Elaine Nascimento Souza Abreu
elaine.ns.abreu@gmail.com
Faculdade de Tecnologia – Fatec, Diadema, São Paulo
Betejane Bezerra Santos
bel175@gmail.com
Faculdade de Tecnologia – Fatec, Diadema, São Paulo
Irapuan Glória Júnior
profirapuan@ndsgn.com.br
Faculdade de Tecnologia – Fatec, Itú, São Paulo
O crescente número de empresas no setor cosméticos e a demanda por novos produtos contribuem para novos projetos de produtos. As empresas devem incluir as definições da agência reguladora em seus projetos para evitarem multas ou atrasos, o que pode impactar diretamente o sucesso dos projetos. O presente estudo de natureza qualitativa, utilizou a metodologia bibliográfica exploratória. Os objetivos foram identificar os riscos de projetos encontrados nas empresas de cosméticos a partir dos registros da ANVISA, e propor mitigações dos riscos identificados à luz do PMBoK. Foram identificados oito riscos e sugeridas 13 mitigações. A contribuição da pesquisa é auxiliar os gestores a incluírem os riscos e mitigações apresentadas em seus projetos do setor de cosméticos.
Palavras-chaves: ANVISA; Riscos em Projetos; Cosméticos.
A área de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPPC) demanda cada vez mais novos produtos para atender a um público ansioso por novidades. Neste panorama, a necessidade de projetos para suprir essa necessidade torna-se imperativa.
Ao definir um projeto é necessário traçar os seus objetivos, relacionar seus possíveis riscos, estimar seus custos e pessoas que estarão envolvidas (Chermont, 2001; PMI, 2013). Nesse sentido, o tema gerenciamento de projetos se tornou tão relevante que há empresas que promovem treinamentos a seus funcionários a fim de torná-los mais eficazes (Patah et Carvalho, 2009).
Dentre os frameworks de Gestão de Projetos disponíveis no mercado está o PMBoK, que define projeto como um esforço temporário empreendido para criar um produto, serviço ou resultado exclusivo (PMI, 2013). Em uma empresa de cosmético, os projetos devem possuir, dentre outras coisas, a documentação exigida e a utilização de boas práticas de fabricação definidas pela agência reguladora (ANVISA, 2015b). Assim, caso haja falta de algum requisito definido pela ANVISA nos projetos, as empresas são autuadas.
Considerando o exposto, esta pesquisa possui a intenção de responder a seguinte questão de pesquisa: "Quais os riscos que podem ser identificados dentro de uma empresa de cosméticos e como podem ser mitigados com o uso do PMBoK?". Os objetivos são: (1) identificar os riscos de projetos encontrados nas empresas de cosméticos a partir dos registros da ANVISA, e (2) propor mitigações dos riscos identificados à luz do PMBoK.
As justificativas para o desenvolvimento desta pesquisa são:
Relevância do tema: O número de empresas de cosméticos autuadas com irregularidades está crescendo (ANVISA, 2015a) e os gerentes de projetos devem estar cientes dos riscos dos novos projetos;
Ausência de estudos direcionados aos riscos no setor: foram identificados artigos a respeito de riscos em projetos de TI (Coelho et al., 2015; Glória Júnior et Chaves, 2014), mas não com foco nos riscos em projetos do setor de HPPC;
Relevância dos dados pesquisados: A ANVISA é o órgão governamental que define as regras de regulamentação, registros e autorizações, fiscalização e monitoramento para cada setor, no caso o setor de cosméticos;
Contribuição acadêmica: apresentar os riscos que podem ser encontrados em projetos do setor de HPPC e as respectivas sugestões de mitigações. A contribuição para a prática está na possibilidade de os gerentes de projetos aplicarem as mitigações em seus gerenciamentos de riscos.
O artigo está estruturado da seguinte forma: a Seção 1 apresenta a pesquisa, os objetivos e as contribuições; a Seção 2 estabelece o referencial teórico a respeito da gestão de projetos e do setor de HPPC; a Seção 3 define a classificação e o planejamento da pesquisa; na Seção 4 é apresentada a análise, a interpretação e a discussão dos resultados; a Seção 5 apresenta as conclusões e os direcionamentos para futuros trabalhos.
