelos de regressão múltipla linear de dados estimada pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO). Estes modelos relacionam alternativamente diferentes métodos de detecção de gerenciamento de resultados contábeis com variáveis representativas da estrutura de capital da empresa conforme a Equação 1, abaixo:

Figura1

Onde:

GRi,t corresponde aos Accruals Discricionários identificados a partir de um dos modelos de detecção de gerenciamento de resultado aplicados à firma i no período t.

ECi,t corresponde aos Fatores representativos da Estrutura de Capital da firma i no período t.

ui,t é o termo de erro no ano t.

No que se refere aos pressupostos de modelos de regressão estimadas pelo método dos Mínimos Quadrados Ordinários, Fávero et al. (2009) afirma que deve ser observado se o erro da regressão tenha distribuição normal, se sua variância é constante e se não apresenta auto correlação ou correlação entre qualquer variável explicativa. A fim de verificar se foram atendidos esses pressupostos, todas as regressões utilizadas neste estudo são testadas quanto à normalidade dos resíduos (Jarque-Bera), homocedasticidade dos resíduos (Breusch-Pagan-Godfrey) e multicolinearidade das variáveis (estatística FIV).

Nos casos em que não foi observada homocedasticidade dos resíduos, as regressões são obtidas com os erros padrão robustos e heterocedasticidade corrigida pelo método de White.

Variável Dependente – Gerenciamento de Resultados

Os estudos sobre detecção de Gerenciamento de Resultados Contábeis estão amplamente focados na análise de Accruals (acumulações) (Beneish, 2001). A metodologia empregada nessas pesquisas consiste em decompor os Accruals Totais em Accruals não-discricionários, aqueles resultantes das operações normais da empresa, e Accruals discricionários, que são resultantes da manipulação exercida pela discricionariedade dos gestores no exercício das escolhas contábeis.

Paulo (2007) explica que os Accruals não são diretamente observáveis, porém, modelos operacionais foram desenvolvidos para auxiliar as pesquisas empíricas, considerando os Accruals discricionários como uma proxie para o gerenciamento de resultados. Ainda conforme Paulo (2007), a detecção de gerenciamento de resultados a partir de Accruals inicia-se pela mensuração dos Accruals Totais. A partir destes, os modelos operacionais estimam os Accruals não-discricionários, que, por sua vez, são utilizados para estimar os Accruals discricionários. Por fim, deve-se verificar se existe uma relação explicativa entre os Accruals discricionários estimados e incentivos que possam afetar as escolhas contábeis.

Nesse sentido, os Accruals Totais foram estimados pelos itens constantes na Demonstração de Fluxos de Caixa, resultando em uma medida mais diretamente comparável aos valores apurados a partir do Balanço Patrimonial, mas sem ser impactada por transações não operacionais como reclassificações, mudanças de critérios contábeis e etc. (Paulo, 2007, p. 94). Os Accruals Totais foram estimados de acordo com a Equação 2:

Figura2

Onde:

ATtcf = Accruals totais mensurados por meio da Demonstração de Fluxo de Caixa (método indireto) no período t;

∆CRtcf = variação das contas a receber de clientes no final do período t-1 para o final do período t;

∆Etcf = variação das contas de estoques no final do período t-1 para o final do período t;

∆CPtcf = variação das contas a pagar a fornecedores no final do período t-1 para o final do período t;

∆TXtcf = variação dos impostos e contribuições tributárias no final do período t-1 para o final do período t;

DEPtcf = despesa com depreciação no período t;

∆OAPCtcf = variação líquida das outras contas do ativo e passivo corrente da empresa no final do período t-1 para o final do período t;

At-1 = ativos totais no final do período t-1.

Para garantir maior robustez aos resultados da pesquisa, foram utilizados três modelos, que são utilizados alternativamente, para estimação dos Accruals não discricionários:

Jones Modificado

Os Accruals não-discricionários são estimados pelo modelo Jones Modificado por meio da Equação 3:

Figura3

Onde:

ANDit = Accruals não-discricionários da empresa i no período t;

ΔRit = variação da receita da empresa i do final do período t-1 para o final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1;

ΔCRit = variação das contas a receber de clientes da empresa i do final do período t-1 para o final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1;

PPEit = saldos das contas do Ativo Imobilizado da empresa i do final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1;

Ait = ativos totais no final do período t-1;

α, β1 e β2 = Coeficientes estimados da regressão pelo modelo Jones (o original, que não apresenta o termo ΔCRit e apresenta o termo de erro da regressão).

