Modelo de autoavaliação com enfoque em gestão de pessoas para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde


Saulo Santosa, Sérgio Françaa

aUniversidade Federal Fluninense

RESUMO

Este artigo trata da elaboração de um modelo de autoavaliação da gestão da qualidade, com enfoque em padrões de gestão de pessoas no ambiente hospitalar. Inicialmente foi realizada uma pesquisa no intuito de identificar as principais ideias e características dos estudos relacionados à avaliação da qualidade dos serviços de saúde, com maior ênfase na acreditação hospitalar, bem como um comparativo entre as metodologias de acreditação ONA e JCI/CBA. Por meio de um estudo de caso com caráter exploratório e a aplicação de um questionário a gestores hospitalares de um hospital universitário, foi possível avaliar a adequabilidade dos padrões que iriam compor o modelo final de autoavaliação - produto final desta pesquisa. Os resultados obtidos apontaram que os gestores participantes entendem a relevância do estabelecimento de padrões que apoiem na gestão e acompanhamento da instituição, com vistas ao desenvolvimento e aprimoramento contínuo.

Palavras-Chave: Gestão Hospitalar, Padrões de Qualidade, Gestão de Pessoas.


1. INTRODUÇÃO

Em um cenário de constantes mudanças, em que grandes empresas operam em um contexto de gestão da qualidade, as organizações da área de saúde do mundo inteiro estão inseridas em um mercado dinâmico no qual são exigidas respostas que busquem potencializar algumas questões, como percepção de segurança, avaliação da qualidade do cuidado ao paciente e, principalmente, maior profissionalização da gestão hospitalar.

A implementação de uma cultura da qualidade pode surgir dentro de uma organização quando equipes internas são formadas e se tornam responsáveis pelo planejamento e acompanhamento de padrões e indicadores, com objetivos definidos e estruturados, em busca da conformidade e aperfeiçoamento constante. Esta situação conduz a um processo de autoavaliação, ou seja, uma avaliação interna para a identificação de pontos de melhoria para o desempenho da organização.

A avaliação também pode ocorrer de maneira externa, ou seja, por terceiros, como acontece no caso da acreditação hospitalar, que possui o objetivo de verificar se determinado hospital atende a uma série de padrões pré-estabelecidos.

Atualmente, a principal organização responsável pela acreditação nacional é a Organização Nacional de Acreditação (ONA), que segue a metodologia contida no Manual Brasileiro de Acreditação: Organizações Prestadoras de Serviços de Saúde.

O manual, como os padrões de acreditação da Joint Commission International (JCI) para Hospitais, está representada no Brasil pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) (Seabra, 2007).

Tanto no manual do modelo nacional de acreditação quanto no internacional são encontrados diversos requisitos centrados no paciente e na administração da instituição que, entre outras categorias, incluem metas de segurança do paciente, gerenciamento de medicamentos, controle de infecções, governança corporativa e liderança, gestão da comunicação e informação, que, em geral, correspondem a serviços ou estruturas organizacionais específicas dos hospitais.

Estes manuais também abordam aspectos relacionados a padrões de gestão de pessoas mais ligados ao processo de planejamento, orientação e educação, que abordam as necessidades inerentes aos hospitais no tocante aos diversos profissionais envolvidos, seus perfis de competência e suas respectivas especialidades e qualificações.

No entanto, apesar da importância de avaliações, internas ou externas, para o desenvolvimento dos serviços prestados pelas instituições hospitalares, verifica-se que muitas delas não conseguem implementar um modelo que se adeque às suas necessidades, sejam por motivos processuais ou financeiros. Neste sentido, com o intuito de aprimorar o desenvolvimento de um modelo de avaliação interna, este trabalho propõe a construção de um modelo de autoavaliação baseado nos padrões metodológicos de acreditação da ONA e JCI/CBA, com enfoque em gestão de pessoas.