O termo cosmético refere-se a algum elemento utilizado na aplicação da face ou demais partes do corpo com o objetivo de mudar a aparência e elevar a beleza de uma pessoa, como, por exemplo, os produtos de higiene e limpeza (Mota et al., 2014).
As indústrias, para que possam exercer as suas atividades, devem cumprir com critérios de boas práticas de fabricação, que são um conjunto de medidas garantidoras da qualidade sanitária de seus produtos e, por consequência, da satisfação de seus clientes (ANVISA, 2015a).
As empresas, bem como os seus projetos, devem seguir as Resoluções da Diretoria Colegiada (RDC) que norteiam as ações, restrições e características dos produtos a serem idealizados e produzidos, sendo uma das principais a RDC 48/2013, que dispõe sobre a utilização de boas práticas de fabricação (ANVISA, 2013). A agência reguladora realiza auditorias periódicas (ANVISA, 2015b) e pode autuar as empresas que não tenham os padrões de qualidade especificados nos projetos, a capacidade produtiva declarada no escopo, falta de planejamento de manutenção ou a ausência de documentação dos projetos, produtos ou serviços comercializados (ANVISA, 2015a). Sendo assim, a necessidade da gestão de projeto é relevante para os gestores.
Um projeto é um esforço realizado durante um período delimitado e específico para a criação de um produto, serviço ou resultado exclusivo. O gerenciamento de projetos é constituído por um conjunto de ações para a execução de um projeto, aglutinados em dez conjuntos de processos, denominados de áreas do conhecimento (PMI, 2013):
(1) Gerenciamento da Integração do Projeto. Inclui os processos e as atividades necessárias para identificar, definir, combinar, unificar e coordenar os vários processos e atividades de gerenciamento do projeto;
(2) Gerenciamento do Escopo. Reúne os processos necessários para assegurar a inclusão de todo o trabalho necessário, e apenas o necessário para que o projeto seja finalizado com êxito (Kerzner, 2011; PMI, 2013);
(3) Gerenciamento do Tempo. Consiste em processos necessários para finalização do projeto no tempo previsto ou planejado (PMI, 2013) e pode utilizar ferramentas auxiliares, como o gráfico de GANTT (Kerzner, 2011);
(4) Gerenciamento de Custo. Inclui o custo de um projeto com processos de elaboração, previsão e monitoramento (PMI, 2013). Pode também incluir processos para gerar hipóteses (Kerzner, 2011);
(5) Gerenciamento da Qualidade. Determina as características do produto, serviço ou resultado exclusivo (PMI, 2013) de modo a satisfazer as demandas necessárias (Kerzner, 2011);
(6) Gerenciamento de Recursos Humanos do Projeto. São processos que identificam as funções e as competências de toda a equipe do projeto, bem como a identificação e gestão da estrutura organizacional (Kerzner, 2011; PMI, 2013);
(7) Gerenciamento das Comunicações do Projeto. Constitui os procedimentos necessários para assegurar que as informações do projeto sejam planejadas, a definição da tecnologia a ser empregada, a periodicidade dos meios, formatos e quais as informações serão disponibilizadas (PMI, 2013);
(8) Gerenciamento das Aquisições do Projeto. Inclui os processos necessários para comprar ou adquirir produtos, serviços ou resultados externos à equipe do projeto e a gestão de terceiros (PMI, 2013);
(9) Gerenciamento das Partes Interessadas. Refere-se aos processos que irão identificar as partes envolvidas e seus interesses no projeto que podem afetar positiva e negativamente o projeto (Kerzner, 2011; PMI, 2013);
(10) Gerenciamento de Riscos. Possui os processos que irão conduzir as atividades de identificação, mitigação, monitoração e controle dos riscos do projeto (PMI, 2013). A identificação prematura dos riscos é um dos fatores de sucesso em projetos (Kerzner, 2011).
Um risco que ocorre é chamado de problema (PMI, 2013). Existem riscos que podem ser encontrados nos projetos com mais frequência que outros (Glória Júnior e Chaves, 2014).