Modelo KS

Os Accruals não-discricionários são estimados pelo modelo KS por meio da Equação 4:

Figura4

Onde:

ATit = Accruals totais da empresa i no final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

Rit = receitas líquidas da empresa i no final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

Dit = custos e despesas operacionais da empresa i no final do período t, excluídas as despesas com depreciação e amortização, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

PPEit = saldo das contas do ativo imobilizado e ativo diferido (bruto) da empresa i no final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

δ1 = CRi,t-1< / sub>/Ri,t-1

δ2 = (Ei,t-1 + DespAnti,t-1 + CPi,t-1) / Di,t-1

δ1 = Depri,t-1 / PPEi,t-1

CRi,t-1 = saldo de contas a receber (clientes) da empresa i no período t-1

Ri,t-1 = receitas líquidas da empresa i no período t-1

Ei,t-1 = saldo da conta estoques da empresa i no período t-1

DespAnti,t-1 = saldo da conta despesas antecipadas da empresa i no período t-1

CPi,t-1 = saldo das contas a pagar no curto prazo da empresa i no período t-1

Depri,t-1 = montante de despesas com depreciação e amortização da empresa i no período t-1

PPEi,t-1 = saldo das contas do ativo imobilizado e ativo diferido (bruto) da empresa i no período t-1

Figura5 = coeficientes estimados da regressão.

εit = termo de erro da regressão (resíduos).

No caso do modelo KS, o valor dos Accruals discricionários é dado pelo termo de erro da regressão.

Modelo PAE

Os Accruals não-discricionários são estimados pelo modelo PAE por meio da Equação 5:

Figura6

Onde:

TAit = Accruals totais da empresa i do final do período t-1 para o final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

ΔRit = variação da receita da empresa i do final do período t-1 para o final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

PPEit = saldos das contas do Ativo Imobilizado da empresa i do final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

FCOit = fluxo de caixa operacional da empresa i do final do período t, ponderada pelos ativos totais no final do período t-1

FCOit-1 = fluxo de caixa operacional da empresa i do final do período t-1, ponderada pelos ativos totais no final do período t-2

TAit = Accruals totais da empresa i do final do período t-1, ponderada pelos ativos totais no final do período t-2

εit = termo de erro da regressão (resíduos)

Ait = ativos totais no final do período t-1

α, β1, β2, λ1, λ2, λ3 = Coeficientes estimados da regressão.

Variável Independente – Estrutura de Capital

A estrutura de capital de uma empresa diz respeito a um mix de fontes de capital divididas entre capital próprio e de terceiro distribuído por seus vencimentos no curto e longo prazo com impactos no risco, na perspectiva de retorno e no valor das empresas (Gitman, 2002). A estrutura de capital das empresas pode ser medida por diversos índices financeiros que captam diferentes perspectivas quanto à sua composição.

No presente estudo, serão empregados alguns destes índices que já foram utilizados com sucesso em pesquisas anteriores (Procianoy et Schnorrenberger, 2004; Sant’Ana et al., 2015; Silva et al., 2014), tais como: o endividamento total (PC + PNC / AT), o índice de cobertura dos exigíveis circulantes pelos recursos próprios (PC/PL), o índice de cobertura dos exigíveis não-circulantes pelos recursos próprios (PNC/PL), a proporção de exigíveis em curto prazo em relação aos exigíveis em longo prazo (PC/PNC), o índice de cobertura dos exigíveis totais pelos recursos próprios ((PC+PNC)/PL), a proporção entre as fontes de capital de curto prazo e as de longo prazo (PC/(PNC+PL)), a proporção de exigíveis em curto prazo frente aos exigíveis totais (PC/(PC + PNC)) e a proporção entre os exigíveis em curto prazo e os recursos totais (PC/AT).

Segundo Silva et al. (2014, p. 7), “Cada indicador de estrutura de capital expressa uma relação entre as fontes de capital de terceiros de curto prazo (PC) e longo prazo (PNC) e o capital próprio (PL)”. Dessa maneira, entende-se que o mix de fontes de capital que formam a estrutura de capital das empresas não pode ser corretamente representada por uma única medida, mas, sim, por um conjunto de índices, da sorte que reflitam também as diversas perspectivas dos elaboradores das demonstrações sobre sua estrutura de capital e como cada uma dessas perspectivas age como incentivo ao gerenciamento de resultados contábeis.