Entende-se que a prática da avaliação interna, além de estimular uma estratégia de conscientização dos profissionais da própria instituição sobre a importância da melhoria da qualidade nos processos de trabalho, também poderia minimizar ou até eliminar os altos custos envolvidos para a obtenção da acreditação, como o pagamento devido às entidades acreditadoras, uma das principais barreiras que dificultam o processo de acreditação de hospitais de menor porte.

Além disto, acredita-se que um procedimento de avaliação dos recursos institucionais, de forma periódica, voluntária e, principalmente, voltada para educação continuada dos profissionais, pode gerar um compromisso de melhoria dos processos, da qualidade, segurança e redução de riscos do ambiente, tanto de pacientes quanto dos demais profissionais envolvidos.

2. GESTÃO DA QUALIDADE EM SERVIÇOS DE SAÚDE

Avedis Donabedian foi pioneiro no estudo sobre a avaliação da qualidade nos serviços de saúde e suas contribuições são tão relevantes que até os dias atuais são utilizadas, tal como a tríade clássica - estrutura, processo e resultado (Donabedian, 1966). Nesta tríade, a estrutura está ligada à organização da instituição e às características de seus recursos humanos, físicos e financeiros; os processos correspondem ao conteúdo do atendimento e à forma como ele é executado; e os resultados representam o impacto obtido com o atendimento, em termos de melhoras na saúde e no bem-estar das pessoas, grupos ou populações, assim como a satisfação dos usuários pelos serviços prestados.

Esse autor percebeu que os estudos anteriores consideravam apenas o modelo industrial e se dedicou ao campo da assistência da saúde e do cuidado médico.

Novaes (2000) cita que Donabedian (1990) sugere um novo conceito, chamado de sete pilares da qualidade:

Aceitabilidade –conformidade do atendimento global com os desejos e expectativas dos pacientes e de seus familiares;

Efetividade – grau máximo de melhora da saúde que é possível alcançar com a melhor atenção disponível;

Eficácia – propensão da ciência e a arte do cuidado em saúde, capaz de oferecer avanços positivos ao bem-estar dos pacientes;

Eficiência – capacidade de reduzir ao máximo os custos do atendimento sem diminuir, significativamente, o grau de melhora da saúde;

Equidade –conformidade com os princípios que regem a distribuição justa de tarefas relacionadas ao cuidado da saúde e seus benefícios entre todos os membros da população;

Legitimidade – conformidade com os princípios éticos, valores, normas, regulamentos e leis que regem a comunidade;

Otimização – equilíbrio entre os custos e os benefícios do atendimento em saúde.

Outro importante estudioso da qualidade nos serviços de saúde é Donald Berwick. Conforme citado por Malik et Schiesari (2002), o envolvimento desse autor começou a partir da década de 1980, principalmente com o Plano de Demonstração Nacional (PDN), que contribuiu para maior aproximação dos profissionais, modelos e ferramentas de gestão da qualidade nos segmentos industrial e empresarial, em geral com o ambiente hospitalar e os profissionais de saúde americanos. O aprendizado obtido no PDN, dentre outras contribuições, foi resumido em dez tópicos relevantes para a melhoria da qualidade (Berwick et al., 1994):

A possibilidade da aplicação de instrumentos e ferramentas de melhoria da qualidade na assistência à saúde;

A importância dos times multifuncionais na melhoria dos processos no ambiente hospitalar;

A facilidade e a grande quantidade de dados úteis para a melhoria da qualidade na assistência à saúde;

Métodos de melhoria da qualidade na assistência à saúde são bem recebidos pelos profissionais envolvidos, principalmente na área de enfermagem;

A ideia de que a má qualidade gera altos gastos, cerca de 40% ou 50% do total de custos dos hospitais, e que a melhoria dos processos pode reduzi-los;

Busca por alternativas para suprir uma maior dificuldade em envolver médicos;

Entendimento da necessidade de treinamento para todos os profissionais;

Alinhamento de que a melhoria da qualidade também deve ocorrer nos processos não clínicos;

Percepção de que as instituições de saúde podem precisar de uma definição mais abrangente de qualidade;

Clareza de que, da mesma maneira como ocorre na indústria, a maior responsabilidade da melhoria da qualidade está nas mãos dos líderes.