Atualmente, o número de empresas irregulares está crescendo gradativamente, sendo uma das possíveis causas a falta de gestão dos riscos nos projetos de cosméticos, como a falta de autorização sanitária e de funcionamento, ambas fornecidas pela ANVISA (ANVISA, 2015a).
Qualquer estabelecimento que realize o procedimento de extrair, produzir, embalar, importar, fabricar, transformar, reembalar, armazenar, exportar, distribuir e expedir produtos no seguimento de cosméticos, deve obrigatoriamente possuir uma autorização de funcionamento, necessitando da renovação a cada ano (ANVISA, 2015a).
Conforme a RDC nº 128, de 9 de maio de 2002, as empresas fabricantes e importadoras de produtos cosméticos, produtos de higiene pessoal, perfumes e correlatos ficam responsáveis pela qualificação dos fornecedores de matérias-primas, insumos e componentes utilizados na fabricação de seus produtos, conforme parâmetros técnicos estabelecidos (ANVISA, 2002), funcionando como requisitos em projetos (PMI, 2013).
Produtos produzidos em empresas que não são fiscalizadas pela ANVISA levam um grande risco para a saúde dos usuários, por não conter nenhuma análise que garantem sua eficácia, segurança e a qualidade (ANVISA, 2015b).
Trata-se de estudo de natureza qualitativa com o emprego da metodologia bibliográfica exploratória (Gil, 2008), cujo objeto de análise foram os registros de irregularidades de empresas existentes no site da ANVISA que apontam os motivos que levaram as empresas a serem autuadas. As unidades de análise foram as empresas autuadas (Martins et Theóphilo, 2009). Os passos para a elaboração da pesquisa foram:
Passo 1. Identificação dos riscos. A partir da consulta ao site da agência reguladora (http://portal.anvisa.gov.br), foram coletadas as causas de irregularidades, também chamado de problemas, e a quantidade de empresas que foram autuadas no período de 2009 a 2015; e
Passo 2. Proposta de mitigações. Foram sugeridas ações mitigatórias para os riscos identificados baseando-se no PMBoK (PMI, 2013). As sugestões foram elaboradas a partir das causas dos problemas, relacionando-os com um ou mais processos do gerenciamento de projetos que poderiam ser utilizados para eliminar ou mitigar seus efeitos.
De acordo com as informações encontradas, foram identificadas irregularidades nos produtos cosméticos, no período de 2009 a novembro de 2015, de empresas que não seguiram os padrões da regulamentação da ANVISA em relação à produção dos cosméticos, conforme apresentado na Tabela 1 (ANVISA, 2015b).
É possível verificar que, no ano de 2009, foi computado maior número de empresas com irregularidade junto à ANVISA. Nos anos de 2010, 2011 e 2012, houve uma queda acentuada, com variação três vezes menor que a quantidade identificada em 2009. Em relação aos anos de 2013 e 2014, houve um leve aumento nesse número comparado à 2010, 2011 e 2012. A quantidade de empresas segue diminuindo, mas ainda representa 43 empresas autuadas.
Tabela 1. Empresas irregulares relatados pela ANVISA de 2009 a 2015
Fonte: Baseado em ANVISA (2015b)
Considerando os dados fornecidos pela ANVISA, foi possível identificar que um dos itens relatados foi o desvio de qualidade dos produtos cosméticos (R01) resultante de sua contaminação. A ausência do registro (R02) de funcionamento requerido pela ANVISA também foi elencada.
Em relação às características do produto a ser desenvolvido, a agência cita a divergência de informação contida na embalagem (R03) que difere do conteúdo e do procedimento de produção estabelecido. A falsificação (R04) oriunda de adulteração na documentação ou produto também foi evidenciada pela ANVISA.
A ANVISA autuou empresas que não tinham produto registrado (R05), com seu processo de fabricação proibido (R06), que haviam registro de produtos vencidos durante o projeto (R07) e de irregularidades no uso de boas práticas nos requisitos dos projetos de fabricação de produtos (R08).
Tabela 2. Identificação dos riscos em empresas cosmética, em que o "R" corresponde a risco.