Considerando que tais índices representam diversas relações entre as mesmas fontes de capital e são calculados utilizando um mesmo pequeno conjunto de variáveis, é inevitável esperar uma alta correlação entre os mesmos, o que inviabiliza sua plena utilização em modelos econométricos de regressão múltipla pelo método dos mínimos quadrados ordinários. De maneira a conciliar a proposta de abranger o maior número de perspectivas sobre a formação da estrutura de capital, optou-se por seguir o procedimento adotado por Silva et al. (2014) e agregar os indicadores da estrutura de capital em componentes não correlacionados que melhor representem esses indicadores a partir da técnica de Análise Fatorial.

Hair Jr et al. (2009, p. 109-110) afirmam que é necessário “...garantir que as variáveis são suficientemente correlacionadas umas com as outras para produzir fatores representativos”. Adicionalmente, os autores apontam que matrizes de correlação pobres podem ser formadas quando variáveis altamente correlacionadas possuem cargas substancialmente maiores do que outras variáveis naquele fator.

Para adequação da análise fatorial, devem ser observadas medidas de adequação da amostra (MAS), “o pesquisador deve examinar os valores MAS para cada variável e excluir aquelas que estão no domínio inaceitável” (Hair Jr. et al., 2009, p. 110). Nesse sentido, observando a matriz de correlação das variáveis utilizadas em estudos anteriores e listadas acima, bem como os resultados da Medida Kaiser-Meyer-Olkin de adequação de amostragem (teste KMO), as variáveis selecionadas para o presente estudo foram as seguintes:

As variáveis selecionadas foram testadas quanto à normalidade multivariada e os resultados indicaram a violação da premissa de existência de distribuição normal multivariada. Porém, Hair Jr. et al. (2009, p. 109) argumenta que:

“[...] em análise fatorial as preocupações que se impõe se centram muito mais no caráter e na composição das variáveis incluídas na análise do que em suas qualidades estatísticas [...] uma suposição básica da análise fatorial é que existe alguma estrutura subjacente no conjunto de variáveis escolhidas [...] de um ponto de vista estatístico, os desvios da normalidade, da homocedasticidade e da linearidade aplicam-se apenas porque eles diminuem as correlações observadas”. (Hair Jr. et al., 2009, p. 109)

A partir das considerações de Hair Jr. et al. (2009) e da compreensão de que a estrutura de capital é a estrutura subjacente ao conjunto de indicadores utilizados nessa análise, optou-se por dar continuidade à análise a despeito da violação da premissa de normalidade multivariada.

O pressuposto de existência de considerável número de correlações pode ser verificado por meio da matriz de correlações expressa na Tabela 1.

ANÁLISE DOS DADOS

Análise Fatorial

O primeiro passo para a aplicação de uma análise fatorial consiste na análise das correlações entre as variáveis estudadas. Observa-se que a variável PC/PNC se mostrou moderadamente correlacionada com as variáveis PC / (PNC + PL) e PC / (PC + PNC), está última também apresentou correlação moderada com a variável PC / AT. Não se verificaram correlações com a variável PC / PL.

Tabela 1. Matriz de Correlação de Spearman (correlação é significativa ao nível de 0,01)

Figura7

Fonte: Os próprios autores

Em seguida, foram analisadas as medidas de adequação da amostra. Nesse sentido, foi observado o resultado do teste KMO, que avalia a adequação da amostra quanto ao grau de correlação parcial entre as variáveis. O valor da estatística KMO foi 0,631. Segundo Fávero et al. (2009), esse resultado torna razoável a aplicação da análise fatorial. Adicionalmente, o nível de significância do teste de esfericidade de Bartlett (p-valor = 0,000) rejeita a hipótese de que a matriz de correlações seja uma matriz identidade, também corroborando a aplicação da análise fatorial. Por fim, a Matriz Anti-Imagem, apresentada na Tabela 2, mostra a medida de adequação da amostra (MAS) para cada uma das variáveis da análise. Pode-se observar que todas as MAS foram superiores a 0,50, mostrando que cada uma das variáveis se ajusta à estrutura definida pelas demais.