Schiesari (2014) apresenta um estudo sobre as contribuições dos diversos modelos de gestão da qualidade aplicados em hospitais ou serviços de saúde em geral. No Brasil, ainda são poucos os hospitais que contam com algum tipo de modelo de gestão da qualidade aplicado, contudo é inquestionável que grande parte das lideranças destes hospitais já tem conhecimento sobre estes modelos. A autora cita alguns dos resultados positivos e negativos que surgem com a aplicação dos modelos de gestão da qualidade na área da saúde:

Resultados Positivos:

• Aprimoramento da gestão: conceitos como planejamento estratégico, análise de dados quantitativos e uso de indicadores para subsidiar o processo decisório são exemplos de instrumentos mais precisos que podem ser introduzidos com a aplicação de modelos de gestão da qualidade.

• Padronização dos processos: com a possibilidade de utilização de normas, regulamentos, procedimentos, protocolos ou itinerários clínicos, previamente elaborados com o intuito de tornar as práticas de trabalho mais homogêneas, as instituições prestadoras de serviços de saúde têm a oportunidade de explicitar os resultados esperados para processos considerados críticos, podendo minimizar a variação de práticas clínicas e administrativas relacionadas.

• Treinamento do pessoal: o aspecto do desenvolvimento de competências é considerado fundamental para o sucesso da aplicação do modelo de qualidade. Desta maneira, os hospitais envolvidos buscam o constante planejamento e controle dos treinamentos de seus profissionais, com oferta de cursos de aperfeiçoamento e capacitação.

• Trabalho em equipe: o bom funcionamento da equipe multiprofissional e interdisciplinar em torno da assistência ao paciente é preocupação constante. Ao que parece, permanece um grande desafio e, por vezes, um sonho. Estas iniciativas têm o mérito de sensibilizar, frequentemente, as instituições e seus dirigentes para a importância do tema.

• Cuidado focado no paciente: nestes modelos, os pacientes são o foco principal da gestão. É fundamental ter atenção às suas expectativas e necessidades, além de torná-los atores ativos no processo de tomada de decisão. A mensuração da satisfação dos pacientes deve ser um aspecto relevante.

• Motivação: a busca pela melhoria da qualidade pode motivar os colaboradores em um momento inicial. Contudo, ainda é comum que, em longo prazo, ocorra uma desmotivação pela dificuldade de manutenção do modelo de qualidade.

• Reconhecimento externo: a acreditação ou certificação pode trazer resultados melhores com relação à avaliação de seus clientes, oferecendo uma vantagem competitiva e possibilitando a participação em financiamentos condicionados a determinados resultados alcançados.

• Mudança da cultura: não é uma tarefa muito simples, porém, principalmente em sua fase inicial, as instituições constatam uma mudança positiva no comportamento das pessoas e que muitos processos foram modificados.

Resultados negativos:

• Descontinuidade: os profissionais envolvidos não conseguem manter os mesmos padrões e acabam desanimando e não acreditando mais no lado positivo da qualidade.

• Burocratização: com a desmotivação dos profissionais, destacam-se os aspectos que, quando excessivos, se tornam negativos - normalização, procedimentos, medidas, documentos, etc.

• Baixa criatividade: em muitos casos, por conta da baixa autonomia nas atividades, não existe lugar para estimular outras iniciativas e ideias inovadoras.

• Generalização: os modelos podem não ser adaptados para a realidade local e a cultura organizacional.

As discussões acerca da avaliação da qualidade dos serviços e do sistema de saúde ocorrem há muito tempo, contudo os modelos de avaliação estruturados e sistematizados passaram a serem praticados mais recentemente. Segundo Fortes (2013), avaliar é emitir juízos de valor sobre as qualidades, atributos ou propriedades de um objeto, uma ação, uma ideia, uma pessoa, etc.