Fonte: Elaborado a partir de ANVISA (2015b)
As mitigações foram sugeridas em cada um dos riscos identificados considerando as áreas de conhecimento do PMBoK (PMI, 2013), conforme apresentado na tabela 3.
Tabela 3. Mitigações dos riscos identificados, em que o "MT" corresponde a mitigação
Fonte: Os autores
A ANVISA possui algumas advertências aos consumidores como forma de diminuir a venda indevida, como: solicitação de nota fiscal, observação das promoções com preços muito abaixo do mercado e análise das condições das embalagens e dizeres de rotulagem (a data de validade, data de fabricação, lote, registro e outras observações) (ANVISA, 2015a).
As mitigações sugeridas com base no PMBoK (PMI, 2013) constituíram-se, principalmente, como ações relacionadas aos gerenciamentos de qualidade, comunicação e de escopo e ao processo de monitoramento e controle do projeto.
Por meio dos resultados obtidos, conclui-se que, de 2009 a 2015, houve grande redução do número de empresas que não cumprem as normas da ANVISA em relação à produção de produtos cosméticos. Assim, há indicativos de que a tendência é esse número diminuir cada vez mais, dado o trabalho que a ANVISA tem realizado de fiscalizar e suspender as empresas irregulares no tocante a manter em vigor as boas práticas de fabricação, permanecendo ativa apenas as empresas que realmente estão comprometidas com a legislação e, desta forma, fornecer produtos de qualidade e segurança para a população.
Assim, a realização de transferência de conhecimento aos gestores dos projetos ou a funcionários equivalentes sobre os conceitos de gerenciamento de riscos, comunicação, qualidade, escopo e processo de controle e monitoramento pode promover o sucesso de projetos no setor de HPPC.
O setor de HPPC e a demanda por novos produtos relacionados apresentam-se em crescimento, cenário que contribui para a geração de novos projetos de produtos, os quais precisam estar em acordo com as definições da agência reguladora para evitarem multas ou atrasos, que podem impactar diretamente o sucesso dos projetos. Aliado a outros riscos, a necessidade de utilizar um framework de gestão de projetos, como o PMBoK, pode auxiliar os gestores.
A partir das autuações da ANVISA referentes ao período de 2009 até novembro de 2015, o artigo identificou oito riscos a que as empresas do setor estão suscetíveis, entre eles o desvio da qualidade, falsificação e produto sem registro. Para os riscos foram definidas 13 mitigações, que são sugestões de controle e monitoração do processo, aplicação dos processos de qualidade e escopo.
As limitações deste trabalho são a utilização das empresas autuadas pela ANVISA e não as que foram notificadas, a falta de entrevistas com os gestores dessas empresas e os resultados empíricos das mitigações sugeridas. A contribuição para a teoria é uma lista de riscos a serem estudados e de mitigações a serem aplicadas. Para a prática, os gerentes de projetos poderão incluir os riscos e mitigações elencadas em seus gerenciamentos de riscos. Como futuros trabalhos, recomenda-se a inclusão de entrevistas com os gestores, a inclusão das empresas notificadas e a aplicação das mitigações apresentadas.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (2002). Resolução RDC nº 128, de 9 de maio de 2002. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br. Acesso em: 05 out. 2015.
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Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (2015b). Produtos e empresas irregulares cosméticos – 2015. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br. Acesso em: 05 out. 2015.
Chermont, G. S. (2001). A Qualidade de gestão de projetos em sistemas de informação, Tese Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
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Project Management Institute - PMI (2013). Guide to the project management body of knowledge. PMI, Pennsylvania, USA.
Recebido: 30 jun. 2016.
Aprovado: 11 out. 2017.
DOI: 10.20985/1980-5160.2017.v12n4.1192
Como citar: Abreu, E.N.S.; Santos, B.B.; Glória Junior, I. (2017), “A identificação e mitigação de riscos em projetos de cosmetologia na perspectiva da Agência Nacional de Vigilância Sanitária”, Sistemas & Gestão, Vol. 12, No. 4, pp. 471-476, disponível: http://www.revistasg.uff.br/index.php/sg/article/view/1192 (acesso: dia mês abreviado ano).