Em seguida, foi escolhido o método da análise dos componentes principais para a extração dos fatores. Hair Jr. et al. (2009, p. 112) explica que esse método é o mais indicado quando o objetivo é resumir a maior parte das informações em um “número mínimo de fatores necessários para explicar a porção máxima da variância total representada no conjunto original de variáveis”.

Tabela 2. Matriz Anti-Imagem

Figura8

a. Medidas de adequação de amostragem (MSA)

Fonte: Os próprios autores

A escolha do número de fatores a serem extraídos será dada com base no critério apontado por Fávero et al. (2009), segundo o qual devem ser retidos os fatores com valores próprios (eigenvalues ou autovalores) superiores a 1. Dessa maneira, foram retidos dois fatores que conseguem explicar 64,99% da variância total, conforme pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3. Variância Total Explicada

Figura9

Fonte: Os próprios autores

Graficamente, o critério de suavização da curva dos fatores analisados (teste scree) corrobora com a retenção do número ótimo de fatores para a análise. Segundo Hair et al. (2009), após a suavização da curva (abaixo do eigenvalue 1), uma dada quantidade de proporção com variância única seria incluída, logo, não há aceitabilidade para tais fatores.

Figura 1. Teste Scree de autovalores após análise dos componentes principais

Figura10

Fonte: Os próprios autores

Feita a extração dos componentes e considerando o objetivo da aplicação da técnica de redução de dados, pode-se considerar alcançada a meta da aplicação da análise fatorial. Porém, Hair Jr. et al. (2009, p. 116) argumenta que a rotação de fatores deve simplificar a estrutura fatorial, de modo a proporcionar informação mais adequada à interpretação das variáveis em exame. Nesse sentido, foi empregado o método de rotação varimax, por “fornecer uma separação mais clara dos fatores” (p. 119). As matrizes dos componentes antes e após a aplicação do método de rotação varimax são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4. Matrizes dos componentes antes e após a rotação dos fatores

Figura11

Fonte: Os próprios autores

A partir da análise das cargas fatoriais apresentadas na Tabela 4, podemos fazer uma clara associação das variáveis PC / PL e PC / (PNC + PL) com o Fator 2, já as demais variáveis estão mais associadas ao Fator 1.

Método de extração: Análise do Componente principal.

a. 2 componentes extraídos.

Fonte: Os próprios autores

Por fim, a Tabela 5 apresenta os scores fatoriais que são multiplicados por cada um dos respectivos valores das variáveis padronizadas para o cálculo dos fatores. Para cada observação da amostra de pesquisa, esses fatores substituirão as variáveis de estrutura de capital no modelo empírico de análise da pesquisa apresentado na sessão 3.2.

Tabela 5. Matriz de coeficiente dos scores dos componentes

Figura12

Método de extração: Análise do Componente principal

Fonte: Os próprios autores

Análise de Regressão

Ao analisar a Tabela 6, que contém a estatística descritiva das variáveis de estrutura de capital incluídas na análise fatorial, pode-se inferir explicações quanto aos baixos resultados das medidas de adequação da amostra das variáveis que foram descartadas da análise fatorial. Os resultados médios dos indicadores evidenciam que os passivos de curto prazo se destacam na composição da estrutura de capital das empresas brasileiras, isso fica claro pela leitura dos resultados médios das variáveis PC / PL (1,39) e PC / PNC (1,56). Considerando esse perfil, as correlações mais fortes recaíram sobre variáveis que explicitam mais diretamente a proporção dos passivos de curto prazo, sendo fracamente correlacionadas com as demais.

Ademais, os resultados evidenciam que, entre as 223 companhias da amostra, as dívidas de curto prazo representam, em média, 49,62% dos recursos de longo prazo (PNC + PL) e 45,33% do endividamento total. Tais resultados não podem ser considerados surpreendentes em uma economia prioritariamente financiada por crédito bancário.

Tabela 6. Estatística descritiva dos índices de estrutura de capital empregados na pesquisa

Figura13

Fonte: Os próprios autores

Na Tabela 7 são apresentados os resultados do modelo empírico da pesquisa para os três métodos de apuração dos Accruals discricionários, considerando as especificações apresentadas na sessão 3.2, bem como as considerações sobre os pressupostos da análise de regressão pelo método dos mínimos quadrados ordinários.