Os modelos específicos que avaliam a qualidade dos serviços de saúde se desenvolveram como uma forma de adaptação dos que já existiam. Dentre alguns mais destacados, há o prêmio Deming, o prêmio Malcon Baldrige, o European Foundation for Quality Management (EFQM), o Prêmio Nacional de Qualidade (PNQ) e as normas ISO. Os modelos de avaliação possuem uma série de padrões, ferramentas e indicadores que guiam as práticas de gestão de qualidade dentro das organizações.

As avaliações podem ser internas ou externas. As externas são, em geral, realizadas por terceiros; e as internas, implementadas por membros da própria organização.

De maneira comum, as avaliações externas são realizadas por organizações especializadas que verificam o cumprimento de padrões preestabelecidos. No caso específico das instituições de saúde, esse sistema de avaliação externa é denominado acreditação hospitalar.

3. ACREDITAÇÃO HOSPITALAR: UM COMPARATIVO ENTRE OS MODELOS ONA E JCI/CBA

A acreditação hospitalar refere-se à avaliação externa de uma instituição de saúde, realizada por uma entidade, geralmente não governamental, separada e independente, com o objetivo de determinar se o hospital analisado atende a uma série de padrões. Na maioria dos casos, a acreditação é voluntária e gera um compromisso de melhoria dos processos, da qualidade, segurança e redução de riscos do ambiente, dos pacientes e dos profissionais envolvidos (JCI, 2013).

Atualmente, diversos países utilizam e desenvolvem métodos de acreditação. No Brasil, desde a década de 1990, são desenvolvidos modelos de controle da qualidade na saúde, com diversos investimentos que buscam a sistematização de instrumentos de controle da conformidade de padrões e níveis de qualidade (ONA, 2010). Apesar de serem poucos, os hospitais acreditados no Brasil conseguem atingir resultados satisfatórios quando passam a aplicar os padrões preconizados nos modelos de acreditação.

Segundo Seabra (2007), os modelos de acreditação mais utilizados no Brasil são o modelo internacional da JCI/CBA e o modelo nacional da ONA. Em levantamento realizado até o mês de março de 2016, as instituições prestadoras de serviços de saúde acreditadas pela JCI/CBA no Brasil representavam um total de 63 (CBA, 2016); já a ONA, por meio de suas organizações acreditadoras, acreditou 505 instituições (ONA, 2016).

A JCI é uma divisão internacional da Joint Commission norte-americana e está representada, no Brasil, pelo Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA). As instituições que buscam a outorga da acreditação JCI/CBA passam por um processo de educação, onde os membros internos são capacitados com o objetivo de adequar as práticas existentes com os padrões estabelecidos pelo manual. Posteriormente, a instituição é avaliada pela equipe de especialistas da entidade acreditadora. Podem surgir dois resultados neste processo: a organização é acreditada ou não, não existindo níveis de graduação na outorga da acreditação (Fortes, 2013).

AONA utiliza uma metodologia de acreditação que pode ser oferecida a diversos serviços, tais como: serviços hospitalares, ambulatoriais, terapêuticos e o pronto atendimento, laboratoriais, entre outros. Neste modelo, as instituições podem ser acreditadas em 3 diferentes níveis de complexidade.

No nível 1, acreditação, os requisitos básicos de qualidade devem ser atendidos, sendo necessário os recursos humanos qualificados para cada área de atuação institucional. No nível 2, acreditação plena, o foco é maior no planejamento na organização da assistência, com maior controle de aspectos ligados à documentação, treinamento, subsídios estatísticos de apoio ao processo decisório gerencial e clínico, além da implantação de procedimentos auditoria interna. No nível 3, acreditação com excelência, há evidências objetivas de políticas institucionais de melhoria contínua, como estrutura, novas tecnologias e atualização técnico-profissional. (ONA, 2010).

Malik et Schiesari (2002) estabelecem um comparativo entre os modelos ONA E JCI/CBA, conforme demonstrado a seguir na Figura 1.

Figura1

Figura 1. Comparativo entre o modelo nacional ONA e o internacional JCI/CBA.

Fonte: Elaborado a partir de Malik et Schiesari (2002)

Duarte et Silvino (2012) destacam os seguintes aspectos positivos com a implementação de um modelo de acreditação: confiabilidade, que pode ser construída no decorrer do processo de acreditação com uma nova cultura organizacional; aumento do nível de satisfação dos pacientes atendidos; aumento da eficiência do atendimento às pessoas e maior confiança da comunidade na qualidade do serviço prestado.

Segundo Rothbarth (2011), algumas barreiras que podem surgir no processo de acreditação são o pouco apoio da alta direção do hospital, a cultura resistente a mudanças, o grau de complexidade do hospital, a falta de envolvimento e comprometimento dos profissionais, as dificuldades de entendimento e interpretações equivocadas, a expectativa por resultados imediatos, o organograma e modelo de gestão atual, e a baixa utilização de indicadores.

Manzo et al. (2012) afirmam que os profissionais da área de saúde não possuem uma visão uniforme a respeito do processo de acreditação, sendo que alguns têm maior percepção acerca dos aspectos positivos, e outros acerca dos aspectos negativos.

4. MODELOS DE ACREDITAÇÃO ONA E JCI/CBA: UM COMPARATIVO DOS PADRÕES COM ÊNFASE EM GESTÃO DE PESSOAS

A fim de estabelecer critérios para o comparativo entre os modelos de acreditação ONA e JCI/CBA, faz-se necessário entender o papel e a constituição da área de gestão de pessoas nas organizações.

Conforme afirma Gil (2006), a área de gestão de pessoas deve contribuir para que as organizações sejam eficazes por meio dos indivíduos. Desta maneira, é importante entender a função de cada subsistema que compõe esta área de forma a permitir uma atuação de maneira integrada, visto que cada um deles pode influenciar nos demais, positiva ou negativamente. Abaixo, são elencados os subsistemas da gestão de pessoas (Gil, 2006):

• Agregar pessoas – inclui todas as atividades que permeiam a atração e seleção de pessoas, além da integração de novos funcionários.

• Aplicar pessoas – refere-se ao mapeamento das atividades, análise e descrição de cargos. Abrange também o plano de carreiras, avaliação de desempenho e disseminação da cultura organizacional.

• Recompensar pessoas – diz respeito à remuneração e reconhecimento em função das entregas realizadas.

• Desenvolver pessoas – responde pela capacitação e desenvolvimento profissional, englobando o levantamento de necessidades, execução de programas de desenvolvimento, programas de gestão de mudança e comunicação interna.

• Manter pessoas - cria condições para a manutenção do clima e da cultura organizacional, abrangendo a gestão de saúde, segurança do trabalho, higiene e qualidade de vida.

• Monitorar pessoas – refere-se ao acompanhamento e gestão de pessoas por meio da verificação de resultados.

Ambos os modelos de acreditação pesquisados neste trabalho possuem credibilidade e qualificação para avaliar instituições hospitalares. No entanto, há algumas diferenças entre eles no que diz respeito aos padrões estabelecidos para avaliação. O comparativo referente aos padrões de gestão de pessoas está sinalizado na Figura 2.

Figura2

Figura 2. Comparativo entre o modelo nacional ONA e o internacional JCI/CBA com ênfase em gestão de pessoas.

Fonte: os próprios autores

A comparação entre os modelos ONA e JCI/CBA foi estruturada com maior enfoque em suas características, uma vez que se mostraram pouco perceptíveis os aspectos que pudessem ser considerados vantagens e/ou desvantagens. Apesar disso, foram identificados alguns aspectos positivos e/ou negativos dos modelos, sendo eles: • Nível de detalhamento nos padrões: o modelo JCI/CBA apresenta maior detalhamento dos padrões, além de elementos de mensuração que orientam a avaliação por parte da instituição.