Analisando os resultados obtidos, pode-se observar que os três modelos são significativos como um todo, ou seja, a hipótese nula (H0) de que o coeficiente de determinação (R2) seria estatisticamente igual a zero deve ser rejeitada. Esse fato pode ser observado pela probabilidade de erro evidenciada nos testes F-estatístico, o que permite concluir que o comportamento de alteração das variáveis explicativas representadas pelos Fatores 1 e 2, extraídos da análise fatorial, tem influência sobre a variação dos Accruals discricionários estimados pelos três modelos, ao nível de 5%.

Os resultados também mostram que o modelo PAE se apresentou como o mais explicativo, de sorte que os Fatores conseguem explicar aproximadamente 9,99% (R² ajustado) das variações que ocorrem nos Accruals discricionários. Porém, a análise individual das variáveis explicativas demonstra que os coeficientes de nenhum dos dois Fatores são significativos em todos os modelos. Esses resultados tornam a análise inconclusiva, pois, embora a regressão seja significativa como um todo, não há significância estatística dos coeficientes das variáveis explicativas do modelo.

Tabela 7. Resultados do modelo de regressão múltipla estimado pelo método dos mínimos quadrados ordinários com erros padrões robustos para 223 empresas

Figura14

Fonte: Os próprios autores

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve por objetivo analisar a relação entre a estrutura de capital e o gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais. A premissa básica da pesquisa é de que os gestores têm incentivos para gerenciar resultados contábeis por meio de escolhas contábeis relacionadas com o reconhecimento dos Accruals com o objetivo de: i) manipular os lucros contábeis com o propósito de influenciar a percepção dos investidores quanto aos riscos e perspectivas futuras de retorno, com reflexos em contas do passivo e, portanto, na estrutura de capital; e ii) com o propósito direto de moldar a própria estrutura de capital em busca de melhores condições de captação de recursos, tornando os índices da empresa mais atraentes para investidores e credores, bem como para buscar adequação a cláusulas restritivas de contratos de proteção aos credores da empresa.

Para abordar este objetivo de pesquisa, foram analisadas 223 empresas não financeiras com capital aberto na BMFBovespa. A análise abordou o gerenciamento de resultados a partir dos Accruals discricionários estimados por meio de três diferentes modelos operacionais (Jones Modificado, KS e PAE). A estrutura de capital foi abordada a partir de dois fatores formados por meio de análise fatorial com extração pelo método da análise dos componentes principais aplicada a índices de estrutura de capital utilizados em pesquisas pregressas. O objetivo da utilização da análise fatorial foi permitir que o maior número de perspectivas sobre as proporções entre as fontes de capital fosse contemplado na análise, agregando refinamento à metodologia utilizada em estudos anteriores que focam na alavancagem. A análise fatorial permitiu que o estudo contemplasse uma variedade maior de perspectivas sobre a estrutura de capital sem que houvesse problemas de alta correlação entre as variáveis explicativas do modelo, que geralmente são calculadas utilizando-se as mesmas variáveis.

Os resultados não evidenciaram relação estatisticamente significativa entre a estrutura de capital e os Accruals discricionários estimados por meio dos três modelos operacionais. Esses achados permitem compreender que a estrutura de capital não age como incentivo ao gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais. Assim, as preocupações dos gestores com a estrutura de capital e suas várias dimensões não estão relacionadas com as escolhas contábeis e seus reflexos discricionários na formação dos resultados, na formação dos Accruals e na qualidade dos números contábeis.

Recomenda-se que pesquisas futuras refinem o modelo aplicado com a inclusão de variáveis de controle para isolar os efeitos dos demais incentivos ao gerenciamento de resultados, bem com a ampliação da amostra de pesquisa, seja por meio da inclusão de períodos anteriores, de modo a formar um painel que capture efeitos temporais na prática de gerenciamento, seja com a inclusão de empresas de outros países, com diferentes modelos de financiamento na economia (que possam resultar em estruturas de capitais diferentes e estabelecer novas possibilidades de relação com as escolhas contábeis).


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Recebido: 15 mar. 2018

Aprovado: 29 maio 2018

DOI: 10.20985/1980-5160.2018.v13n4.1411

Como citar: Gomes, A. C.; Macedo, H. C.; Marques, J. A. V. C (2018), “Efeitos da estrutura de capital sobre o gerenciamento de resultados contábeis no mercado brasileiro de capitais”, Sistemas & Gestão, Vol. 13, No. 4, pp. 469-481, disponível em: http://www.revistasg.uff.br/index.php/sg/article/view/1411 (acesso dia mês abreviado. ano).