• Consideração de diferentes profissionais: o modelo JCI/CBA segmenta os padrões de forma a considerar os diferentes grupos de profissionais envolvidos, diferentemente do modelo ONA que não faz distinção de funções ou profissionais.

• Valorização de pessoas: o modelo ONA contempla este elemento que faz parte do fator “recompensar pessoas”. Ele não foi identificado no modelo JCI/CBA.

• Avaliação de clientes externos: o modelo ONA orienta a instituição com relação ao monitoramento da satisfação de clientes externos. O modelo JCI/CBA não considera este item.

5. METODOLOGIA DA PESQUISA

Esta pesquisa é classificada como estudo de caso, exploratório e aplicado, desenvolvido com enfoque em padrões de gestão de pessoas no ambiente hospitalar com base no tratamento comparativo das principais características das metodologias de acreditação da ONA e da JCI/CBA.

Durante a pesquisa, foi possível averiguar características de uma realidade específica, bem como questionar a percepção de gestores hospitalares, ampliando conhecimentos acerca da aplicação de padrões de qualidade na gestão hospitalar.

Diversas fontes, primárias e secundárias, foram utilizadas na revisão bibliográfica. A pesquisa documental teve base em dados oriundos de documentos, relatórios e informações internas do hospital analisado. Este material teórico levantado serviu como base para a elaboração de um modelo prévio de autoavaliação da qualidade.

A validação do modelo prévio foi verificada por meio da percepção dos gestores do hospital participante da pesquisa por meio da aplicação de um questionário semiestruturado, que apresentava perguntas elaboradas a partir dos padrões de qualidade ligados à área de gestão de pessoas.

As respostas do questionário foram padronizadas de acordo com a escala Likert com as seguintes opções: “Concordo totalmente”; “Concordo parcialmente”; “Discordo parcialmente”; “Discordo totalmente” e “Não sei avaliar”.

O questionário foi estruturado em duas etapas - avaliação de desempenho e relevância. A expectativa da primeira parte foi identificar qual é a situação atual do hospital analisado, considerando as práticas vigentes referentes à gestão de pessoas. Na segunda etapa, esperou-se que os gestores apontassem, de acordo com sua percepção, qual a relevância dos padrões propostos para o modelo de autoavaliação, no sentido de contribuir para o alcance/melhoria da qualidade hospitalar. Após as duas etapas, foi disponibilizado aos gestores um campo opcional de observações para apontar suas reflexões e sugestões.

A aplicação dos questionários ocorreu durante os meses de setembro e outubro de 2015, em diversos setores das três áreas presentes na instituição: administrativa, médica e de enfermagem, sendo precedida de aprovação da direção administrativa. Participaram da pesquisa 28 gestores, o que corresponde a cerca de 80% do total de gestores do hospital participante da pesquisa.

Dentre os gestores participantes da pesquisa, aproximadamente 70% ocupam seus respectivos cargos de chefia, coordenação ou direção por mais de cinco anos e atuam na área de saúde por no mínimo 15 anos. Todos possuem nível superior em suas áreas de atuação e 30% possuem formação específica em gestão hospitalar. Além disso, os quatro principais gestores da instituição, ocupantes dos cargos de direção (diretor geral, diretora administrativa, diretor médico e diretor de enfermagem), responderam ao questionário.

6. ESTUDO DE CASO

O estudo foi realizado em um hospital, inaugurado na década de 1950, que é considerado uma unidade de saúde de alta complexidade de atendimento, atendendo uma região que abrange uma população estimada em mais de dois milhões de habitantes.

Os dados obtidos com a aplicação do questionário foram muito satisfatórios e ratificaram a relevância das questões apresentadas. Em todos os padrões, os gestores apontaram concordância total ou parcial maior que 80% no que diz respeito à relevância dos itens do questionário. Tal percentual ratifica a percepção destes profissionais sobre a importância da avaliação contínua de padrões de qualidade. Por este motivo, não houve retirada de nenhuma questão no modelo final de autoavaliação.

A aplicação do questionário foi presencial e não ocorreram dúvidas de interpretação no momento destinado ao preenchimento das questões. O único ajuste nos padrões foi o desmembramento do item que trata acerca da análise de satisfação de clientes internos e externos, conforme sugerido por um dos gestores participantes da pesquisa.

Os itens do modelo final de autoavaliação também foram agrupados com base nos subsistemas da área de gestão de pessoas (Agregar, Aplicar, Recompensar, Desenvolver, Manter e Monitorar), com o objetivo de facilitar o entendimento das questões que são apresentadas com uma estrutura mais direta e ordenada.

Neste modelo, as questões deverão ser avaliadas sob o ponto de vista do desempenho, a fim de se ter a percepção sobre o estado atual da instituição que fizer o levantamento da qualidade. Para tal, o modelo sugerido continuou com a mesma escala de avaliação, com as cinco opções de resposta contidas no modelo inicial.

Desta forma, o modelo final de autoavaliação da gestão da qualidade, com enfoque em padrões de gestão de pessoas, no ambiente hospitalar está disponibilizado na Figura 3, após a validação dos gestores do hospital universitário pesquisado.

Figura3

Figura 3. Modelo de autoavaliação da gestão da qualidade, com enfoque em padrões de gestão de pessoas no ambiente hospitalar.

Fonte: os próprios autores

A comparação entre as percepções dos gestores do hospital analisado sobre o desempenho e a relevância foi elaborada por meio da média ponderada da quantidade de opções de respostas obtidas para cada um dos itens do modelo prévio de autoavaliação. Pelo fato das respostas serem classificadas como dados categorizados, foram atribuídos pesos (valores numéricos) a cada opção de resposta. A opção “Não sei avaliar” recebeu o valor 0, a opção “Discordo totalmente” recebeu o valor 1, “Discordo parcialmente” recebeu o valor 2, “Concordo parcialmente” recebeu 3 e a opção “Concordo totalmente” recebeu o valor 4.

A utilização desta ferramenta estatística possibilitou apresentar um mapeamento das percepções dos gestores com relação aos padrões de qualidade ligados à gestão de pessoas no hospital analisado no estudo de caso. As médias ponderadas do desempenho e da relevância são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1. Médias ponderadas do desempenho e da relevância dos padrões do hospital universitário.

Tabela1

Fonte: os próprios autores

De acordo com os dados coletados, a média ponderada relativa ao desempenho ficou muito abaixo da média ponderada da relevância na maioria dos itens. O item 2 foi o que apresentou a menor diferença entre o desempenho e a relevância, seguido dos itens 4 e 6, que também tiveram as menores diferenças. O item 1 apresentou a maior diferença, seguido dos itens 7 e 13, respectivamente.

Foi percebido que a maioria dos itens com maior média ponderada relativa ao desempenho e com menor diferença entre o desempenho e a relevância estavam relacionados ao subsistema da área de gestão de pessoas aplicar pessoas, evidenciando um ponto forte da instituição analisada, que, de acordo com as percepções de seus gestores, apresenta bons resultados, principalmente, com relação à definição e descrição de cargos.

Diversos itens apresentaram um baixo desempenho e uma alta diferença entre o desempenho e a relevância, segundo as percepções dos gestores. Estes itens demonstraram os pontos fracos do hospital e estão ligados, em sua maioria, aos subsistemas de gestão de pessoas recompensar pessoas, agregar pessoas, desenvolver pessoas e manter pessoas. Estas questões expõem dificuldades de integração entre os diversos profissionais que atuam no hospital, poucas iniciativas de capacitação e valorização, além de diversas outras questões que influenciam negativamente as condições de trabalho dos funcionários deste hospital.

Diante desses aspectos negativos encontrados na pesquisa, o hospital analisado poderia desenvolver e aplicar planos de ação com o objetivo de minimizar ou até eliminar a diferença entre o estado desfavorável atual e a situação desejada. Abaixo, são identificadas algumas possíveis ações/práticas de melhoria, tais como: Aplicação de programas de desenvolvimento voltado para o aprimoramento constante do corpo funcional;

Desenvolvimento de ações que tenham por objetivo valorizar os profissionais com melhor desempenho e que apresentem melhores resultados;

Investimento em infraestrutura, incluindo espaços e equipamentos apropriados de trabalho;

Estímulo de atividades multidisciplinares que envolvam trabalhos em equipe, com profissionais de diferentes áreas.

Contudo, é preciso ratificar e disseminar o entendimento de todos os padrões abordados no questionário, bem como demonstrar a percepção de relevância dos gestores que constituem o corpo gerencial da instituição, a fim de que ações sejam realmente pensadas, implementadas e monitoradas constantemente.

7. CONCLUSÃO

A pesquisa realizada indicou que há diversas melhorias que podem ser efetivadas no ambiente hospitalar pesquisado, a fim de que sejam potencializados os serviços prestados, a satisfação e reconhecimento de funcionários, e os processos estabelecidos atualmente no âmbito da gestão de pessoas.

Além disso, os resultados apontaram que os gestores entendem a relevância do estabelecimento de padrões que apoiam na gestão e acompanhamento com vistas ao desenvolvimento contínuo da instituição. Os comentários acrescentados às respostas demonstraram o quanto as práticas de acompanhamento contínuo podem influenciar comportamentos que se refletirão em melhorias organizacionais.

Assim, com base nos dados obtidos com o estudo, foi possível elaborar um modelo de autoavaliação da gestão da qualidade no ambiente hospitalar, com foco em gestão de pessoas, tendo como base os padrões presentes nas metodologias de acreditação ONA e JCI/CBA. Para a aplicação deste modelo em outras instituições, sugere-se que sejam realizadas novas pesquisas aprofundando as necessidades específicas da instituição a ser avaliada, a fim de que sejam criados indicadores de acompanhamento a serem mensurados periodicamente, com o intuito de acompanhar os progressos e possibilidades de melhorias continuamente.

No caso de novas aplicações deste modelo, a partir dos dados que forem sendo coletados, poderiam ser criados planos de ação contendo os desafios a serem implementados, a forma de execução, o prazo de concretização e a análise dos impactos alcançados.

Para os gestores do hospital participante da pesquisa foi construída uma escala de avaliação, mantida no modelo final de autoavaliação. No entanto, a escala pode ser modificada por pesquisadores futuros de forma que fique mais aderente ao que se pretende identificar, não restringindo a pesquisa a um único formato de mensuração.

Cabe destacar a importância da avaliação da qualidade para uma organização, pois independentemente de ser no âmbito hospitalar ou não e do enfoque da análise (gestão de pessoas, gestão de processos, infraestrutura, etc.), entende-se que se houvesse uma prática de monitoramento constante nas diversas áreas de atuação, a qualidade dos serviços prestados, o empenho dos envolvidos, sejam eles gestores ou não, bem como a satisfação dos clientes poderiam ser elevados paulatinamente, gerando grandes benefícios para a instituição.

Por fim, é sabido que, para um resultado positivo, necessita-se de um grande esforço de todos que compõem a organização, visto que a criação de planos de ação e o estabelecimento de metas se fazem fundamentais. Neste sentido, acredita-se que a aplicação de um modelo de autoavaliação, como o proposto nesta dissertação, pode ser o primeiro passo para avaliação do desempenho atual e a identificação de pontos que precisam ser aprimorados de forma a alcançarem os resultados esperados.


REFERÊNCIAS

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